No papamóvel, um Bento XVI altaneiro

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Publicada em 12 de maio de 2007
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
Dona Sila de Matos Nunes já não sai mais de casa, e não poderia ver o papa.
Mas ontem a aposentada de 78 anos foi duplamente abençoada ao vê-lo passar
bem diante de sua janela na Alameda Glete, esquina com a Avenida Rio Branco.
De manhã viu Bento XVI no papamóvel, “altaneiro” e vestido com o “branco da
paz”. Coisa de segundos, uma eternidade para quem não imaginava um dia ver
um papa. A segunda vez foi no retorno do pontífice do Campo de Marte. “Foi
uma bênção.”
Bento XVI não passaria por ali. Sorte de uns, azar de uma centena de outros
fiéis ou curiosos que esperavam pela manhã o papamóvel na Avenida
Tiradentes.“Não é justo deixar esse povo na expectativa e mudar o
itinerário”, reclamou a aposentada Neide Fonseca, de 78 anos. Homens da CET
e da PM aguardavam também. Mas o trajeto do papa são dois ou três e só um
deles é escolhido em cima da hora.
No Campo de Marte, o papamóvel circulou entre os fiéis. A multidão correu e
pulou exaltada. “Desse jeito, o papa vai vir todo ano aqui”, disse a dona de
casa Maria Adelaide Silva. Já à tarde, uma banda do Exército começou a tocar
na Praça da Sé e foi outro indicativo de que o papamóvel estava a caminho.
Tocou até o Hino da Vitória, aquela do Ayrton Senna.
“O projeto de Deus é perfeito, porque não deixa o escolhido ficar por tanto
tempo sem poder comandar a Igreja como se deve”, afirmava Robson Rodrigues
Menezes, de 40 anos, que foi até ali com a mulher Adriana e os filhos
pequenos Giovane e Tamires. A correria foi geral, à exceção de dois
evangélicos que não desistiram da pregação.
O papa desceu e lentamente subiu a escadaria da Sé. No degrau mais alto,
virou-se e acenou à multidão, que retribuiu. Na saída do encontro que teve
com os bispos na Catedral Metropolitana, a oficial da promotoria Jania
Sanches e sua mãe, Josefa, tiveram a chance de vê-lo pertinho. Bento XVI
abriu duas vezes o vidro do papamóvel blindado para saudar o público.
A Avenida Tiradentes, sentido bairro-centro, foi interditada às 17 horas.
Sinal de que o papa em poucos minutos iria se despedir de São Paulo.
Policiais militares perfilavam-se calmamente. Na frente deles, só havia bons
cristãos desejosos de ver, acenar, aplaudir e ser abençoados. Foi assim nas
diversas aparições no Mosteiro São Bento, onde se hospedou.
Quarenta minutos depois, carros não buzinavam, nem tinham a pressa usual. Do
outro lado da pista, o papa abençoou a multidão nas calçadas e também os
motoristas. Foi a última chance para as milhares de câmeras digitais. As
pessoas se dispersaram rapidamente. Eva Aparecida de Oliveira checou o vídeo
do celular. Ela, como tantos outros, era só sorrisos: “Valeu a pena, ah,
como valeu.” Assim São Paulo disse adeus a Bento XVI.

O frio foi pouco e a madrugada, curta, na vigília de espera pela canonização
Um desavisado poderia imaginar que fosse Woodstock, mas era uma vigília
papal. Dezenas de barracas armadas no gramado do Campo de Marte e, dentro e
fora delas, milhares de jovens e adultos. Cantavam, oravam ou apenas
tentavam dormir na gélida madrugada de sexta-feira, o dia da missa de
canonização de Frei Galvão. Era essa a principal razão para estarem ali,
professar sua fé em Deus, no papa e no hoje Santo Antonio de Sant’Anna
Galvão.
O imponente altar branco estava iluminado, os telões ligados e religiosos se
revezavam nos microfones. O som era alto, mas muitos dormiram assim mesmo.
Nenhuma alma ousou reclamar. Ao contrário, ouviam com atenção os testemunhos
de agraciados com bênçãos de Frei Galvão. Um deles era a de uma jovem que
falava da conversão do pai, depois de 15 anos de transtorno familiar.
A visita do papa, na opinião do padre Marcelo de Souza, serve de motivação
aos cristãos. “Muito importante diante desse pós-modernismo que nos faz
seguir caminhos que não aqueles que Deus nos ensinou”, refletia o religioso
da paróquia Nossa Senhora das Graças, em Cambará (PR). O casal Antenor
Rodrigues Souza e Alaíde Laube, funcionários públicos de Matão (SP), também
pensavam nessa questão. “O aumento do desemprego, o avanço das drogas, as
tentações do mundo consumista, tudo isso leva os jovens a se perderem”, diz
Souza.
No fim da madrugada, milhares já se acomodavam no Campo de Marte. Os padres
Jonas Abib e Marcelo Rossi ajudavam os presentes a decorar os hinos de Frei
Galvão, de Bento XVI e outros cantos. O aposentado Pedro Candido, de 63
anos, foi uma das 1.200 vozes dos 80 corais de paróquias convidadas. Nos
últimos dois meses, ensaiaram a sua participação, que incluiu Panis
Angelicus e Salmo 22. “É um dia único.”
O casal João Paulo e Silvia Guimarães, ambos de 37 anos, acamparam depois de
virem o papa no Pacaembu na véspera. Estavam acompanhados dos filhos e de
outros 300 membros do movimento Schoenstatt. “Esta noite está muito fria,
mas o nosso coração está fervendo”, garante Guimarães. Foi, de fato, uma
noite curta.

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