A primeira peça surgiu de uma cartolina e algumas folhas de papel. Corta daqui, dobra dali, passa cola. Uma madrugada inteira para recriar uma bolsa de selim com sulfite. Fernando Oliveira tinha 30 anos, o equivalente a R$ 5,5 mil em economias e àquela altura da vida, mesmo dono de uma próspera pizzaria da zona norte de São Paulo, desejava dar um estilo de vida diferente para a sua família. Ele a mulher, Verônica, então executiva de vendas de uma multinacional farmacêutica e grávida da primeira filha, Carol, eram um típico casal de classe média: totalmente ocupado em ganhar dinheiro, quase sem tempo para respirar.
Mas qualquer pessoa de bom senso diria que mudar de vida com uma pochete para ser usada debaixo do assento de uma bicicleta – algo desconhecido no Brasil, mas que Oliveira conhecera em uma viagem aos Estados Unidos em 1990 –, era ideia de maluco. Não faltaram amigos e colegas dizendo exatamente isso, mas Oliveira acreditava tanto no potencial de seu produto que torrou as economias em tecidos, linhas e uma máquina de costura industrial.
Com as primeiras peças costuradas por ele próprio, foi bater de bicicletaria em bicicletaria à procura de vendedores. Ouvia cada “não” com a certeza de que ainda não tinham entendido o “conceito” de seu acessório. Na loja Ciclo Caravelli, encontrou João Santos Dutra, amigo de um de seus sócios na pizzaria. Ele aceitou ficar com as primeiras bolsas em consignação. “O que mais me chamou a atenção foi a qualidade do produto, especialmente sendo nacional”, lembra Dutra, 49 anos. “Mas se eu falar que era um bom negócio, estaria mentindo.”
Por sugestão do marido, Verônica aceitou deixar o emprego para ajudar a tocar o negócio, mas ele, por precaução, manteve a sociedade na pizzaria por algum tempo. O empresário fabricava as bolsas de selim de madrugada, numa sala de 7 metros quadrados. Dormia quatro horas por noite e tinha as mãos cheias de bolhas. Em janeiro de 1993, contabilizou seu primeiro faturamento: 48 mil cruzeiros (cerca de R$ 25 hoje, atualizados pelo IGP-DI).
As vendas começaram a engrenar na garupa do boom do mountain bike no Brasil. Oliveira participou de eventos e diversificou, passando a fabricar também mochila, alforje e malas para bicicletas.
“Ele teve a visão de fazer outros produtos, enxergar um potencial e investir a vida dele nisso”, elogia Eduardo Ramires, ex-campeão mundial de mountain bike e ex-treinador da seleção brasileira da categoria, hoje patrocinado pela Curtlo.
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Improvisar, adaptar e inovar são algumas das habilidades do empresário desde a adolescência. Suas mochilas tinham panos nas alças, que ele costurava para deixá-las mais confortáveis. Certa vez rasgou uma calça jeans e criou uma bolsa para levar o skate para a praia. Hoje, aos 50 anos, Oliveira acumula apenas dois dias como empregado, passados numa loja de bijuteiras e produtos de couro. Quis arrumar o lugar “bagunçado”, segundo ele, quando o dono só o queria ali para vender os produtos.
“Para mim, liberdade sempre esteve associada à independência financeira e a independência financeira a estar próximo do que gosto”, afirma o dono da Curtlo. Esse sentimento o fez largar o primeiro ano da faculdade de engenharia agronômica, em Taubaté. A lacuna acadêmica só veio a ser preenchida no fim dos anos 90, com uma graduação em administração de empresas.
Em 1995 a Curtlo já era uma marca conhecida, tinha se mudado da pequena sala para uma sobreloja de 200 metros quadrados, contava com uma dezena de funcionários e só uma tempestade poderia detê-los. E foi o que aconteceu, em uma das crises econômicas do governo de Fernando Henrique Cardoso potencializada pela abertura do mercado para produtos estrangeiros.
As dívidas corroíam o caixa da Curtlo e Oliveira apostou na ideia de vender para a Mesbla, alocando 80% da produção para a empresa. Em crise, o magazine fechava grandes compras com fornecedores e demorava a pagá- -los. Em 1997, três dias depois de uma entrega, a Mesbla pedia concordata e a Curtlo era mais um fornecedor vítima de um dos maiores calotes comerciais da economia brasileira. Verônica, que tinha largado uma carreira bem-sucedida, não pensou em sugerir que o marido desistisse.
“Não se preocupe com a casa, enfie a cara na Curtlo, acredite no seu sonho e deixe que eu cuido das contas”, lembra de ter dito ela, que logo arrumou um emprego em outra multinacional. Em 1999 nasceu o segundo filho do casal, Breno.
Aos poucos Oliveira conseguiu desatolar. Criou um mercado de empresas parceiras para dividir custos de produção e expandiu o portfólio, produzindo para modalidades como o montanhismo e o surfe. Sempre se preocupou mais com o tripé funcionalidade, ergonomia e durabilidade do que com o preço. Ou seja, ele esperava vender porque o produto era bom, e não por serem muito baratos.
Mais do que receita para sair da crise, o tripé se tornou um dos segredos da Curtlo, acredita Sérgio Bernardi, um dos diretores da Adventure Sports Fair, maior evento do gênero no Brasil. “Quem faz atividade outdoor não tolera ser deixado na mão. O produto precisa ser de qualidade, e o Fernando sempre buscou se aprimorar, especialmente buscando novidades no exterior”, diz Bernardi.
Em 2001, o dono da Curtlo resolveu visitar a Outdoor Retailer, uma feira nos Estados Unidos. Passou os quatro dias da viagem chateado por ver que seus produtos não chegavam aos pés dos concorrentes. “Na volta, chamei nossos 15 funcionários, abri a sacola com uns 30 produtos, vários catálogos e disse: ‘Ou fazemos isso também ou desistimos agora’”, afirma. A equipe manteve-se unida e disposta a enfrentar a concorrência estrangeira. Em 2004, Verônica disse adeus às multinacionais e voltou à Curtlo.
A popularização do turismo de aventura ajudou a desenvolver o mercado. Segundo pesquisa de 2011 da Associação Brasileira de Empresas de Turismo de Aventura (Abeta), o segmento atendeu a 5,4 milhões de turistas, que gastaram em média quase R$ 300 por passeio. “Há espaço para crescer. Estima-se que 68% dos brasileiros são potenciais consumidores do mercado outdoor”, afirma Evandro Schutz, diretor de Qualificação da Abeta.
É com esse horizonte que marcas estrangeiros como Timberland, Columbia e The North Face expandem sua presença no país. “Nosso mercado de calçados e acessórios de atividade outdoor movimenta cerca de R$ 500 milhões por ano. Nos Estados Unidos esse número chega a US$ 15 bilhões. O que vemos é que as pessoas começam a praticar, mas nem sempre com o material mais adequado”, diz Bernardi, da Adventure Sports Fair.
Hoje a Curtlo está preparada para disputar com as gigantes internacionais. O portfólio tem mais de 240 produtos, com preços que variam de R$ 40 (a famosa bolsa de selim) a R$ 890 (mochila cargueira de 90 litros) e atendem praticantes de surfe, skate, motociclismo, ciclismo, escalada, trekking e mergulho. Alguns itens carregam tecnologia de ponta, como as roupas de microfibras ThermoShield, que funcionam como uma segunda pele capaz de absorver a umidade do corpo, manter o equilíbrio térmico e garantir a liberdade de movimentos.
Na fábrica da zona norte de São Paulo atuam 70 colaboradores, e parte da produção é feita em oficinas terceirizadas, gerando outros 50 empregos. A empresa faturou no ano passado R$ 17 milhões, crescimento de 11,5% sobre 2012. Neste ano o objetivo é atingir R$ 20 milhões, contando com a meta de expansão da marca para 20 países no exterior. Desbravar novas trilhas é parte do ofício.