‘A nota do governo é muito baixa’

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Publicada em 30 de maio de 2005
O Estado de S. Paulo

Aos 81 anos, o geógrafo Aziz Ab’Sáber afirma que não poderia fazer tantas
viagens à Amazônia. “Mas faço e farei até morrer.” É dele, um dos principais
estudiosos da maior floresta tropical do mundo, que vêm duras críticas à
política ambiental do governo.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) justifica que o desmatamento poderia ter
sido maior porque houve um crescimento econômico da ordem de 5%. O sr. se
convence com a explicação?
Quem não tem ética com o futuro e capacidade de pensar em diferentes níveis
e profundidades de tempo deixa que a devastação aconteça. E aí justificam:
“Estatisticamente aconteceu por isso.” Só que o “por isso” é a conjuntura da
economia de fazendeiros, madeireiros e agricultores em ganhos imediatos. O
futuro que se dane.
Onde o governo erra?
Há que se pensar num governo capaz de ter um conjunto de estratégias para
questões nacionais, regionais e setoriais. Temos um esforço para pensar o
internacional, mas com excesso de visitas e pouco cuidado com o regional. Os
membros do segundo escalão do governo Lula deveriam ter um melhor
conhecimento dos fatos. A Amazônia é uma área quente e úmida e está sob uma
invasão capitalista. É preciso pôr isso na cabeça dos governantes. Houve uma
invasão permitida pela ignorância dos governos que sucederam desde a
construção da Belém-Brasília, depois a Transamazônica e as outras estradas.
Quem promove a invasão?
Foram vários ciclos sucessivos. Primeiro a agropecuária, depois as
madeireiras, logo agora a soja e no intervalo de tudo isso os negócios
amazônicos. E o governo não tem noção do que seja isso.
O governo tem medo, interesses particulares ou não sabe como atuar em áreas
de conflito como no sul do Pará?
No Brasil se esboçaram dois Estados paralelos, perigosíssimos e que precisam
de uma atenção estratégica. A região do narcotráfico no Rio e a Terra do
Meio. Não vou dizer quais são as soluções, porque não adianta perante o
ideário vigente na administração federal. Eles (o MMA) só respeitam o
planejamento estratégico pagando muito para imbecis.
Este governo criou 7,7 milhões de hectares de unidades de conservação, parte
para frear a fronteira agrícola. É uma solução?
No caso de algumas reservas particulares pensadas em termos de uma
exploração auto-sustentável, a situação mudou muito porque estavam inseridas
dentro de um corpo territorial contínuo. Com a devastação, a coisa mudou. As
reservas extrativistas que tentaram ser organizadas sozinhas não valem
muito. Nem para a economia regional, nem para o futuro.
Qual a sua avaliação do MMA?
Não posso dizer porque teria de me referir a nomes, a ignorantes dentro do
MMA que não conhecem a Amazônia. Fazer concessões de Flonas (Florestas
Nacionais) para ONGs estrangeiras… Deus meu, que ignorância. Alugar por 30
ou 60 anos é uma das mais terríveis propostas contra a soberania brasileira
na Amazônia. Poucos dos que fizeram a estupidez estarão vivos para responder
por seus projetos esgarçados.
Qual é o risco?
As Flonas poderão ser exploradas sem que haja gerenciamento real, vão
trabalhar explorando madeiras porque alugaram e pagaram. A conjuntura
internacional está de olho numa região de um país imenso como é o Brasil e
parece que os governantes não têm idéia disso.
Até que ponto a internacionalização da Amazônia o preocupa?
Se não houver esclarecimento e conhecimento integrado, uma política
estratégica para gerenciar a Amazônia e impedir qualquer embrião de Estado
paralelo, estaremos com a nossa soberania ameaçada permanentemente.
O sr. tem alertado o governo?
Um dia a dona Marina (Silva, ministra do MMA) teria dito que precisava
forçar o encaminhamento da concessão de Flonas, e alguém disse que
precisavam consultar o doutor Aziz. Ela disse: não dá tempo de convencer o
doutor Aziz. É assim que funciona. Se fosse citar nomes, meu Deus, (o
secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo) Capobiancos, Tassos
Rezendes (gerente de projetos) e outros que estão lá. Dentro do Ibama há
grandes problemas. Não existe política estratégica capaz de gerenciar todo
esse caos.
O sr. tem mais preocupação com a pressão de grileiros, madeireiros e
fazendeiros ou a de ONGs?
Tenho impressão de que as ONGs deixaram de ser organizações
não-governamentais para ser governo. É o caso do MMA. O marido da dona
Marina Silva (Fabio Vaz de Lima) foi presidente das ONGs amazônicas. Tenho
receio das ONGs, tanto as internas quanto as externas, que nunca entenderam
o mundo tropical e, dentro do tropical, um país como o Brasil, com um espaço
regional diferenciado.
O sr. é partidário da tese de buscar desenvolvimento mantendo o máximo da
floresta intacta…
Pensar um desenvolvimento com o máximo de floresta em pé significa o máximo
de biodiversidade conservada e in situ. Passei pelo Estreito de Breves (no
Pará), numa das caravanas da cidadania (organizadas pelo então candidato do
PT Luiz Inácio Lula da Silva). Uma madeireira na região desenrolava troncos
gigantes para fazer placas e vender para o exterior. Uma delas tinha 1 metro
e 65 centímetros de diâmetro. Aí comecei a contar os anéis de crescimento e
tive de parar. Ia dar uns 500, 600 anos. E há brasileiros que dizem “pode
cortar uma árvore se plantar uma outra”. Estamos no campo da ignorância.
Como estudioso da Amazônia, que nota daria ao governo Lula na questão
ambiental?
Olha, não quero ferir a dona Marina e não quero ferir o governo Lula, mas a
nota é muito baixa.

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