ELEIÇÕES 2006 – Melhorar ensino não rende votos

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Publicada em 10 de setembro de 2006
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
O poder público gastou no ano passado R$ 89,1 bilhões com educação. Em 2002,
o então presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva defendia um acréscimo da
ordem de R$ 46,5 bilhões, o equivalente a 7% do Produto Interno Bruto num
prazo de dez anos (quatro já se passaram e o índice neste ano deve ficar em
4,6%). Desde 1998, pelo menos metade desse valor foi somado ao orçamento da
área e o resultado são crianças que estão na escola e não sabem ler,
escrever ou fazer contas.
“O Brasil investe bastante, não o suficiente, claro, mas o problema é que se
desperdiçam muitos recursos”, afirma Jorge Werthein, assessor especial da
Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e Cultura.
Com apenas 1 ponto porcentual nas pesquisas eleitorais, o Brasil tem um
presidenciável que se auto-intitula Presidente da Educação. É Cristovam
Buarque. Outros concorrentes ao cargo, também prometem investimento maciço
em todos os níveis educacionais. É um avanço, mas até agora a educação se
mostrou plataforma que não rende votos. E as promessas são pouco para romper
o ciclo vicioso que começa no ensino fundamental de baixa qualidade, ganha
desenvoltura no médio burocrático, consolida-se em faculdades ruins e volta
ao princípio devolvendo à escola um professor despreparado.
“O professor é o calcanhar-de-aquiles da educação, uma catástrofe de ponta a
ponta”, atesta o economista Claudio de Moura Castro, que critica a formação
deficiente desse profissional. “Em vez de aprender a ensinar conteúdo, o
futuro professor gasta o tempo ouvindo falar de pedagogias e pedagogias.
Depois chega na sala de aula e fica se perguntando: ‘Como é mesmo que meu
professor ensinava esse negócio?’”
O diagnóstico para melhorar o ensino no Brasil é óbvio: melhorar a qualidade
do ensino já nos primeiros anos de escola. Crianças têm avançado nas séries
sem aprender, deixam de se interessar pelo aprendizado, repetem de ano,
desistem pelo meio do caminho. Especialistas afirmam que isso ocorre porque
se perdeu o aluno no contato inicial dele com as letras e os números.
“A política de promoção automática (passar de ano sem exame) foi adaptada a
uma atitude de que qualquer coisa está bom”, questiona o sociólogo Simon
Schwartzman, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade. “Na rede
pública, não há mecanismos de cobrança, nem recompensa baseada na qualidade
da escola.”
De cada 100 crianças, só 54 concluem a 8ª série. As perseverantes
continuarão seus estudos numa escola de nível médio, cuja prioridade tem
sido formar vestibulandos. Ensina-se muito, da respiração mitocondrial aos
números complexos, dos números de oxidação à oração subordinada substantiva
objetiva direta. É nessa etapa que despenca o interesse dos jovens por
educação. Do grupo de 100 crianças que começaram a estudar na 1ª série
primária, só 31 vão terminar o ensino médio.
“Nenhum país tem 100% dos jovens concluindo o ensino médio, mas no
fundamental temos de chegar a 95%”, cobra a secretária paulista de Ciência e
Tecnologia, Maria Helena Guimarães de Castro, que já chefiou o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, reconhecida
herança do governo Fernando Henrique Cardoso.
No degrau seguinte, o Brasil possui 10,4% da população entre 18 e 24 anos
matriculada no ensino superior. Contando estudantes de outras idades, são
4,2 milhões. É um contingente que consome 20% do orçamento da educação,
dinheiro voltado para as escolas públicas. Difíceis de ingressar, elas são
caras e formam uma minoria. Já as particulares proliferaram nos últimos
anos. Muitas têm mensalidades elevadas e ensino avaliado pelo Ministério da
Educação como abaixo da média. Os jovens que tiveram melhor educação nas
séries anteriores entram nas melhores universidades, em geral as gratuitas.
“Os mais pobres vão para os cursos privados, ruins, e pagam o que podem
pagar”, diz Moura Castro. No caso dos professores, alerta o economista,
serão profissionais com formação deficitária. “Vão se sujeitar a trabalhar
no serviço público, progredindo independentemente se são bons ou não, e não
terão incentivo para melhorar a formação, nem seu desempenho.”
Para Schwartzman, o ensino superior é desigual, mas a procura só aumenta
porque diploma ainda vale ouro. “É preciso também qualidade nas faculdades,
dando educação correspondente e até pagando dinheiro para o jovem enquanto
ele estuda. Caso contrário, vai ter de trabalhar e não entenderá o que está
sendo dado em aula.”
SOLUÇÕES
Especialistas são unânimes em cobrar políticas para a educação pública,
porque dão resultado. O maior exemplo é o Fundef, um dos responsáveis pela
universalização do ensino fundamental no País, que só ocorreu no fim do
século 20. Em 1998, R$ 13,2 bilhões foram destinados ao fundo, cujos
recursos teriam que ser destinados em sua maior parte aos professores. Neste
ano, a previsão é de R$ 35,2 bilhões para o programa. O resultado visível é
a drástica redução de professores leigos.
O governo Lula defende a criação do Fundeb, com recursos da ordem de R$ 51
bilhões e que englobará também os ensinos infantil e médio. Como demorou
para enviar o projeto de sua criação, o fundo talvez só comece a funcionar
em 2007, se o Congresso aprová-lo. É a partir dele que se poderá implementar
o Sistema Nacional de Educação, no qual União, Estados e municípios atuariam
em conjunto no setor. “As políticas educacionais não têm continuidade, são
interrompidas pelos novos dirigentes que assumem”, reclama Werthein.
A falta de diretrizes para educação pode ser resolvida com ações pontuais.
Saber interpretar a série de sistemas de avaliações eficientes é uma delas.
“Devem orientar todas as políticas públicas”, diz Maria Helena, coordenadora
de programa de Alckmin. “Qual a ação desencadeada pelo governo para as
piores mil escolas do Prova Brasil? Eu concentraria todos os esforços nelas.”
Maria Helena defende a universalização do ensino pré-escolar, de 4 a 6 anos,
como forma de reduzir a diferença de aprendizado entre crianças ricas e
pobres. No ensino fundamental, as soluções passariam por idéias simples como
valorizar o professor, pagando salários dignos e prêmios para os melhores,
como já fazem alguns Estados. “E precisamos dar mais autonomia. Em vez de
uma escola burocrática, por que não deixar instituições particulares dar as
aulas e pagar a elas?”, sugere Schwartzman.
No ensino médio, Moura Castro sugere diversificar o tipo de escolas, algumas
de duração mais longa, outras mais profissionalizantes, currículos variados
ao gosto do estudante. “O Brasil é o único país do mundo em que só existe
uma opção.” Uma política pública necessária, segundo ele, seria um exame de
saída, isto é, só obteria o diploma de nível secundário quem passasse por
uma prova. “É uma farsa acreditar que o filho de um seringueiro do Acre tem
a mesma capacidade de aprender que o menino do Colégio São Luís, em São
Paulo.”
Para as faculdades e universidades, os especialistas concordam com políticas
afirmativas de inclusão como o ProUni. Sugerem apenas que as mais de 100 mil
bolsas de estudo sejam vinculadas à qualidade das escolas participantes do
programa.
Outra sugestão seria criar mais instituições tecnológicas, mestrado
profissional e universidades de alta qualidade, responsáveis por formar
profissionais de excelência. E discutir a gratuidade do ensino superior. As
empresas são as maiores beneficiadas pela mão-de-obra qualificada dos bancos
universitários e nada devolvem aos cofres públicos.
“Costumo dizer: o governo dá todo ano um Fiat zero quilômetro para o aluno
rico e uma bicicleta para o pobre”, diz Moura Castro, citando a desproporção
dos investimentos nos ensinos fundamental e superior.

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