Publicada em 16 de junho de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
KOBE – O senhor Kimura tenta superar o temor de uma forma muito peculiar:
tornou-se voluntário do memorial pelas vítimas do terromoto de 1995, que
matou mais de 4 mil pessoas, feriu outras 15 mil e destruiu 112.567 prédios
ou casas, inclusive a dele. “Penso nisso o tempo inteiro. Todos temos medo
de que um dia a terra volte a tremer”, diz o aposentado, de 68 anos. Eram
5h46 de 17 de janeiro de 1995 quando ele e sua mulher foram arremessados da
cama com o impacto do tremor. Em sua casa, as paredes racharam e o telhado
desabou. “Liguei o rádio e fiquei aterrorizado ao saber o que tinha
acontecido”, diz Toshifumi Kimura.
No bairro em que vivia, o aposentado só pôde ver casas tombadas umas sobre
as outras, a fumaça dos vários incêndios na cidade se espalhando pelo céu a
expressão de medo dos vizinhos. “Ao ouvir que a estação de trem Sannomiya
tinha sido destruída, não acreditei.”
O acidente foi um dos mais graves da história, alcançando em Kobe 7.3 pontos
na escala Richter (um dos maiores da história). Quase 450 mil pessoas
ficaram desalojadas. Os hospitais, destruídos, não davam conta dos feridos.
Ginásios serviram de abrigo nos primeiros dias. Mas não havia comida, roupa,
nem água potável. Algumas ruas ficaram inundadas com a água que emergiu do
solo.
Kimura se lembra das cenas de destruição, mas nem por isso deixou de se
oferecer para trabalhar no Great Hanshin-Awaji Earthquake Memorial, aberto
em abril deste ano. O projeto está em fase de preparação, mas já é possível
visitar uma exposição com fotos e assistir a filmes e documentários. “O
terremoto mudou nossas vidas e jamais será esquecido.”
Não se trata de obsessão dos japoneses em relação a algo que a maioria das
pessoas gostaria de esquecer. Em Kobe, pouquíssimas construções lembram o
desastre. Na Rua Higashiman, o Daiichi Grand Hotel ainda está de pé, apesar
das várias rachaduras nas paredes. O antigo dono recusou o acordo da
prefeitura, que reconstruiria o prédio sem cobrar nada. Hoje, está
interditado e destoa dos imóveis vizinhos.
“Esse terremoto nos causou muitos problemas e talvez sirva de ensinamento
para outros países”, explica o diretor do Instituto de Redução de Desastres
(DRI), Ryu Fujimori. O DRI de Kobe terá um centro de pesquisas para estudar
medidas de emergência, reconstrução e recuperação de áreas destruídas por
terremotos e outros desastres naturais.
Kobe foi reconstruída por inteiro em dois anos, com tecnologia capaz de
suportar novos tremores. A maioria dos prédios possui um sistema de
amortecedores (espécie de colchões de ar no subsolo) que diminui o impacto
de um terremoto. “Não se controla a força da natureza, mas podemos lidar
melhor com ela”, diz Fujimori, que na época do acidente foi uma das vítimas
da destruição.
Kobe também tem samba, passistas e batucada
KOBE – O sambista Osamu Nishiuchi, de 52 anos, nasceu em Kobe, mas poderia
ter sido em qualquer cidade do Brasil, tamanha a paixão pela música.
Pandeirista, é fundador do Kobe Samba Team, agremiação com 800 integrantes,
que faz shows pelo Japão. É verdade que o som não lembra muito o das rodas
de samba brasileiras, mas o que se poderia esperar de uma batucada bem
japonesa? “Misturamos o samba de vocês com a nossa forma de tocar e dançar”,
explica Nishiuchi. “O brasileiro é mais tradicional, mas também somos
originais. O ponto em comum é que amamos sambar.” Por sambar, entenda-se
japonesas com fantasias de plumas e paetês, fazendo coreografias, digamos,
diferentes. “A brasileira usa uma roupa mais sexy”, diz a dançarina Nao
Ueki.
Kobe tem sete grupos de samba, surgidos depois que Nishiuhi criou o Kobe
Samba Team. Tudo começou em 1968, quando um grupo de brasileiros visitou a
cidade e, claro, levou um de nossos maiores produtos de exportação. O
sambista japonês ficou impressionado. “No fundo, somos um povo amigo dos
brasileiros e isso há muitos anos.” A referência histórica é o 28 de abril
de 1908, quando 781 japoneses partiram do Porto de Kobe, no Kasatu Maru,
rumo a Santos, onde chegaram 52 dias e 20 mil quilômetros depois. Em Kobe,
há um museu da imigração e, na área portuária, uma estátua que lembra as
diversas viagens de japoneses que foram para outros países, como Peru,
México e Estados Unidos.
Banzai – O tradicional banzai (brinde) japonês tem de ser regado a saquê. Se
for de Kobe, é ainda mais especial. Isso porque, para os japoneses, as
melhores marcas da bebida mais conhecida do país são feitas na cidade.
Pessoas vêm de outros lugares para visitas de degustação a algumas
destilarias do bairro de Nada.
Das dez maiores fábricas de saquê no Japão, sete ficam em Kobe. “A bebida
daqui é diferente”, explica a bancária Kumiko Hara, de 22 anos, de Osaka.
“Parece mais suave, cai bem a qualquer hora.” O empresário Masahiro Nobumoto
faz questão de repetir os fatores que destacam o saquê da cidade: a perfeita
mistura da água com um arroz especial, retirado e colhido na região.
Há seis tipos de saquê, divididos em mais de 80 marcas. O Daiguinjo é
considerado, hoje, o melhor deles. Para produzi-lo, a fábrica Shushinkan
joga fora 65% do arroz durante o processo de seleção dos grãos. “Como
produzimos há muito tempo, podemos avaliar com precisão a qualidade da água
e o tipo de arroz que utilizamos”, diz Nobumoto. Entre novembro e dezembro,
a fábrica produz 720 mil litros da bebida.
O saquê foi criado na Era Edo (1603-1867). Tinha uma cor mais amarelada e
era ingerida aquecido. Só em meados do século passado começou a ser servido
gelado. Apesar de tradicional, a bebida vem perdendo espaço para a cerveja,
o vinho e o uísque. Nas últimas três décadas, a produção em todo o país caiu
50%.