Publicada em 7 de abril de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – Marcos Mantecon lava as louças sorrindo. Afinal, está
trabalhando no meio de uma das piores crises da história argentina. Aos 30
anos, agradece o emprego que tem. Os sete funcionários dele, também.
Ator desempregado, Mantecon abriu em janeiro a cafeteria Marks Deli Coffee
House, em Palermo Viejo. Ele faz parte de uma geração de jovens
empreendedores que não se assustam com a recessão. Montaram negócios nos
últimos meses e apostam nesse momento de baixa para lucrarem alto quando
vier a recuperação econômica.
“Que outra alternativa tinha? Pegar um avião e ir embora?”
O argentino Mantecon podia, já que tem cidadania espanhola. Preferiu
investir US$ 80 mil das economias no ponto comercial, que vive cheio. Em
ambiente moderno, diferente de outros cafés de Buenos Aires, onde os
clientes podem ficar horas tomando só uma xícara, o Marks Deli atende a um
público mais apressado.
Não foi fácil tocar a reforma do lugar nos últimos meses de 2001. Mantecon
teve de adiar a abertura para janeiro. “Minha família e meus amigos gostavam
da idéia, por causa do meu entusiasmo, mas me achavam maluco”, diz ele, que
sabe bem o significado da palavra em português por já ter vivido em
Salvador, vendendo bijuterias de prata. Sem o apartamento, hipotecado para
montar o negócio, ele agora se mudou para um quarto que montou em cima da
cafeteria.
Marcelo Langer, de 32 anos, é outro maluco de Palermo Viejo, a região que
mais concentra a abertura de novos pontos comerciais na Buenos Aires (Ver ao
lado). Na Calle Honduras, abriu o Dominga, um restaurante que é sucesso de
público desde julho. Trata-se de um investimento de US$ 200 mil divididos
com mais dois sócios, Ignacio Ortiz de Rosas, 30 anos, e Luis Gonzalez, 31.
A idéia do negócio foi criar um ponto descontraído, onde a “crise ficasse da
porta para fora”. Quem visita o lugar no almoço ou no jantar, acredita que
não está na Argentina.
“Se não existisse a crise, estaria tendo lucro e sucesso. Na atual situação,
ficamos só com o sucesso”, diz Langer, que vendeu o apartamento para entrar
na sociedade. O segredo da casa cheia está, sobretudo, nele e em Rosas, que
já cozinharam para empresários e políticos argentinos em ocasiões especiais
e também em restaurantes sofisticados da capital argentina. Eles trabalham
com a hipótese de, em cinco meses, pagarem todo o investimento.
O italiano Marco Manini, de 36 anos, abriu em dezembro a Red Plus, um novo
braço de outra loja dele, a Red, inaugurada há um ano. Ambas vendem roupas
sofisticadas para um público seleto, os que podem se dar ao luxo de pagar
até US$ 600 num produto. Mas essas pessoas existem em carne e osso. “Temos
uns 500 clientes que me permitem viver, fazer ‘plata’ e continuar a comprar
produtos importados”, explica. As peças de grifes como Dolce Gabbana, Prada
e Diesel são trazidas de Nova York, Tóquio ou da Europa.
Manini sabe que os clientes procuram o diferente e trata de não empurrar um
produto. A regra é muita variedade e pouca quantidade. “Deixamos os
argentinos com vontade de procurar uma peça exclusiva”, diz o ex-gerente de
marketing da italiana Diesel, que chegou a Buenos Aires em 1999. Apesar de
trabalhar com esse público seleto, ele e o sócio argentino, Gustavo di
Filippo, já estão se adaptando à situação econômica. “Até novembro, não se
falava em crise nas nossas lojas. Antes eram pessoas que podiam comprar
coisas de US$ 200, mas agora alguns deles só podem pagar 200 pesos.”
Em outubro, outro exemplo de empreendedorismo. Ariel Muro abriu a Spoon, uma
loja de design. Com um investimento inicial de US$ 100 mil, ele começou se
especializando na importação de móveis e outras peças européias de
decoração. Diante da nova realidade, tratou de se adaptar trabalhando com
peças artesanais de argentinos e outros fornecedores locais. “Os clientes
reclamam mais do preço e não da falta dos importados”, diz.
Em situações de crise econômica, investir na área de gastronomia e serviços
tem mais chances de dar certo do que montar uma pequena fábrica. Na
Argentina atual, virou regra. Com a desvalorização do peso, muitos têm
preferido investir os últimos dólares que têm num bar, restaurante ou numa
loja de produtos diferenciados.
Francisco Gonzalez Alzaga e Eduardo Ballester abriram o Bar 6 também em
Palermo Viejo. Com os preços dos imóveis caindo, a dupla comprou uma velha
carpintaria e iniciou uma grande reforma. A aposta deu certo. Hoje, 15
argentinos estão empregados nessa mistura de bar e restaurante. “O objetivo
é passarmos este ano bem. Será difícil ganharmos dinheiro, mas podemos ficar
contentes”, disse Ballester.
Esses jovens empresários têm visões bastante próprias sobre a crise do país.
“Temos de confiar na Argentina, esse é o papel de cada argentino”, afirma
Ariel Muro. “Se fosse pensar muito, não faria o restaurante. Na época em que
abrimos, dois mais dois já não eram quatro. Hoje, então, ninguém sabe se
dois é dois. Mas entre perder dinheiro e um sonho, prefiro o primeiro”,
afirma Langer, do Dominga.
Em Palermo, ilhas de prosperidade mantêm glamour
BUENOS AIRES – “Ilhas de prosperidade” é uma definição bastante singular
para Palermo Viejo e vizinhanças, batizadas com nomes como Nuevo, Chico,
Soho, Hollywood, Villa Freud e Sensible. São delimitações criadas na
imaginação dos moradores e freqüentadores, já que, para a prefeitura, tudo
faz parte de Palermo, o maior de todos os bairros de Buenos Aires.
É nessa região que estão sendo criados novos pequenos circuitos
gastronômicos e de gente bonita na capital portenha. Muitos dos novos
negócios praticamente se escondem em casas que mantêm as fachadas intactas e
parecem convidar apenas os habitués. Nos últimos anos, estão ali se
instalando bares, restaurantes, casas de café, chá, pizzarias, sorveterias e
as tradicionais churrascarias. As diversidades vão da comida mediterrânea à
japonesa, passando pelas tradicionais espanhola e italiana. De quebra,
alguns naturalistas.
Os novos pontos aproveitam a vizinhança de argentinos famosos, famílias
ricas e profissionais liberais que trabalham nas redondezas, como nos
diversos estúdios de cinema e TV (daí, Palermo Hollywood). O Pizza & Espuma,
aberto há três semanas; a sorveteria Persico, em novembro; o restaurante
espanhol La Pata Negra de Jabugo, no mesmo mês; e a casa de tortas Patricia
Villalobos, em junho, foram abertas num quadrilátero de Palermo que ainda
“reclama” um nome próprio.
“Muitos se cansaram de ir aos shoppings. Um lugar como Palermo oferece um
pouco mais de sofisticação”, explica Marco Manini, das lojas Red e Red Plus.
As imobiliárias já prestaram atenção ao fenômeno e muitos proprietários
preferem alugar o imóvel a vendê-lo. Com a pesificação, os aluguéis de US$ 2
mil a US$ 2,5 mil tiveram os preços reduzidos para US$ 1.700 e US$ 1.800.