Publicada em 1 de abril de 2001
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
No início dos anos 70, todo brasileirinho já nascia com uma vocação: ser
torcedor de futebol. O Brasil, tricampeão mundial, era motivo de orgulho
nacional. O paulistano Ricardo Tomaz Trópico fugiu a essa regra e desde
pequeno optou por acompanhar o avô, um apaixonado por motores. Para desgosto
do pai, um ex-jogador de futebol e corintiano roxo, trocou a bola pela graxa
e cresceu em meio às engrenagens e aos roncos dos carros. Virou um fanático
pela Fórmula 1.
Neste domingo, em Interlagos, ele será um rosto anônimo entre os 70 mil
espectadores previstos para o Grande Prêmio do Brasil. Vai estar torcendo
especialmente para Rubens Barrichello, que deve chegar em primeiro, segundo
suas previsões.
Na segunda-feira, ele sonhou que o brasileiro ganharia. Acordou agitado e só
sossegou quando enviou um e-mail para Barrichello, dando as dicas de como
vencer: “Na hora do grid de largada, ele tem de pedir para o chefe
inspiração para a prova.” Chefe é o apelido de Ayrton Senna, o ídolo dos
ídolos de Trópico. Se vencer, espera que o piloto atenda a seu pedido: uma
roda usada da Ferrari.
Na quinta-feira à noite, o empresário, fabricante de placas de veículos,
misturava-se a outros fanáticos pela F-1 no saguão do Hotel Transamérica,
onde se hospedam a maioria dos pilotos e mecânicos. Para ele, tirar uma foto
junto de um piloto é uma tradição. “Parece uma coisa besta, mas a gente vem
assim mesmo”, admite. Nos últimos anos, sempre está lá, câmera na mão. “Eles
já nos reconhecem”, afirma. “No ano que vem, é só vir com a foto tirada
desta vez e eles autografam para nós.” Em sua casa, na zona leste de São
Paulo, há uma porção delas, incluindo uma que considera especial, ao lado de
Senna.
A vida de Trópico é uma feliz coincidência com o mundo da F-1. Ele e o GP
Brasil têm exatos 30 anos. Em 1991, exatamente quando Ayrton Senna ganhou
pela primeira vez a prova em Interlagos, ele conheceu pessoalmente o piloto.
Ex-funcionário do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), recebeu a
tarefa de emplacar carros de uma concessionária. Chegou numa loja da Audi e
encontrou o seu ídolo. “Quase caí de costas. Meu coração disparou e só pude
ouvir ele dizer para caprichar no serviço.” Caprichou tanto que ganhou a
admiração do piloto. Desde então, Senna sempre pedia para chamarem “aquele
rapaz” das placas. “Era um cara simples, simpático. Na primeira vez, até deu
uma boa caixinha.”
Quando o piloto morreu, foi uma das milhões de pessoas no funeral em São
Paulo. A saudade aumentou a admiração. Primeiro, começou a expandir sua
coleção de miniaturas Minichamps de carrinhos, a maioria de Senna. Depois,
foram os bonés, as camisetas das equipes e os capacetes em miniatura. Em
1998, decidiu procurar o criador dos capacetes do ídolo e tantos outros
pilotos brasileiros. Ganhou a amizade do designer Sid Mosca. Foi na loja
dele que conheceu, há pouco tempo, Barrichello.
Trópico guarda a sete-chaves o seu maior troféu, o capacete original de
Ayrton Senna, pintado pelo designer. “Se me oferecessem US$ 5 milhões, eu
não venderia. Nem pelo prêmio da Mega-Sena acumulada eu venderia”, garante.
Em respeito, diz que nunca vestiu o capacete, nem nunca o fará. “A minha
mulher vai ter que me enterrar com ele”, afirma.
Fernanda Machado, de 28 anos, diz que não sente ciúmes dessa outra paixão do
marido. “Já é uma rotina dele, me acostumei.” Até o sócio Helio Rabello, de
40, compreende essa fascinação: “Não sei se pode chamar isso de fanatismo.
Acho que é só um desejo enorme de estar próximo desse mundo.”
O sonho de ser piloto surgiu antes mesmo de aprender a dirigir, aos 14 anos.
Como não conseguiu realizá-lo, o empresário contentaria em dar uma volta em
Interlagos. Ou ainda fazer com que o filho Guilherme Machado, de 1 ano,
abrace a vocação. “Isso é de matar o velho do coração”, protesta o
eletricista Pedro, avô do menino.
Mas não tem jeito. Trópico já comprou o macacão do Senninha para Guilherme,
decorou o quarto dele com fotos do ídolo, tirou inúmeras fotos com o menino
dentro de carros da F-1, na loja de Sid Mosca, e não se cansa de
presenteá-lo com mimos do automobilismo. Para acostumá-lo desde pequeno,
garante.
A exceção fica por conta de uma miniatura de uma Lotus de Senna, que foi
comprada por R$ 180 e hoje vale R$ 2.500. “Foi uma tiragem limitadíssima”,
explica. Golpe de sorte e de quem acompanha dia-a-dia tudo o que diz
respeito à F-1.
Para o GP Brasil, terá de acordar cedo para estar no autódromo já às 4
horas, acompanhado de 6 amigos. É com essa turma que, em cada prova, troca
informações, fala da expectativa para a corrida e faz palpites. “A semana
que antecede o GP é uma adrenalina só.” Cada um pagou R$ 178 pelos ingressos
válidos para os três dias da corrida. Se tudo der certo, vai comemorar em
dobro a vitória de Barrichello, com Michael Schumacher em segundo e David
Coulthard, terceiro. Mais que isso, acredita piamente que a vitória será
dele também, já que viu primeiro, no sonho, a bandeirada final para o
brasileiro.