O declínio da educação

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À primeira vista, uma nação que já conquistou mais de 300 prêmios Nobel, criou a internet e levou uma nave espacial a Marte só pode estar alicerçada numa educação de altíssima qualidade. Nenhuma dessas conquistas teria sido possível se os Estados Unidos, no início do século 20, não tivessem feito a lição de casa e investido pesadamente em educação. Nenhum outro país conseguiu massificar o ensino de forma tão rápida e eficiente. Em 1900, apenas 6% dos jovens americanos frequentavam o ensino médio. Atualmente, 75% dos jovens daquele país cur sam a chamada high school (no Brasil, são menos de 50%). Colocar os filhos em uma boa universidade se tornou a síntese do sonho americano.

Mas esse sonho não é para todos. A desigualdade, palavra tão conhecida dos brasileiros, também é sentida na maioria dos lares da potência mais rica do planeta. Nos últimos 40 anos, a renda de quem frequentou uma faculdade subiu mais de 30%, mas ficou estagnada para os que têm apenas o diploma de ensino médio. A situação é pior ainda para os que não concluíram o ensino médio o salário desses trabalhadores, na média, regrediu ao nível dos anos 70.

Atualmente, mais de 20% dos jovens americanos que frequentam o ensino médio abandonam o curso antes de terminar. Os motivos para a elevada evasão, segundo especialistas, vão desde uma escola desmotivadora nos primeiros anos de uma criança até a falta de perspectiva profissional. Os americanos que estudam menos, no entanto, diminuem suas chances de arrumar emprego. Em 2009, no auge da crise financeira, apenas metade da população economicamente ativa sem diploma de ensino médio tinha emprego ante 85% de empregados entre os que tinham uma graduação universitária. No mercado de trabalho, muitas vagas estão em aberto por falta de profissionais capacitados para preenchêlas.

“Há muitos empregos que exigem elevada qualificação, mas o que mais cresce é o número de pessoas pouco qualificadas”, diz Matthews Chingos, especialista em educação do Brookings Institution, organização de pesquisa sediada em Washington. “Isso é ruim porque, antes, os americanos de baixa escolaridade competiam entre si. Hoje, numa economia globalizada, eles enfrentam a concorrência de indianos e chineses.” Onde mesmo fica o Iraque? No mais recente exame do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa), que testa o conhecimento de alunos de 15 anos em leitura, matemática e ciências, os Estados Unidos ficaram em 26o lugar entre 65 países. Elaborado pela OCDE, o clube dos países ricos, o estudo de 2009 apontou os estudantes de Xangai , que representaram a China, em 1o lugar (o Brasil ficou em 54o). No teste, a maioria dos estudantes americanos não soube localizar no mapa países como Iraque e Afeganistão, que aparecem com frequência no noticiário local. Em 2000, primeiro ano em que foi realizado o exame Pisa, os Estados Unidos ocuparam o 15o lugar.

O declínio da educação é perceptível no mercado de trabalho. A nova geração de americanos é menos educada que a de seus pais. De acordo com um estudo da OCDE de 2011, os Estados Unidos estão em segundo lugar em nível de escolarização de empregados entre 55 e 64 anos, atrás apenas de Israel. Mas os americanos pararam no tempo. Na faixa de 25 a 34 anos, eles se classificam em 15o lugar no ranking da OCDE. Pouco mais de 40% dos americanos concluem uma faculdade, praticamente o mesmo percentual de gerações passadas. Na Coreia do Sul, que ocupa o topo da lista, o número de trabalhadores graduados saltou de 13% para 64% em três décadas. O resultado é que os Estados Unidos já não possuem a mão de obra mais qualificada do mundo foram ultrapassados por mais de uma dúzia de países nos últimos 30 anos.

É curioso que uma solução óbvia para combater a queda geral na qualidade do ensino aumentar os investimentos não venha dando resultados. No início dos anos 60, o gasto médio por aluno nos Estados Unidos era de 3 000 dólares. Atualmente, o país investe três vezes mais do que esse valor. A Finlândia destina 30% menos recursos que os Estados Unidos para os estudantes do ensino fundamental. A Alemanha investe 40% menos. No entanto, esses países têm se saído melhor do que os Estados Unidos nos exames internacionais.

Para melhorar o desempenho dos estudantes americanos, o expresidente George W. Bush criou em 2002 o programa No Child Left Behind (“Nenhuma criança deixada para trás”), a primeira grande intervenção na área por parte do governo federal. Um dos objetivos do programa é reduzir a diferença de desempenho escolar entre crianças pobres e ricas e entre diferentes regiões. Já o presidente Barack Obama criou um fundo de 4,3 bilhões de dólares para premiar bons professores, melhorar as avaliações e socorrer as escolas de baixo desempenho. O resultado de ambos os programas ainda está abaixo do esperado.

Numa tentativa de encontrar uma saída, o governo americano tem alterado o modo de financiamento da educação, com o objetivo de eliminar o desequilíbrio na distribuição das verbas por região. Há até pouco tempo, 100% dos recursos da educação vinham de fundos locais. Hoje, 45% dos fundos são locais, 45% estaduais e 10% federais. “Essa mudança tem funcionado bem somente em alguns estados”, diz a economista americana Claudia Goldin, professora da Universidade Harvard. Autora do livro The Race Between Education and Technology, Claudia afirma que, embora a educação tenha avançado nos Estados Unidos rapidamente na primeira metade do século passado, nos últimos 30 anos ela não conseguiu evoluir no mesmo ritmo da tecnologia, que direciona o tipo de habilidade e formação que os trabalhadores deveriam possuir. “Ter cursado uma high school ou uma universidade não faz uma pessoa se tornar indispensável, especialmente se suas habilidades podem ser importadas ou realizadas por um programa de computador”, afirma Claudia.

Para o pesquisador Andrew Hanson, do Center of Education and the Workforce da Universidade de Georgetown, parte da solução para o descompasso entre a oferta e a demanda do mercado de trabalho pode estar nos 29 milhões de empregos de nível médio nos Estados Unidos que não dependem de diploma universitário. São vagas em serviços manuais, comunitários, de alimentação ou de saúde, vendas e manutenção de escritórios, com salários de 35 000 a 75 000 dólares por ano. Mesmo para se candidatar a essas vagas, é preciso ir além do ensino médio, frequentando um ensino técnico (CTE, em inglês), com duração média de dois anos. “Culturalmente, as escolas de segundo grau dos Estados Unidos se concentram na preparação dos alunos para universidades de quatro anos, mas existem boas alternativas para quem não quer seguir esse modelo”, diz Hanson. O problema é que, para muitos jovens, especialmente os de comunidades pobres, não há informação nem incentivo para continuarem sua formação no ensino técnico.

As consequências disso aparecem na economia do país. O salário de um americano típico, casado e com dois filhos, cresceu 23% de 1975 a 2009. No mesmo período, as horas trabalhadas aumentaram 26%. Esperavase que, com o progresso, ocorresse o contrário: ganhar mais trabalhando menos. Isso significa que os Estados Unidos estão perdendo outra corrida a da competitividade. Um estudo recente revelou que a baixa produtividade, decorrente da queda da qualidade da educação, custa 175 bilhões de dólares por ano, o equivalente a 1% do PIB. “Em várias áreas, os Estados Unidos continuam produzindo os maiores avanços científicos mundiais”, diz Chingos, do Brookings Institution. “Mas não estamos bem se comparados a outros países que também precisam formar um grande número de alunos. Eles estão avançando mais do que nós.”

Ilhas de excelência
As universidades americanas continuam no topo do mundo Apesar dos problemas na educação, nenhum país dwo mundo rivaliza com os Estados Unidos no ensino superior. A explicação está em um conjunto de fatores, como a força econômica do país, os recursos milionários de doações feitas por indivíduos e empresas e a capacidade de atrair os melhores cérebros espalhados pelo mundo.

Outras nações contam com fatores semelhantes, mas não possuem o que só os americanos têm: um inovador sistema de governança, cuja inspiração é a Universidade Harvard, criada em 1636. Atacada ao longo da história por ser considerada elitista, a escola resistiu às tentativas de intervenção estatal. Em 1865, ela passou a administração da instituição para as mãos de alunos e exalunos. Livre da ameaça de intervenção, Harvard se tornou um modelo que inspirou outras universidades, como as particulares Yale e College of William and Mary e as públicas Michigan, Purdue e Duke.

O resultado aparece nas listas das melhores escolas do mundo. Hoje, sete das dez melhores universidades no planeta são americanas, segundo a revista britânica Times Higher Education, que publica o mais respeitado ranking internacional de universidades. A lista de 2012 é liderada pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), seguido de Stanford, outra americana. Também estão na lista Harvard (4º lugar), Instituto de Tecnologia de Massachusetts, MIT (5º), Princeton (6º), Universidade da Califórnia, Berkeley (9º), e Universidade de Chicago (10º). Entre as 200 melhores do mundo, os Estados Unidos contam com 76 universidades; o Reino Unido, com 31; a Holanda, com 12; a Alemanha, com 11; e o Canadá, com 8. O Brasil tem apenas uma representante entre as 200 melhores a Universidade de São Paulo, em 158º lugar.

* Publicado na Revista EXAME Especial

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