Mina vira alvo de protestos em SC

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Publicada em 20 de setembro de 2009
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
Há sete anos, Fernando Monteiro decidiu ir embora para sua Pasárgada, e assim batizou o sítio que escolheu, no meio da mata atlântica de Santa Catarina. Hoje, ele está triste, triste de não ter jeito, com a história da construção de uma mineradora perto de seu quintal. Mas, ao contrário do que imaginava o poeta Manuel Bandeira, Monteiro não é amigo do rei nem da Indústria de Fosfatos Catarinense (IFC), dona do projeto Anitápolis. A IFC quer explorar a maior jazida ainda intacta no País em uma área de 300 hectares, cercada de florestas, rios e pequenas comunidades. Monteiro e outros tantos lutam para barrar a obra.

Duas multinacionais, a Bunge e a Yara Brasil Fertilizantes, formaram a IFC e compraram 1,8 mil hectares na pacata cidade de Anitápolis. Há décadas sabe-se que naquele chão há o minério vital para o agronegócio. É o fósforo, identificado pela letra química P. Com o nitrogênio (N) e o potássio (K), forma o fertilizante NPK. O Brasil importa a maior parte do fósforo, porque é mais barato. Explorar jazidas como a de Anitápolis reduziria a dependência externa.
Monteiro é um paulistano que se refugiou na montanha. Casou-se com Regina Capistrano, mãe de Miguel, de 11 anos, e com ela teve duas filhas, as pequenas Mariana e Ana Clara. Eles compraram 5,5 hectares cortados por dois rios e nove nascentes d’água. Plantaram uma horta e construíram três cabanas para receber hóspedes. A pousada Sítio Pasárgada faz parte de um programa de inspiração francesa, a Acolhida na Colônia, onde turistas experimentam a vida no campo sem televisão, telefone ou internet. “Falo de rios limpos, rãs e matas intactas. As multinacionais dizem que vão preservar, mas a lógica delas é de quem só pensa em produzir”, diz ele.
“A IFC não entende que a atividade de mineração seja destrutiva ao meio ambiente”, rebate o diretor da empresa, Ademar Fronchetti, que espera obter o aval para as obras até o início de 2010. “Hoje, tanto as operações de mineração quanto os complexos químicos devem ser projetados visando condições de sustentabilidade, gerando riqueza e desenvolvimento, não só para o País, mas principalmente para a região onde está inserida.”
AGRICULTURA ECOLÓGICA
O agroturismo é uma atividade referência em Anitápolis e nas cidades vizinhas das encostas da Serra Geral, uma vasta área de vales e montanhas banhada pela Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão. Mais de 30 propriedades aderiram ao Acolhida na Colônia, que gera renda extra aos agricultores, mas exige preservar nascentes e tratar o esgoto. Outra vocação é a agricultura orgânica, praticada por famílias como a Willemann, em Santa Rosa de Lima. Cenouras, beterrabas, brócolis, vagens, pepinos e cebolas são produzidos sem agrotóxicos ou fertilizantes e vendidos a supermercados de São Paulo. “O maior problema é que vão mexer com a água. Ela é tudo para nós”, preocupa-se Alexandre Willemann.
Na beira do Rio dos Pinheiros, afluente do Rio Braço do Norte, um dos principais formadores da bacia do Tubarão, os primos Antonio José e Valdenir Coelho identificaram uma grande rocha branca e levaram um especialista para conhecê-la. Descobriu-se que era o carbonatito, proveniente de uma mina de fosfato. Era fim dos anos 1970, quando agricultores das redondezas plantavam batatas e colhiam superbatatas. Havia fosfato demais no solo. A empresa Adubos Trevo, hoje da Yara Brasil, arrematou o terreno e, com o fantasma da mineração, Anitápolis conheceu o êxodo rural – dos 8 mil habitantes, hoje são 3,3 mil.
Em 1987, quando a Adubos Trevo sondava o terreno, a Organização das Nações Unidas cunhava o termo “desenvolvimento sustentável”. Desenvolver e preservar, dois lemas-chaves para o futuro, tem hoje interpretações distintas em Anitápolis. Prefeitura, Estado e União defendem o projeto da IFC. Outros prefeitos, ambientalistas e o Ministério Público são contra.
Por ano, a mina da IFC deve produzir 1,8 milhão de toneladas de fosfato, 500 mil toneladas de super fosfato simples, 200 mil toneladas de ácido sulfúrico (usado na mineração) e descartado 1,2 milhão de toneladas de material estéril. A área de lavra virará uma cratera a céu aberto e terá vida útil de 33 anos. A produção usará a água captada no Rio dos Pinheiros. A previsão é de gerar 1,5 mil empregos na obra que durará três anos e 450 para a operação. Na região, não há trabalhadores especializados. A IFC vem pagando cursos de capacitação pelo Senai. “A mineradora atrairá outras empresas que gerarão empregos”, diz o prefeito de Anitápolis, Saulo Weiss. Se o projeto vingar, a cidade verá o orçamento passar de R$ 4 milhões para R$ 6,5 milhões. O Estado e a União arrecadarão outros R$ 7,5 milhões em tributos.
TRANSPORTE DE CARGAS
Os prefeitos Evanísio Uliano, de Braço do Norte, e Celso Heidemann, de Santa Rosa de Lima, afirmam que só souberam do empreendimento após o aval do órgão de licenciamento estadual. “Há uma população em pânico. É preciso mais audiências e uma consultoria independente que ateste a segurança da obra”, diz Uliano.
O transporte das cargas, desde o enxofre para a mineração que virá importado pelo Porto de Imbituba até o destino final do fosfato em Lages, ocorrerá pelas rodovias BR-101, BR-282 e SC-407. A partir de Lages, o produto será escoado por ferrovia. O prefeito de Rancho Queimado, Evanísio Leandro, teme pelo vaivém de caminhões, que passam, em média, a cada dez minutos. Sua cidade possui mais de 30 condomínios com casas de fim de semana para moradores de Florianópolis.

MPF quer suspender licença prévia
Na última quinta-feira, a Indústria de Fosfatos Catarinense (IFC) tornou público seu pedido para poder cortar mata nativa. É um segundo passo para implementar a mineradora em Anitápolis. O primeiro foi a obtenção do aval inicial do órgão estadual de licenciamento, a Fatma. Em agosto, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu um parecer recomendando que a Justiça suspenda a licença prévia e o Ibama intervenha na Fatma. A obra é a maior em discussão em Santa Catarina, ainda o Estado com maior remanescente de mata atlântica, 22%, mas que é um dos atuais campeões de desmate – 26 mil hectares entre 2005 e 2008.
“O estudo de impactos é inadequado e traz muitas lacunas”, diz a procuradora da República Analúcia Hartmann. Cidades da Bacia do Rio Tubarão, cujos afluentes foram tomados por centrais hidrelétricas e suinocultura, deixaram de ser incluídas no estudo de impactos ambientais (EIA-Rima). “Isso é grave, porque o Estado não tem levamento dos recursos hídricos, nem plano estratégico para o uso das bacias.”
Na comunidade Rio dos Pinheiros, agricultores como Ivan Back, de 62 anos, e Nilvio Boing, de 57, temem pela barragem de rejeitos, que terá 80 metros de altura e será erguida com barro e ancorada entre dois morros. Suas casas ficam a metros dela. A IFC garante segurança. “Se o pior acontecer, vai matar todo mundo daqui até Tubarão”, diz Back.
Analúcia critica a não inclusão no EIA-Rima da linha de transmissão de energia elétrica, que exigirá o corte de 150 hectares de mata. “Da pedra do minério, só se retira 10% de fosfato, e uma grande quantia vira gesso, dejeto. Tudo para obter o superfosfato, cujos maiores compradores são produtores de soja e a Coca-Cola?”
A Bunge Fertilizantes quer investir R$ 565 milhões na jazida, e solicitou recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O órgão informou que só liberará o dinheiro se a obra for viável econômica e socioambientalmente. Cidades como Cajati (SP) e Catalão (GO), com exploração de minas de fosfato, cresceram e ganharam outras indústrias atraídas pela atividade.
Para a Fatma, a IFC obteve a licença prévia baseada na lei. “A Fatma não poderia dizer que não gostaria desse projeto, porque a região tem outra vocação”, diz o presidente do órgão, Murilo Flores. “Se a IFC implementar todas as condicionantes, o empreendimento será liberado.” São exigidos 29 programas sociais e ambientais e 14 condicionantes, como chaminés para controlar o pó da mineração e preservação de matas.
A posição do MPF foi anexada à ação civil pública, movida pela pequena organização não-governamental Montanha Viva. Em 2005, Jorge Albuquerque, pesquisador de aves de rapina, entrou no caso, praticamente ignorando o desmatamento. “Num País em que presidente fala mal do bagre, preservar a natureza não convence.”
O diretor de mobilização da SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, adverte: “Do jeito que está é mais um desastre anunciado. Esse é um licenciamento que deveria levar anos e pôr em prática o desenvolvimento sustentável.” E.N.

Justiça suspende mina de fosfato em SC
Publicada em 29 de setembro de 2009

A Justiça suspendeu ontem a licença ambiental prévia que autorizava a Indústria
Fosfatos Catarinense (IFC) a iniciar o processo de instalação de uma mina de fosfato em Anitápolis (SC). Baseando-se no princípio da precaução, a juíza federal Marjôrie Freiberger Ribeiro da Silva proibiu o órgão ambiental, a Fatma, de autorizar o corte de Mata Atlântica até que seja dada a sentença final.
A ação civil pública foi movida pela organização não-governamental Associação Montanha Viva contra as empresas Bunge e Yara Brasil Fertilizantes, donas da IFC. Reportagem do Estado publicada em 20 de setembro relatou o polêmico projeto de construção de uma mineradora de fosfato em Anitápolis, a maior obra em discussão no Estado. O texto mostrou como a mina que prevê produzir 1,8 milhão de toneladas de fosfato tem gerado críticas em uma região voltada para a agricultura familiar.
Na liminar, a juíza Marjôrie afirma que “há fundado receio de grave lesão ao meio ambiente se o licenciamento ambiental prosseguir”. “Não será plausível imaginar o esgotamento da água natural e a desertificação da região ao final de 33 anos de consumo ininterrupto pelo empreendimento? Não será provável que o desmatamento implique dizimação total das espécies vegetais e animais ameaçadas de extinção?”, indagou a juíza.
A juíza Marjôrie questionou a falta de publicidade do empreendimento, a construção de uma linha de transmissão de energia exclusiva para a IFC e o risco ambiental sobre a Bacia Hidrográfica do Braço do Norte. A empresa IFC foi procurada pela reportagem, mas preferiu não se pronunciar enquanto não tiver ciência da íntegra da liminar. Também não foi possível localizar um representante da Fatma.

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