Publicada em 1 de julho de 2001
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Nunca houve tantos brasileiros morando no Japão. São 254.394 pessoas. Esse
contingente supera a população inteira de Limeira, no interior paulista. Ou
a de Governador Valadares, em Minas. Mais uma vez, o fator responsável por
esse crescimento são os dekasseguis, imigrantes descendentes de japoneses
que saem do Brasil para ganhar a vida no outro extremo do planeta. Só há
mais brasileiros vivendo fora do País nos Estados Unidos e Paraguai.
Esse recorde histórico acaba de ser divulgado pelo Ministério da Justiça
japonês. Os brasileiros são a terceira maior força de trabalho estrangeira
no Japão. Perdem só para os coreanos e chineses. É um fenômeno dos
dekasseguis que começou depois que o governo aprovou uma emenda, em junho de
1990, para facilitar a entrada de mão-de-obra de outras nações. Em 1989,
havia 15 mil brasileiros no arquipélago; em 1991, já eram 120 mil; e cinco
anos depois, 201 mil.
Esse crescimento surpreende porque a economia japonesa não vai bem. Há quase
3,5 milhões de desempregados. Com a crise, até os japoneses começam a
disputar as vagas nas fábricas de eletroeletrônica, alimentos, automóveis e
construção civil. Antes eles torciam o nariz para os empregos ocupados pelos
brasileiros. Apelidavam de 3 Ks, serviços pesados (kitsui), sujos (kitanai)
e perigosos (kiken) – os brasileiros somaram outras duas características:
exigentes (kibishii) e detestáveis (kirai). Para piorar a situação dos
dekasseguis, existe ainda a disputa desproporcional com a mão-de-obra barata
dos chineses e coreanos.
Segundo dados do ministério japonês, houve um crescimento de 14,43% do
número de brasileiros no arquipélago, entre dezembro de 1999 e 2000. Desse
total, nem todos saíram do Brasil no ano passado. Nascem por ano no Japão
cerca de 6 mil crianças filhas de dekasseguis. No ano passado, o consulado
japonês em São Paulo emitiu 45.370 vistos. O crescimento foi de 61,6%. Para
turistas, estudantes, profissionais em treinamento e outros tipos de
atividades, a emissão de vistos caiu.
“Há muita gente desiludida com o Brasil. Muitos vão, não voltam mais e só
querem saber como fazer para mudar-se de vez para lá”, afirma Ricardo
Sasaki, consultor jurídico do Centro de Informação e Apoio ao Trabalhador no
Exterior. As consultas dos dekasseguis ao centro mais que dobraram entre
1999 e 2000.
Ilísia Teruko Kavagouth, de 49 anos, embarcou na quinta-feira para o Japão.
É a terceira vez que decide encarar as 24 horas dentro do avião. Além de
dois de seus filhos que já moram no arquipélago, sua motivação é ganhar
dinheiro. Em sete anos de dekassegui, ela já conseguiu comprar um
apartamento de três dormitórios. Voltou para economizar mais. “O Brasil é
bom para viver, mas para ganhar bem é no Japão”, resume a brasileira. Ilísia
foi, mas não sabe quando voltará em definitivo para o País.
“Lá, o trabalhador só lembra das coisas boas daqui. Quando volta só vê
violência, falta de emprego e passa a lembrar de que ganhava em dólar”, diz
Sasaki. Um dekassegui ganha entre US$ 8 e US$ 10 a hora e cumpre uma jornada
de 12 horas. “Os migrantes voltam, sondam e retornam ao Japão. Esse
movimento de vaivém torna-se sistemático. Criou-se até uma infra-estrutura
que facilita isso”, explica a professora Lili Kawamura, autora do livro Para
onde Vão os brasileiros? (Editora Unicamp).
Uma dessas facilidades, embora nem sempre confiável, são os agenciadores de
mão-de-obra no Brasil. Muitas vezes, os dekasseguis ficam reféns deles.
Cobram entre US$ 2.500 e US$ 4.000 por uma vaga no Japão. As promessas são
muitas; as garantias, mínimas. Passagem só de ida, salários entre US$ 2.500
e US$ 3.000 e empresas de renome. Esse valor cobrado pelos agenciadores
acaba se convertendo numa dívida a ser paga já com o emprego no arquipélago.
Os seis primeiros meses servem só para saldar a dívida. Há brasileiros
dispensados após o pagamento do débito. Acabam desempregados.
Essa é uma nova preocupação dos serviços consulares e da embaixada
brasileira. Antes, com empregos de sobra, o desemprego era impensável. O
jornal International Press, um dos três escritos em português no Japão,
revelou em seu último editorial os alojamentos apelidados de Carandiru, por
causa dos estados precários, e os brasileiros que vivem como ciganos,
perambulando nas ruas japonesas em busca de emprego.
Hoje, poucos recomendam ida ao Oriente
Hoje, é raro encontrar alguém que recomende ir ao Japão como dekassegui. Até
o cônsul Norio Nakatsuka reconhece a situação difícil da economia japonesa.
“É um problema que afeta não só os descendentes brasileiros”, afirma.
Ainda assim, os aviões para o Japão vivem lotados, apesar das vagas cada vez
mais escassas. Um dos motivos é que a vida dos dekasseguis melhorou. Muitos
são até empresários que atendem os próprios imigrantes. Hoje, já existem 13
escolas brasileiras particulares no Japão e nos últimos dois anos mais de
mil pessoas já fizeram exames supletivos com validade no Brasil.
“Sofrido não é. Se fosse, eles pegavam o avião e voltavam. Cada um está lá
para construir um futuro de vida melhor”, afirma Robson Tetsuo Takahashi, de
21 anos. Ele veio ao Brasil para se casar e agora quer levar sua mulher,
Marianne Helen. Voltar? “Só Deus sabe quando.” É do esforço de pessoas como
Robson que o País recebe algo em torno de US$ 2,5 bilhões por ano. Até
quando os dekasseguis continuarão enviando esse dinheiro é uma pergunta
difícil de ser respondida.