‘Aos poucos, eles se aproximam de nós’

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Publicada em 11 de julho de 2004
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
PORTO PRÍNCIPE – Com simpatia e curiosidade, o general Augusto Heleno
Ribeiro Pereira se aproxima do repórter do Estado e pergunta: “Pelo que viu,
o que já mudou no Haiti?”
Um mês depois, pouca coisa mudou. Mas o general, que desde 1.º de junho
comanda a força militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no
Haiti (Minustah), vê sinais de mudança: “Conseguimos fazer das tropas
brasileiras parte da paisagem de Porto Príncipe, os haitianos aos poucos vêm
se aproximando de nós, mas precisamos de um trabalho de reconstrução do país
para torná-los aliados da missão.”
A ansiedade por resultados faz parte da rotina dos soldados brasileiros no
Haiti. Eles sabem que cuidar da parte militar da Minustah é uma tarefa
gigantesca. Mas se altas doses de cidadania não forem introduzidas no país
mais pobre do Hemisfério Ocidental todo o esforço será em vão. Os haitianos
não têm quase nada. Emprego, luz, água potável, telefone, emprego, uma
simples carteira de identidade, escola, saúde, transporte, policiamento,
justiça, todos esses direitos vêm sendo negados a eles.
Representantes das Nações Unidas ainda não nomeados vão elaborar planos
importantes como a política de desarmamento, a desmobilização das gangues
armadas, a recuperação das instituições e a criação de uma polícia civil
confiável. Ao Brasil, que com a missão quer somar pontos para obter uma vaga
no Conselho de Segurança da ONU, cabe a tarefa de dar suporte a esses planos.
Na quarta e quinta-feira, uma comitiva de autoridades brasileiras visitou o
Haiti para ver como está a tropa brasileira, com seus 1.200 soldados. O
ministro da Defesa, José Viegas, e o secretário nacional de direitos
Humanos, Nilmário Miranda, voltaram acreditando que há soluções brasileiras
capazes de fazer a diferença e transcender o papel do Brasil previsto na
resolução da ONU. Foram pedidos feitos pelo primeiro-ministro Gérard
Latortue.
“São idéias muito convergentes e factíveis”, disse Viegas. Por exemplo:
exportar o conhecimento das casas de farinha, as fábricas de rapadura, dos
poços artesianos, dos remédios genéricos e da construção de estradas.
Promover ainda intercâmbios com pesquisadores da Embrapa e membros do
Judiciário. “É preciso não só um esforço de policiamento, mas de recuperação
social e econômica.”
O padre haitiano Pierre Toussaint Roy, hoje na Diocese de Nova Iguaçu,
acompanhou a comitiva e acredita que daqui a 2 ou 3 anos, quando a missão
acabar, tudo vai voltar à situação anterior se não houver um plano de
reestruturação. “O presidente Lula pode promover essa recuperação sem gastar
um centavo. Que use primeiro no Haiti o fundo de combate à pobreza que está
sugerindo, como um sinal para o mundo todo.”
Nilmário, padre Roy, os deputados João Herrmann Neto (PPS-SP) e Francisco
Rodrigues (PFL-RR), os únicos parlamentares liberados para a viagem, e o
observador convidado Oscar Vilhena, diretor-executivo da Conectas, tiveram
encontros com entidades de direitos humanos e partidos políticos. Nas
reuniões descobriram que existe uma intrincada disputa de poder que vai
recrudescer no próximo ano com as eleições. Há partidos de esquerda, de
direita, grupos apoiados por ex-militares, rebeldes pró e contra o
ex-presidente Jean-Bertrand Aristide. E uma estimativa de que mais de 25 mil
haitianos estejam armados, muitos apoiadores desses grupos políticos.
Ações – As atividades dos militares brasileiros estão se resumindo a
patrulhar a cidade, escoltar autoridades, proteger prédios públicos e
prestar auxílio, como em três incêndios que ocorreram desde o dia 23 em
Porto Príncipe. Já foram mais de 550 patrulhas com tanques, caminhões e
jipes em comboio.
Os principais alvos são os grupos de rebeldes que derrubaram Aristide, em
fevereiro, as gangues armadas e os quimeras, milicianos pró-Aristide.
Ninguém foi preso até agora. “Tem havido violações dos direitos humanos
sistemáticas contra os Lavalas (pró-Aristide), praticados por rebeldes e com
omissão do Estado”, diz Vilhena.
As ações têm a participação de policiais haitianos em que o comando
brasileiro não confia. Eles jamais são informados com antecedência das
patrulhas. Mas só eles podem prender um suspeito. A população reagiu com
indiferença a uma operação na quarta-feira.
A comitiva convidou um grupo de 11 equipes de comunicação. Foram 28 horas em
Porto Príncipe, das quais foram reservados 20 minutos de contato direto com
a população. A locomoção foi feita em duas vans da ONU e sempre escoltada. A
situação exigia cuidados, segundo os militares, e não foi dada proteção para
quem fugiu do roteiro oficial. O pernoite ocorreu no navio Mattoso Maia.
Na visita à Citè Soleil, um dos bairros mais pobres, o comboio percorreu uma
de suas ruas, mas havia ordens para não desembarcar. Três blindados Urutu
protegeram o passeio de cinco minutos. Tudo transcorreu com segurança.
Viagem feita a convite do Ministério da Defesa

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