Publicada em 4 de novembro de 2001
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Vem chegando o verão e com ele uma safra de novas atividades esportivas
propostas pelas academias. Para atrair novos clientes, criar um clima de
novidade e dar um verniz de modernidade, as escolas lançam exercícios
diferentes, com nomes esquisitos e muita coreografia. É uma fórmula quase
infalível para conquistar a atenção da imprensa, das revistas e TVs que
cedem espaços generosos para reportagens sobre a última “tendência” no mundo
da ginástica. E os alunos, seduzidos pela propaganda, entram no jogo. O que
ninguém conta é que eles saem tão rápido quanto entraram.
Alguns modismos se sobressaem neste verão. O dos exercícios com bicicleta
que recebem os nomes de Spinning, RPM ou Bike Class. Ou o da linha
zen-oriental, como Power Yoga, Watsu, Tai Chi Chuan e Ashtanga. Há ainda a
moda inspirada nas lutas marciais, como Bob Class, Tae Boxing e Body Combat.
Sem falar na novíssima linha de exercícios, como o Sttomp ou o Core, que
usam aparelhos diferentes para chacoalhar o corpo. Confuso? Muito. Mas é
assim que as academias tentam atrair os alunos.
Nomes estrangeiros ajudam um bocado. Dão um ar de sofisticação para
atividades cuja função é queimar calorias ou relaxar o corpo e a mente.
Algumas duram tanto quanto uma coleção de primavera-verão: muda a estação,
mudam os exercícios. Outras têm uma vida mais longa, mas sempre são
recicladas. É o caso da aeróbica, que nunca abandona as academias. “Os
modismos dão resultado na imprensa. Mas eles não costumam dar resultados. Em
três meses, somem”, afirma Paulo Akiau, sócio-diretor da Body Systems, uma
empresa que vende programas de ginástica para as academias.
Estima-se que 50% dos novos alunos desistam antes de três meses. Vários,
logo nas primeiras semanas. “Muitas pessoas chegam pensando que com uma aula
vão ter resultados. Ainda têm uma visão distorcida das academias”, diz
Almeris Armiliato, diretor da Bio Ritmo. Segundo ele, as escolas de
ginástica pecam por não ensinar a seus alunos que as atividades físicas
servem para melhorar os desempenhos biológico, psicológico e social.
Imagem – É muito comum, entre os que não vão às academias, imaginá-las como
locais freqüentados por mulheres com corpos perfeitos e homens musculosos –
as “saradas” e os “marombeiros”. Têm razão. Priscila Barp, de 26 anos,
trabalha na Ford Models e vai à Bio Ritmo todos os dias da semana. “Gente
bonita atrai gente bonita. Mas também afasta muitos”, admite. Adepta do
Spinning, uma invenção americana com registro de patente, a modelo acredita
que os modismos funcionam porque atraem muitas pessoas. “Fiquei viciada em
academia.”
A estética é ainda o principal objetivo da maioria dos alunos. Não por acaso
as principais novidades são apresentadas no período que antecede o verão.
Ficar com o corpo em forma é quase uma obrigação para quem quer ir à praia
ou à piscina. A ditadura das academias reforça essa imagem.
A Runner descobriu no marketing sua melhor estratégia para conquistar
clientes. Gasta R$ 120 mil por mês para fazer propagandas em jornais e
revistas, além de espalhar quinzenalmente de 50 a 70 outdoors na capital
paulista. Em geral, mulheres bonitas são o grande chamariz. “A Runner
consegue ser a marca mais conhecida e reconhecida do Brasil”, diz Maurício
Quadrado, presidente da empresa, que fatura R$ 30 milhões por ano.
O País possui quase 5 mil academias de ginástica e um público que supera os
2 milhões de praticantes. Já é o quarto colocado mundial com o maior número
de escolas de ginástica. A expectativa é que até 2010 sejam abertas mais 2
mil.
Padronização – O mercado em franco crescimento está se tornando também mais
profissional. E com isso as academias estão ficando cada vez mais parecidas
umas com as outras, por mais que elas queiram provar o contrário. Um dos
motivos é a criação de um mercado mundial da educação física, o chamado
fitness. A Body Systems atua nessa seara. É a agente da Les Mills
International, uma empresa neozelandesa responsável pela criação de
programas de ginástica testados, embalados e despachados para cerca de 50
países.
Hoje, a Body Systems possui 1.140 academias que licenciam alguns de seus
sete produtos. O Body Pump é um deles (trata-se de uma aula com música que
dura 60 minutos e em que se faz exercícios usando uma barra com pesos). Cada
academia paga até R$ 260 pelo direito de usar um programa. Recebe
treinamento, vídeos e acompanhamento. “Antes, as aulas eram de
responsabilidade exclusiva dos professores. Muitas eram de baixa qualidade e
os alunos acabavam desmotivados”, explica o empresário Akiau. Agora, com
esses cursos padronizados, um brasileiro por aqui realiza o mesmo movimento
que um chinês na China. “A Les Mills é conhecida como o McDonald’s do
fitness”, compara. Mas ela não é a única “vendedora” de produtos do gênero.
As principais academias já contam com um boneco, o Bob, que serve para ser
espancado pelos alunos. Com medo de perder clientela para o concorrente, as
escolas acabam comprando os seus bonecos para usá-los nas aulas.
Modas – Foi a partir de um modismo que a Companhia Athletica criou uma de
suas aulas mais requisitadas. Há alguns anos, a academia adquiriu bicicletas
que deram origem ao programa Spinning e arriscou para ver o resultado. “Não
tínhamos um estudo científico. Agora, com base nos resultados com nossos
alunos, criamos o nosso próprio programa”, afirma Patrícia Lobato,
supervisora técnica da escola.
Na Companhia Athletica, que possui 20 mil alunos em oito unidades, a maior
procura continua nas atividades que se preocupam com a estética. São a
musculação e a ginástica localizada. “Mas as atividades antiestresse vão
crescer muito”, prevê Patrícia. Almeris Armiliato, da Bio Ritmo, acredita
que essa é a saída para as academias. “Enquanto elas estiverem trabalhando
do pescoço para baixo, estarão jogando o dinheiro das pessoas fora.”
No começo era assim mesmo que funcionava. Em 1983, José Otávio Marfará
chegou ao Brasil com uma missão na cabeça: convencer o brasileiro a sair da
poltrona para ficar pulando em exercícios ritmados. Era o início da
aeróbica. Dois meses depois de lançar o exercício, Marfará teve uma ajuda
providencial. O programa de TV Fantástico fez uma reportagem de 6 minutos
sobre a aeróbica. O sucesso foi meteórico. Hoje, o ex-professor de ginástica
é diretor-presidente da Reebok Sports Club, uma moderna academia do Morumbi
com faturamento anual de R$ 10 milhões.
“As pessoas estão sempre em busca de novidades. É como se eu dissesse que
tenho uma caneta em que você escreve duas letras e ela completa o resto da
frase. No mínimo, vão querer experimentá-la”, compara Marfará. A Reebok
Sports Club é a linha de frente para os lançamentos de produtos da Reebok
University, uma instituição que lança aparelhos e técnicas de ginástica para
o mundo inteiro. A última delas é o Core, uma prancha que permite vários
movimentos do corpo e promete queimar 500 calorias em uma hora. Para não
ficar para trás, outras concorrentes adquiriram seus aparelhos. “É uma super
novidade. Você tem a sensação de mexer todos os músculos”, diz a arquiteta
Amélia Tarozzo, de 23 anos. Ela freqüenta a Reebok Sports Club pelo menos
duas horas por dia e também se considera viciada em academia. “Sei que é
estratégia de marketing deles. Estão sempre criando uma nova atividade que
seja desafiadora.”
Para o médico Ricardo Kortas, especialista em medicina esportiva e
responsável pela clínica Pró-Heart, do Hospital Beneficência Portuguesa, as
academias criam distorções muito graves nas atividades físicas por causa de
interesses comerciais. “Quiseram inventar uma ginástica que imitava animais.
Mas a posição de um urso é do urso, não faz parte da natureza humana”,
critica. Segundo ele, não existe ginástica revolucionária. “A pessoa nunca
pode abrir mão de ouvir a voz que vem de dentro dele, das suas vísceras, dos
músculos e tendões.”
Muitas vezes, por falta de informação, os atletas de academia acabam
seduzidos por atividades que são mais promessa do que resultado. Kortas
lembra que são necessários pelo menos quatro meses de prática de exercícios
para se ter algum efeito concreto. “Eles prometem queimar 500 calorias numa
aula. Mas isso uma pessoa de 70 quilos pode fazer correndo 10 quilômetros
por hora.” Só para efeito de comparação, uma pessoa caminha numa velocidade
de 6 quilômetros por hora.
Diversificação – Como a fórmula dos modismos dá sinais de desgaste, as
academias começam a apresentar alternativas para atrair novos clientes.
Incluem-se aí os idosos e as crianças. Com isso, a intenção é trazer a
família para dentro delas, que cada vez mais se parecem com verdadeiros
clubes. A Fórmula é um exemplo, com mais de 500 crianças matriculadas em
suas aulas. A Runner aposta em sua estrutura na unidade do Butantã para
montar a clínica de medicina esportiva, que terá como sócio o jogador de
vôlei Marcelo Negrão. Será um espaço para atletas e não atletas
recuperarem-se de lesões. O objetivo de todas é claro: tornar as academias
tão populares quanto um shopping center.