Governo faz pente fino na Juréia

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Publicada em 27 de agosto de 2007
Portal Estadão

Foi um fim de semana atípico para a Juréia. Policiais em todos os acessos, dia e noite. Visita de secretário de meio ambiente. Seminário de organizações não-governamentais. E, mais uma vez, os moradores seassustam quando vem barulho de fora. Será que o futuro deles num dos maiores santuários de mata atlântica do País está por um fio?
Terminou ontem a operação pente-fino da Polícia Militar Ambiental e da Fundação Florestal. Iniciada às 15 horas de sexta-feira, ela resultou em 7 autos de infração, embargo de 1.695 m², fiscalização em 12 propriedades, 168 unidades de palmito apreendidas, 1 arma apreendida e 1 prisão por tráfico de droga com um condenado recapturado. Contou com 120 homens em 50 carros policiais preparados para as estradas de terra da região. Equipes de todo o Estado vieram ao socorro da Juréia, nos municípios de Iguape, Miracatu, Itariri e Peruíbe.
Foi uma resposta inicial, simbólica e de efeito passageiro a uma série de crimes cometidos nos últimos anos contra a estação ecológica, como relatou o Estado no último 19. Foram alvos da ação policial os índios que vendem o palmito juçara nas feiras, o plantio ilegal da banana no alto dos morros, desmatando a mata atlântica silenciosamente, e construções irregulares.
A reportagem sobrevoou a Juréia no primeiro dia de operação e viu queimadas muito próximas do mosaico, impondo-se como ameaçadora frente de expansão do entorno. Para combater o desmate, há duas semanas, a Fundação Florestal cortou 2 hectares de pés de banana e replantou 1.500 mudas de ipês e angicos, espécies nativas da mata atlântica.
A operação foi determinada pelo secretário estadual Xico Graziano, que visitou na sexta-feira o Mosaico de Unidades de Conservação Juréia-Itatins. Na ocasião, inaugurou um portal de acesso ao parque Itinguçu e à Reserva do Desenvolvimento Sustentável (RDS) Barra do Una, dois locais de atração para milhares de turistas no verão. Diante dos moradores, Graziano anunciou a destinação de R$ 3 milhões para pagar indenizações de quem quiser ou tiver que sair da Juréia.
“Não vamos permitir ficar do jeito que está”, asseverou o secretário de meio ambiente. Outros R$ 145 mil já serão usados de imediato para o diagnóstico fundiário, isto é, descobrir quem tem direito sobre as terras no mosaico. A estimativa de Graziano é a de que cerca de 100 famílias vão ter de sair, seja por conta própria ou porque são moradores que compraram lotes depois de criada a estação ecológica.
A maioria dos “moradores que causam problemas”, na definição de Graziano, já briga por indenizações na Justiça. São 156 processos. Eles prometem resistir. “A União dos Moradores da Juréia é a favor da permanência deles, desde que possam viver com dignidade e continuem a fazer o que fizeram até agora, manejar e preservar”, disse Arnaldo Rodrigues das Neves, fazendeiro com terras na estação ecológica. “Sofremos muito para estar ali, quando não tinha estrada, era só mato e trazíamos o peixe nas costas. Agora precisam pagar o que temos direito”, acrescentou o pescador da RDS Barra do Una, João Eneas Justiniano Filho, de 70 anos.
“Os R$ 3 milhões são insuficientes no momento para pagar todas as indenizações da Justiça, mas dá para pagar todos os direitos daqueles que querem sair”, admitiu José Pedro de Oliveira Costa, assessor da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e primeiro diretor da estação. É a primeira vez que o governo estadual libera recursos dessa ordem de grandeza. “Nada impede que se bem usados desta vez sejam feitas outras liberações para novas indenizações.”
Na presença do secretário Graziano, o posseiro Justino Vitalino Pereira dimensionou o tamanho do problema das indenizações. Ele tinha 12 mil pés de banana e uma edificação em boas condições quando a estação ecológica foi criada, 20 anos atrás. Ele não pôde cultivar bananas e sua casa nunca mais foi reformada. Quanto ele merece receber? Voltou sem resposta.
O dinheiro que servirá para salvar a Juréia é fruto da compensação ambiental. Quando uma empresa realiza um empreendimento e haverá dano ambiental inevitável, ela deposita um dinheiro que deve ser usado em uma unidade de conservação. Os R$ 3 milhões vieram da Petrobrás e os R$ 145 mil, de Ourinhos, onde a Companhia Brasileira de Alumínio pôde construir uma usina hidrelétrica.

Crimes ambientais pegam morador comum
O peixe que caiu do céu num dia de Natal fez de Adão Gomes dos Santos – o homem que jura ter visto essa imagem 15 anos atrás – um criminoso ambiental. Soldados da Polícia Militar Ambiental flagraram em suas terras uma pequena obra. Era a extensão de um tanque de traíras, onde Adão sonhava construir um santuário religioso no local. Mas ali há um olho d’água, uma nascente. Pior, fica no Parque Estadual do Itinguçu, no Mosaico de Unidades de Conservação da Juréia-Itatins. Como a ordem para os policiais era não deixar passar nada, Adão recebeu um auto de infração.  
Mineiro de Teofoli Otoni que chegou na Juréia em 1971, Adão, de 74 anos, é desacreditado por todos, inclusive a Igreja de Peruíbe que não crê nele. Só seus dois irmãos, Mariano e Joana, de 82 e 83, não ralham. Na idade deles, para quê? O importante é manter a fé, como bons católicos que são. “O padre Gonçalves veio, deu uma olhada e voltou. Não disse mais nada. Aí pensei que deveria fazer assim mesmo”, justificou ele sobre o santuário.  
“É um crime ambiental, mas se perceber vai ver que há vários outros por aí”, reconheceu o guarda-parque Valmir Gomes, responsável pelo parque estadual do Itinguçu. Os policiais foram instruídos a fazer blitze, checar cargas e documentos, combater todos os crimes, inclusive o sorrateiro, aquele que anos após anos foi sendo consumado como se fosse natural. Adão foi um deles. Terá agora de ir até a Polícia Ambiental de Peruíbe, daqui a 20 dias, para se explicar. “Não sei se vão me multar ou o quê. Mas até hoje fiz tudo certo. Faz anos que estou aqui e não mexemos na mata.”
Outro flagrado foi o cacique Davi Honório Cardoso, Konumidju, de 40 anos. Ele estava numa pequena feira de Peruíbe, no sábado, vendendo 84 unidades de palmito juçara, extraídos da Juréia. O artigo 49 da Resolução 37 de 2005, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, considera crime receber, adquirir, vender, expor à venda, transportar ou ter em depósito produtos de origem vegetal sem a devida licença. Foi multado em R$ 8.988.  
Ontem, os índios sumiram da feira dominical. Quem queria comprar palmitos juçara a R$ 5 voltou com a sacola vazia. A suspeita das autoridades estaduais é que os indígenas estejam sendo utilizados como mulas dos palmiteiros, meros transportadores de plantas e animais extraídos da mata atlântica. Tutelados pela Fundação Nacional do Índio e pelo Ministério Público Federal, eles têm autorização para fazer isso, desde que seja para a sobrevivência.
“Primeiro eles tinham de dar um parecer, fazer reunião, avisar que não pode vender palmito. Esse cara (o secretário Xico Graziano) é um louco. Eu, que sou índio, respeito todo mundo”, protestou o cacique Konumidju. Ele estava acompanhado do irmão Matheus, Potedju, ainda mais revoltado com a apreensão do palmito. “O secretário fez isso porque é contra os direitos humanos, porque vão morrer as crianças. Vão vir para o hospital com fome, doentes, e vou dizer que foi o secretário que trouxe elas.”  
O diretor da organização não-governamental Mongue, Plínio Melo, criticou a operação do fim de semana. “A Polícia Ambiental ficou quatro horas dando ordens para os homens em Peruíbe. Todo mundo viu. Hoje (domingo), os índios não precisaram trabalhar para a sua ‘subsistência’, a subsistência dos palmiteiros. Foi uma pantomima”, resumiu.

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