Publicada em 8 de junho de 2004
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
PORTO PRÍNCIPE – A história de Tudor Sanon podia ser uma fábula. Garoto
pobre cresce em meio à miséria de um país em eterna crise, passa por
dificuldades, dedica-se aos estudos e por meio de um esporte vindo do outro
lado do mundo, o tae kwon do da Coréia, consegue realizar seu sonho de
participar de uma Olimpíada. Só que esse jovem de 20 anos, 1m 86 de altura e
84 quilos luta para que sua trajetória vire realidade e um exemplo para os
outros. Mesmo que para isso tenha de ser um atleta solitário no Haiti.
Além de ser o primeiro lutador haitiano de tae kwon do a participar de uma
Olimpíada, Sanon também é o único atleta que permanece treinando no país.
Todos os outros nove esportistas de judô, boxe e atletismo, as modalidades
que terão competidores do Haiti, moram e estudam nos Estados Unidos ou no
Canadá. Nesses locais encontram condições de treinar. Já Sanon passa mais de
três horas diárias praticando os golpes em piso de azulejo dentro de uma
universidade. O vestiário é improvisado numa lousa móvel.
Seu interesse pelo esporte surgiu dez anos atrás, quando viu no próprio
Haiti esportistas praticando a luta. Começou a treinar com a equipe de
professores formados nos anos 70 por um mestre coreano. Hoje, são mais de
1.500 praticantes espalhados em 50 escolas, mas só 10 possuem instalações
adequadas. Sanon nem sempre consegue treinar nas melhores. “O haitiano é um
povo que luta pela vida, para ganhar dinheiro, para comer. Para ele, é muito
fácil lutar”, explica o presidente da associação nacional do esporte Léo
Cartright.
O tae kwon do virou esporte olímpico só em 2000, em Sydney. Antes, desde
1992, era de exibição. Sanon sabe das dificuldades que enfrenta, comparadas
com as de competidores de outros países, mas acredita que pode trazer
medalha. “Seria muito importante, porque o Haiti está em crise, com muitos
problemas e uma vitória minha poderia mudar um pouco a imagem do nosso
país”, diz.
Ele se classificou para Atenas num torneio no México, em janeiro. Depois,
surgiu oportunidade para treinar nos Estados Unidos, mas sua mãe proibiu a
viagem. Não queria que perdesse o ano no colégio.
Poucas medalhas – O Haiti é país sem tradição olímpica. A primeira medalha
foi uma prata em 1924 no tiro. Nos Jogos seguintes, outra prata no salto.
Depois, nunca mais nenhum haitiano subiu ao pódio. “Sanon é muito forte, se
prepara muito bem, mas lhe falta competência. Não posso dizer que vai ganhar
medalha, mas lutará o que pode”, diz Cartright.
Falta de apoio – Esforço não falta para a equipe de tae kwon do que tentava
inscrever outros três esportistas em Atenas. Inclusive a filha de Cartright,
a jovem Joelle, de 22 anos. “Se tivéssemos como analisar antes a altitude
que enfrentaríamos nas seletivas do México, teria tido melhor performance.”
No Haiti, não existe tecnologia no esporte. O governo do país prometeu ajuda
ao Comitê Olímpico Haitiano, mas são poucos os que acreditam que ela virá.
Amante do futebol brasileiro, como outros haitianos, Sanon embarca para a
Grécia em 13 de agosto. Lá treinará por duas semanas em pisos profissionais
e já sentindo a pressão da competição. No dia 29, disputará a primeira de
suas lutas.