Publicada em 18 de julho de 2007
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Segundos depois da explosão, cerca de 50 funcionários da TAM Express só pensaram em uma coisa: resgatar os colegas que estavam no prédio em chamas. Os gritos eram de colegas de trabalho. Ubiratan, Michele, Valdinei, Rivaldo, todos conhecidos por seus nomes de guerra. Duas pessoas pularam do segundo andar, em desespero. Outros, em pânico,imploravam para sair dali. Uma porta dos fundos foi arrombada pelo grupo de resgate improvisado. Muitos dos que estavam no térreo escaparam naquele momento.
“Havia muita gritaria e correria, e não podíamos fazer muita coisa”,relata Luiz Ribeiro, auxiliar de cargas da TAM Express. Um dos gritos veio de Bira, que parecia estar preso em algum lugar dentro do prédio. Roberto Tressorras foi um dos que avistaram o colega debaixo de uma parede que tinha caído. “Ele falou comigo debaixo dos escombros. Juntamos umas 50 pessoas, tiramos primeiro um senhor que estava em óbito e depois o Bira”, afirma.
Nesse momento, os bombeiros tinham acabado de chegar. “Não dava para pensar em nada, só salvar nossos colegas. Mas o fogo estava muito forte, não tínhamos extintores e não deu para salvar mais ninguém”, lembra Tressorras, que tarde da noite ainda permanecia com os colegas na Rua Barão de Suruí, na parte de trás do prédio. “Tiramos o Bira e vimos que ele estava com muitas escoriações, sem força, sangrava muito. Foi terrível”, acrescenta Ribeiro. Ao telefone, o auxiliar de cargas afirmava, a conhecidos, que estava bem, apenas cheirando a querosene e a fumaça do incêndio. Ribeiro estava indo jantar, quando ouviu a explosão.“ Parecia quando alguém joga muito álcool de uma vez numa churrasqueira acesa.”
Enquanto os bombeiros combatiam o incêndio, os funcionários recebiam informações por rádios de comunicação interna. Uma delas: um grupo ainda se encontrava preso dentro de um elevador, pedindo socorro. Mais tarde, eles ainda esperavam para saber se aquelas pessoas foram resgatadas. As informações eram confusas.
ARREMETIDA
Entre os relatos dramáticos, alguns davam pistas sobre a anatomia da tragédia. Um funcionário de manutenção da TAM diz ter visto o exato momento em que o avião acidentado pousava na pista e o piloto, provavelmente temendo não ser capaz de parar no espaço disponível, tentou arremeter. “Vi quando ele tentou desarmar o reverso earremeter”, disse o funcionário, que pediu para não ser identificado, referindo-se ao dispositivo da turbina que inverte a direção do jato. Sem conseguir ganhar altitude, a aeronave atingiu o prédio da TAM Express, relatou o funcionário.
Ele estimou que o Airbus 320 estava numa velocidade superior a 150 quilômetros por hora – alta demais para uma pista que, em sua avaliação, estava em condições precárias. “A semana inteira os pilotos reclamaram da pista escorregadia, disseram que um acidente grave seria inevitável. O acidente da Pantanal foi um aviso”.
As condições da pista da Avenida Washington Luiz indicavam que o choque com o prédio foi praticamente direto. Os postes e a mureta de concreto que separam os dois sentidos da pista dos automóveis estavam intactos. Apesar dos relatos de motoristas que diziam ter escapado por pouco da aeronave, bombeiros e funcionários da TAMExpress acreditavam que o avião atingiu basicamente o prédio, sem se arrastar pelo solo.
Naquele ponto, a pista de Congonhas está muitos metros acima do leito dos carros. Para evitar aglomeração e facilitar o trabalho de resgate, a Polícia Militar evacuou toda a área do acidente e isolou a área do aeroporto até o viaduto sobre a Avenida dos Bandeirantes. A avenida foi interditada logo após o acidente, mas isso não impediu a chegada de centenas de curiosos ao local. Enquanto equipes de resgate, médicos, legistas e bombeiros trabalhavam, policiais militares se encarregavam de conter com cordões de isolamento os populares que chegavam a pé.
‘O Osvaldo morreu.’ Irmão não acreditou
A 200 metros da TAM Express, Luiz Fernando de Souza, de 46 anos, ouviu uma explosão tão forte que o fez pensar no pior, que três de seus irmãos haviam morrido. Era parte da rotina diária estarem juntos naquele momento, no início da noite, despachando medicamentos pela companhia aérea. Ele correu e logo viu Paulo Cesar e Ramos, dois de seus irmãos,na pista da Avenida Washington Luís. O primeiro tinha escoriações na cabeça e um corte no pescoço. Mas estava bem. Foi ele quem disse: “O Osvaldo morreu.” Luiz Fernando não acreditou. Correu desesperadamente e só encontrou um avião em chamas, muita fumaça e um grupo de funcionários da TAM Express tentando erguer uma parede, ao lado de uma das turbinas da aeronave.
Buscavam um colega, Ubiratan. Osvaldo Luiz de Souza, de 49 anos, estava lá também.“Ele era o esteio da família, o porto seguro de minha mãe. Ela era tratada como uma rainha pelo meu irmão.” Osvaldo era dono da Trans-Model, uma empresa no bairro da Luz. Ela recolhia material de laboratórios farmacêuticos e despachava, via TAM Express, para hospitais e clínicas de outros Estados.
Foi o irmão mais velho da família Souza quem criou a empresa há mais de 20 anos pensando numa só coisa: ajudar os cinco irmãos a terem um emprego, serem patrões deles mesmos. E conseguiu.
Diariamente, de segunda-feira a sábado, Luiz Fernando, Paulo Cesar e Ramos buscavam de carro as mercadorias e traziam à TAM Express. Cada um tinha um horário.O primeiro a chegar ao local era Osvaldo, que cuidava da papelada para despachar as mercadorias. Ontem não foi diferente. Quando o A320 se chocou contra o prédio, Osvaldo e Paulo Cesar estavam dentro do prédio. Osvaldo deveria estar sentado.
Paulo Cesar, de 34, permanecia em pé. Na explosão, ele conseguiu correr para o lado, antes que a parede cedesse e matasse o primogênito.
À meia-noite, os três irmãos não podiam sair do local onde as chamas ainda ardiam e faziam a família Souza lembrar do desastre. Três carros da Trans-Model foram atingidos no choque. Todas as coisas deles estavam lá. Mas a espera era mais angustiante porque queriam notícia sobre o irmão. Ninguém dizia nada. “Para onde levaram o corpo? Não sei, ninguém dá notícia. Se perguntamos, respondem com estupidez.” Só à 0h50 souberam que ele havia sido levado para o Instituto Médico-Legal Central.