Arte com lã tira mulheres do corte de cana

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Publicada em 7 de junho de 1997
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
ESPÍRITO SANTO DO TURVO – Três vezes por mês, cinco mulheres entram nas águas
de um pequeno afluente do Rio Turvo e lavam de 10 a 15 sacos de lã de ovelha.
Depois, o material segue para ser transformado em enchimento de bonecas, que já
estão sendo exportadas, tapetes e mantas. A atividade artesanal tem dado tão
certo em Espírito Santo do Turvo que, em pouco tempo, passou de 10 para 53 o
número de pessoas empregadas. Muitas são mulheres, antes exploradas na lavoura
de cana-de-açúcar.
A Associação de Artesãos da cidade mantém com sucesso o Ateliê Mãos de Fada,
uma verdadeira fábrica de bonecas de pano que seguem a pedagogia Waldorf, do
alemão Rudolf Steiner. As costureiras recebem o material do ateliê e devolvem a
boneca pronta. Ao trocar o corte da cana pela agulha e linha, as mulheres
tiveram vantagens. Viram seus rendimentos saltar de meio salário mínimo para
até dois salários e meio por mês, conforme a produção.
Renda segura – Com o novo emprego, conseguiram uma fonte de renda alternativa,
que é vital em certas épocas do ano. “Quando não há corte de cana, são elas que
mantêm a casa enquanto os maridos estão sem receber”, afirma a presidente da
associação, Maria Aparecida da Silva Souza, de 37 anos. “Aqui na cidade as
mulheres são bóias-frias ou domésticas. “
Espírito Santo do Turvo é uma cidade ao sul de São Paulo, com uma população de
pouco mais de 3,5 mil habitantes. O corte de cana-de- açúcar é a principal
atividade para muitos.
A Associação de Artesãos surgiu no mesmo ano da emancipação da cidade, em 1993.
A proposta era criar nova atividade, sobretudo para as mulheres. Conseguiu, mas
com grande dificuldade no início. “No começo, o serviço não ficava legal e a
gente recebia muitas encomendas de volta”, diz Maria Aparecida.
Com apoio da prefeitura, que fornece material, transporte e cursos de
especialização para os empregados da associação, a confecção das bonecas
decolou. Tanto que acabou motivando a associação a criar novas atividades.
Hoje, os ex-trabalhadores rurais fazem brinquedos de madeira, tapetes, mantas e
bolsas. Há ainda uma fábrica de papel reciclado.
A artesã Antônia da Silva entrou para associação convidada por amigas.
Optou por tapetes e mantas. É uma das cinco lavadeiras de lã de ovelha,
matéria-prima para as atividades do ateliê. “Quem não se identificava com o
trabalho das bonecas podia tentar outro e assim fomos criando novas
atividades”, explica a presidente do Fundo Social de Solidariedade, Telma de
Freitas dos Santos, de 21 anos, primeira-dama da cidade. De acordo com ela, a
associação pretende promover cursos de enfeites de bambu e palha e, assim,
gerar mais empregos.
Entretanto, para a presidente do fundo essa expansão deve ser bem planejada.
“Não adianta ter muita gente trabalhando, fazendo estoque e não ter mercado”,
ressalta Telma de Freitas. “Estaríamos criando uma ilusão para elas.”

Aos 43 anos, bóia-fria troca lavoura pelo tear
Geni dos Santos, de 43 anos, trocou o trabalho pesado
na lavoura de cana-de-açúcar pelo de artesã. E, para ela, não há o que
reclamar: seus rendimentos mensais passaram de R$ 60,00 para R$ 120,00. E agora
passa a maioria dos dias trabalhando em uma casa coberta, confeccionando
bolsas, tapetes e mantas.
Ela e outras quatro mulheres também fazem a lavagem da lã de ovelha no riacho
formado pelo Rio Turvo. A lã, recebida suja e cheio de espinhos, deve ser
lavada três vezes por mês para alimentar várias atividades da Associação de
Artesãos do Espírito Santo do Turvo. Antes, porém, o material é seco, desfiado
e cardado.
Do tempo do trabalho na lavoura, Geni guarda poucas saudades. Das 6h30 até as
17 horas, ela recolhia abituca (pedaços da cana deixados para trás pelas
máquinas) para a usina Sobar, a maior da região. “Era no sol ou na chuva, pois
na roça não existe escolha”, explica a ex-bóia-fria. “Na roça, é muito
sofrido. “
Moradora há 18 anos em Espírito Santo do Turvo, Geni não pensou duas vezes em
aceitar o convite de sua sobrinha para trabalhar na associação. Começou
tentando fazer bonecas pedagógicas, mas não conseguiu se adaptar. Optou pela
tecelagem, que gosta mais.
“Toda vida eu sempre gostei de trabalhar e lutar”, resume. Geni vive sozinha,
pois seus cinco filhos já estão casados. Passa parte do dia trabalhando para a
associação, com suas novas amigas. “A gente se entende em tudo na nossa
turminha”, brinca. Até mesmo para lavar a lã de ovelha na água fria. “De tanto
ir lá, já me acostumei com o frio. “

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