O grupo chinês Chinalco está construindo uma cidade inteira nas redondezas de sua mina Toromocho, na região central do Peru. Mais de 5 000 peruanos vão morar no povoado de Morococha, que será entregue com ruas pavimentadas, praças, postos de saúde, igrejas, prefeitura, colégios, comércio e casas que serão distribuídas gratuitamente. O projeto é um dos desdobramentos da compra do controle da Peru Copper, fechada pela Chinalco em 2007. Os chineses vão extrair 1,5 bilhão de toneladas de cobre, molibdênio e prata, em um empreendimento que prevê investimentos de 2,2 bilhões de dólares o prognóstico é que as reservas durem 36 anos. Mas os peruanos têm visto resultados concretos da empreitada bem antes da entrega do povoado. Na fase de construção da mina, foram criados 5 000 empregos e mais 10 000 surgirão quando começar a extração, prevista para este ano. Exemplos como o do projeto da Chinalco no Peru se multiplicam na América Latina. Hoje, a região guarda condições especialmente favoráveis para crescer. A América Latina e o Caribe possuem 30% das fontes de água do mundo, mais de 800 milhões de hectares aptos para a agricultura e riquezas naturais e minerais ainda inexploradas. Do outro lado do planeta, países como China e Índia precisam alimentar populações gigantescas, obter matériasprimas para suas fábricas e encontrar mercado de consumo para suas mercadorias. Os latinoamericanos e seus recursos são hoje a melhor resposta para grande parte dessas demandas.
Um relatório divulgado pelas Nações Unidas em maio mostrou que a América Latina e o Caribe receberam no ano passado 153 bilhões de dólares de investimento estrangeiro direto (IED), volume 31% maior que o de 2010. É o segundo ano consecutivo de crescimento forte e o maior volume já registrado, recuperando uma trajetória de ascensão que havia sido interrompida pela crise em 2009. Diversos países latinoamericanos jamais viram tanto dinheiro chegar ao mesmo tempo.
Segundo estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), os investimentos estrangeiros diretos no Brasil (67 bilhões de dólares), no Chile (17,3 bilhões), na Colômbia (13,2 bilhões) e no Uruguai (2,5 bilhões) bateram recordes históricos. Por ser utilizado em atividades produtivas e muitas vezes em projetos de longo prazo , como a construção de fábricas, esse tipo de capital é sempre o mais cobiçado pelos países. “O ciclo de abundância de dinheiro para países emergentes aliado à procura crescente por commodities fará com que a América Latina continue recebendo investimentos em níveis elevados”, diz Miguel Pérez, um dos autores do relatório da Cepal. De modo geral, os países da região têm aproveitado o bom momento econômico para crescer e fortalecer seu mercado interno. A consequência é um ciclo virtuoso: o crescimento das economias domésticas atrai outras tantas companhias multinacionais americanas, europeias ou chinesas interessadas em diversificar investimentos e reduzir riscos em suas matrizes.
Mesmo com a crise nos países desenvolvidos, o investimento estrangeiro direto na América Latina e no Caribe crescerá até 8% neste ano, de acordo com a Cepal. Os setores que mais têm recebido dinheiro são mineração, petróleo, telecomunicações e energia elétrica. Cinco anos atrás, a fatia do investimento estrangeiro direto que cabia à região era inferior a 6% e hoje ela passa de 10%. Em contrapartida, a participação dos países desenvolvidos no investimento global caiu de 66% para 50%. “O fluxo do dinheiro não vai se reverter. Os latinoamericanos continuarão em alta”, diz Pérez.
O otimismo com a região é uma visão corrente. Segundo relatório do banco Itaú, o crescimento médio da economia da América Latina, passada a atual desaceleração, continuará acima da média dos países desenvolvidos nesta década. O produto interno bruto do Peru deve avançar a uma taxa anual de 6,3% entre 2014 e 2020. No mesmo intervalo, Colômbia e Brasil devem crescer 5,1% e 4,1%, respectivamente, segundo o estudo que leva em conta variáveis de trabalho, demografia e investimentos no setor produtivo. “Por volta de 2005, quando ficou claro que o crescimento chinês se sustentaria por anos, a atenção se voltou para os países ricos em commodities”, diz João Pedro Bumacher, economista do banco Itaú. São as commodities, afinal, que abastecem a voraz indústria chinesa.
Os latinoamericanos não estão apenas na posição de receptores do investimento estrangeiro. Grandes grupos da própria região têm contribuído para engordar as estatísticas. “A região cresce muito, e os investimentos em infraestrutura de vários países têm elevado nossa participação de mercado”, diz Gustavo Iensen, diretor da área internacional da Weg. A América Latina (excluído o Brasil) é responsável hoje por quase um quarto dos 5,2 bilhões de reais de receita do grupo catarinense, que fabrica motores elétricos, transformadores e geradores. Há 40 anos, a empresa exportava seus produtos por meio de representantes no Paraguai, na Bolívia e no Uruguai. Desde o início dos anos 2000, ao perceber o novo cenário da região, a Weg passou a produzir no exterior. Hoje, tem três fábricas na Argentina e três no México. “Queremos chegar a uma receita de 20 bilhões de reais até 2020”, diz Iensen. “A América Latina será fundamental.”
O surgimento de conglomerados regionais, como a Weg, é fruto de um ambiente em que há mais abundância de dinheiro em circulação e também avanços institucionais. Com economias e governos estáveis e a definição de marcos regulatórios mais confiáveis, as empresas latinoamericanas ampliaram seus negócios nos países vizinhos. Em 2006, o grupo colombiano do setor de energia ISA adquiriu o controle da Cteep, empresa do setor elétrico que pertencia ao governo de São Paulo. Essa operação consolidou o processo de internacionalização da ISA, que havia começado quatro anos antes no Peru. Hoje, a companhia possui uma rede de transmissão de alta tensão de 40 000 quilômetros que interliga Colômbia, Peru, Bolívia e Brasil. “A ISA foi um dos grandes propulsores da integração elétrica regional”, diz Luís Fernando Alarcón, presidente da companhia. Exministro da Fazenda da Colômbia no fim dos anos 80, Alarcón vê uma realidade completamente distinta da do passado, quando era difícil obter financiamentos para empreendimentos, praticamente não havia mercado de capitais, muitas empresas estratégicas eram administradas pelo Estado e os preços eram controlados, o que tornava as economias locais muito ineficientes. Em 2011, a ISA investiu 1 bilhão de dólares nos países vizinhos, sendo 466 milhões de dólares no Brasil.
Para muitas empresas de países desenvolvidos, com necessidade de se reestruturar após a crise econômica global de 2008, uma saída foi ampliar os negócios na América Latina. As que fizeram isso agora colhem os louros da decisão. “Antes, as filiais latinoamericanas sofriam com crises internas enquanto as matrizes viviam a fase do lucro. Agora, a situação se inverteu”, diz Pérez, da Cepal. A região foi responsável, por exemplo, por mais da metade do lucro do grupo espanhol Santander em 2011.
Para os especialistas, os países latinoamericanos precisam aproveitar o atual fluxo de capitais para fazer reformas estruturantes e dar um salto de qualidade em seu desenvolvimento. A modernização de muitas economias da região só virá com mais investimento em educação e tecnologia. Países como Coreia do Sul e China são sempre lembrados por terem seguido esse rumo. Hoje, na China, 8 de cada 10 dólares são investidos em setores de média ou alta tecnologia. Na América Latina, a proporção não chega a 4 por 10 dólares. Mas já é um quadro bem melhor que o de 2003 a 2007, quando os investimentos em média e alta tecnologia na região não passavam de 15%. O Brasil é o maior receptor de recursos de multinacionais com essa finalidade. Recentemente, a alemã Siemens elevou de 600 milhões para 1 bilhão de dólares a previsão de investimentos no país até 2016, incluindo a construção no Rio de Janeiro de um novo centro de pesquisa de padrão mundial. Outras tarefas urgentes na América Latina são a redução da burocracia e o aumento da segurança jurídica nas relações comerciais. Só quatro países da região México, Chile, Peru e Colômbia estão entre os 53 mais bem posicionados no ranking Doing Business, elaborado pelo Banco Mundial para avaliar a facilidade de fazer negócios. É muito pouco. O Brasil está na vexatória 126a posição e a Venezuela, no 177o lugar. A Argentina, hoje na 114a posição, pode piorar ainda mais na lista, depois da expropriação dos ativos da petroleira espanhola Repsol pelo governo de Cristina Kirchner, em abril. O risco, para a região, é se iludir com o momento mais favorável e perder de vista que o desenvolvimento de longo prazo precisa ser conquistado a cada dia.
É curioso notar que a América Latina antes conhecida por ser uma região barata começa a se tornar uma opção cara. Recentemente, o grupo alemão ThyssenKrupp colocou à venda a usina siderúrgica que construiu na baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro. Em 2007, a multinacional anunciou investimentos de 1,3 bilhão de euros para erguer a unidade, mas os custos explodiram e chegaram a 5,2 bilhões de euros. A ThyssenKrupp afirma que o custo da mão de obra, a inflação em alta, a valorização do real e o encarecimento das obras de infraestrutura no país tornaram a operação brasileira pouco vantajosa. A ironia dessa história é que a intenção inicial da empresa alemã era produzir chapas de aço a baixo custo no Rio de Janeiro e enviálas a preços competitivos para os Estados Unidos. O plano naufragou porque o Brasil, apesar do atual esfriamento da economia, tem uma perspectiva de crescimento mais firme enquanto os americanos ainda estão às voltas com uma recuperação econômica claudicante. Os problemas por aqui existem e são muitos. Mas é inequívoco que a América Latina está em alta na economia global.
Bolsinhas de valores
A economia da América Latina cresce e atrai investimentos, mas o mercado de capitais não acompanha esse avanço na mesma velocidade A economia americana é seis a SETE vezes maior que a brasileira. Mas, olhando o volume negociado nas bolsas de valores dos dois países, a diferença é abissal. Enquanto a compra e a venda de ações no Brasil giram 3,4 bilhões de dólares por dia, nos Estados Unidos o volume chega a 200 bilhões de dólares. “É uma enorme distância, que não se explica apenas pelo tamanho das economias. Conta muito a cultura do capitalismo dos dois países”, diz Fernando Exel, presidente da Economática, consultoria que acompanha com lupa as bolsas. A pedido de EXAME, a Economática dimensionou o tamanho das principais bolsas da região. O levantamento mostra como o mercado de capitais latinoamericano ainda está engatinhando.
Alguns exemplos dessa diferença gritante. O pregão americano é quase 300 vezes maior que o mexicano, que possui a segunda bolsa da América Latina “ a maior é a brasileira Bovespa. Basta juntar quatro grandes empresas americanas “ Exxon Mobil, Apple, Microsoft e Google “ para igualar o valor de mercado da bolsa brasileira, de 1,2 trilhão de dólares. Para a equiparação com o valor da bolsa do México é necessário somar apenas três companhias americanas, o Walmart, a CocaCola e a Visa. A comparação com a bolsa argentina é ainda mais esmagadora: as negociações das ações da Apple num único dia equivalem a 753 vezes o volume médio diário de todas as empresas que formam o índice Merval.
Em apenas um ponto do levantamento os latinos se saem melhor que os americanos. No Chile, o valor de mercado das empresas listadas na bolsa é maior que o tamanho de sua economia. O valor das empresas corresponde a 108% do produto interno bruto chileno, próximo de 270 bilhões de dólares. No Brasil, a relação é de 48% e, nos Estados Unidos, de 93%, segundo o estudo. “O Chile se destaca por ter adotado desde os tempos do general Augusto Pinochet (que governou o país entre 1973 e 1990) uma política monetarista e de ter assimilado o modelo capitalista melhor que os vizinhos”, afirma Exel.