Os novos Eldorados do emprego

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Por muitos anos, Porto Velho ignorou o Rio Madeira, ruim para navegação nos trechos tomados por saltos e pedras. A capital de Rondônia cresceu em outra direção, tentando engolir a floresta. Hoje, o rio virou moda numa cidade que só recentemente ganhou prédios de 20 ou mais andares. O sonho das classes média e alta agora é morar com vista para o Madeira. Motivo da transformação: as obras das hidrelétricas no Rio Madeira. Tocadas por grandes construtoras e grupos de energia, elas devem criar 13 mil empregos na construção.
Inúmeras outras empresas e milhares de trabalhadores estão migrando para Porto Velho. Buscam seu quinhão na cidade que nos próximos anos deve ganhar mais 150 mil habitantes, segundo prevê a prefeitura, que prevê arrecadar mais R$ 180 milhões com impostos em 2010. Dinheiro que a população espera ver revertido em saneamento, coleta de lixo, infraestrutura, educação e saúde. A rede de esgoto não chega a 5% da cidade e pouco mais da metade dos moradores tem água tratada.
A saúde de uma empresa, a monocultura que sustenta uma região, as obras de infraestrutura que finalmente chegam, o setor afetado pelas exportações, esses são principais fatores que traçaram a geografia do trabalho no Brasil em 2009. Explicam por que algumas cidades como Porto Velho se destacam na geração de empregos como também para tornar clara a dependência do município de Itabira (MG) à siderúrgica Vale do Rio Doce, a pior colocada no ranking .
Em São Paulo, diante de uma economia tão diversificada, as explicações são mais complexas. Apesar do saldo de 112.739 novos postos de trabalho nos últimos 12 meses, maior geração de empregos do País, a capital paulista cai para a 35ª posição se for levada em conta a proporção de vagas criadas pelo tamanho da população. O campeão desse ranking é Porto Velho. Na metrópole paulista, uma vaga com carteira assinada é criada para cada 97 moradores. Em Porto Velho, a razão é de um para 18.
AGRESTE CEARENSE
Há pouco mais de uma década e meia, os moradores de Sobral (CE) e do Nordeste vibraram com a chegada da Grendene, indústria do ramo calçadista. Eles sabiam que serviriam de mão de obra barata que a empresa precisava para ganhar competitividade no mercado estrangeiro. Atraída com benefícios fiscais, a Grendene transferiu boa parte de sua produção de Farroupilha, no Rio Grande do Sul, para o Ceará – incluindo sua matriz, que foi para Sobral.
Hoje a empresa é a maior produtora de sandálias do Brasil. Quase a metade da população de Sobral trabalha para ela ou em atividades que giram em torno da companhia. São cerca de 24 mil trabalhadores.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a cidade cearense teve um saldo acumulado de 8.677 novos empregos entre dezembro de 2008 e o mês passado. A cidade é a segunda colocada no ranking do emprego.
As sete fábricas de Sobral são responsáveis por 87% da produção nacional da Grendene. Com a forte demanda e a perspectiva de novos lançamentos, a empresa estuda ampliar as suas unidades fabris, plano que só pretendia por em prática daqui a dois ou três anos.
Em Araucária, região metropolitana de Curitiba, o carro-chefe da economia é a Refinaria Presidente Getúlio Vargas, da Petrobrás. Embora empregue pouco mais de 500 trabalhadores, ela é a razão de ser para mais de 200 outras indústrias, sobretudo dos setores agroindustrial e petroquímico. A proporção é de um emprego para cada 27 habitantes na cidade.
PERTO DAS CAPITAIS
Na quarta colocação, vem Lauro de Freitas, onde está localizado o aeroporto internacional que serve, predominantemente, a Salvador. Com menos de 145 mil habitantes, Lauro de Freitas tem se especializado em gerar empregos na área de serviços e de indústrias limpas. O discurso socioambiental é a tônica. A empresa fabricante de computadores Lenox, por exemplo, contratou há poucos meses 400 mulheres negras acima de 40 anos.
A cidade de São José, também localizada próxima a uma capital, Florianópolis, possui uma economia diversificada, que vai do setor tecnológico, com a Intelbras, até o cultivo de ostras. “Fomos o último município catarinense a entrar na crise e o primeiro a sair”, orgulha-se o secretário de desenvolvimento, Edio Vieira.
A 15 minutos da capital, São José atrai empresários interessados em comprar terrenos baratos para ampliar suas atividades. A prefeitura abriu uma área de 2,5 milhões de metros quadrados para dar espaço a novas empresas. A Imaginarium, marca de objetos de decoração com franquias em todo o Brasil, decidiu instalar sua fábrica no município.

Itabira, berço da Vale, foi a cidade com mais demitidos
Numa cidade tão pequena e rica como Itabira (MG), berço da Companhia Vale do Rio Doce, a crise financeira ceifou um emprego a cada 74 habitantes nos últimos 12 meses. O cenário já foi pior, quando empresas iniciaram cortes que atingiram o pico de 2 mil trabalhadores. Afetada diretamente pela crise global, que reduziu de forma drástica a demanda por produtos siderúrgicos, a Vale se viu obrigada a dispensar 150 funcionários e a fazer contenções em sua planilha de custos. Tudo para se ajustar a uma queda de 35% da produção desde o primeiro semestre de 2008.
Cerca de 90% dos demitidos pela Vale, segundo o sindicato da categoria, eram funcionários antigos, que puderam antecipar a aposentadoria. Mesmo assim a crise se alastrou. A empresa gera 3 mil empregos diretos e 1.200 indiretos. “A nossa cidade pagou um preço muito alto nessa crise”, afirma o presidente do sindicato Metabase, Paulo Soares de Souza. “A Vale divulgou que o pior da crise já passou, começou a admitir novamente, mas a recuperação está muito tímida.”
Segundo o prefeito João Izael Querino Coelho (PR), o planejamento urbano de Itabira teve de ser repensado. A arrecadação de impostos sobre a mineração e circulação de mercadorias caiu R$ 40 milhões. “O cenário ainda é muito obscuro. O que parecia uma gripe forte, foi uma pneumonia mesmo”, diz Coelho.
Situação semelhante viveu São Caetano do Sul, sede da GM do Brasil. Com a crise atingindo em cheio a montadora nos Estados Unidos e no resto do mundo, suas filiais também foram afetados. O terceiro turno, criado para atender a demanda crescente entre 2007 e 2008, foi desfeito. No primeiro trimestre deste ano, 1.650 trabalhadores viram seus contratos serem encerrados e não renovados. A boa notícia para os 145 mil habitantes de São Caetano é que os cortes ficaram para trás e a GM voltou a recontratar, embora ainda sem o terceiro turno.
Em terceiro lugar entre as cidades que mais demitiram ficou Toledo, no Paraná. Ela possui uma fábrica da Sadia, inaugurada há pouco mais de dois anos, que se tornou vital para a economia da região. Quando se tornou público o prejuízo da empresa de R$ 2,6 bilhões em operações de derivativos, em setembro de 2008, famílias de trabalhadores já esperavam pelo pior. E o pior veio quando a crise mundial reduziu a demanda por frangos. A Sadia teve de optar por encerrar o terceiro turno. Mais de 900 funcionários foram cortados em dezembro, medida que não parou por aí. Outras dezenas de demissões foram feitas nos meses seguintes.
INTERIOR
Ano após ano, Sertãozinho, no interior paulista, foi aprendendo a conviver com as demissões sazonais. No período da entressafra, cortadores de cana eram dispensados e elevavam o índice de desemprego. Isso persistiu por vários anos, quando o Brasil não produzia carros flex e o setor sucroalcooleiro era desestruturado. Quando a cadeia ganhou outro status, sendo assediado até por grupos estrangeiros, a cidade de 100 mil habitantes soube aproveitar a oportunidade. Criou um polo nacional da indústria de maquinários voltados para os canaviais, com atividades que movimentam a economia o ano inteiro.
Tudo ia bem até a crise mundial. Em Sertãozinho, ela foi sentida quando as fontes de crédito secaram, impedindo as empresas de refinanciarem a troca de suas máquinas e formarem capital de giro. Dezenas de projetos de novas indústrias, planejados para atender a uma demanda crescente por álcool e açúcar, foram suspensos. Ao longo de 2009, usinas entraram em dificuldades e não honraram nem mesmo com os salários dos funcionários. O comércio foi duramente golpeado. “Desde 2005, Sertãozinho gerava 10 mil novos postos de trabalho por ano. Este ano vamos gerar menos de 1 mil empregos”, diz o secretário da Indústria e Comércio, Marcelo Pelegrini.
São Luís, no Maranhão, é a primeira capital a aparecer no ranking das que mais demitiram. Com quase 1 milhão de habitantes, o município acumula perda de 7.290 vagas nos últimos 12 meses. As demissões estão concentradas nos setores da construção civil, serviços e indústria. Enquanto o resto do País vivenciou um bom momento no setor imobiliário, a capital registrou cortes mensais de empregos desde janeiro. E.N.

Ano termina com 1 milhão de novos empregos formais
O Brasil vai fechar 2009 com mais de 1 milhão de novos empregos formais, o que pode ser visto como uma vitória brasileira diante da crise mundial. Desde 2004, as empresas têm contratado acima do patamar de 1 milhão de vagas, mas a perspectiva de muitos economistas no começo do ano era de que tempos sombrios se aproximavam para quem estava empregado. Construção, comércio e serviços seguraram o emprego e também a economia.
“A crise freou a economia de outubro de 2008 até março, mas nesse mês o comércio já trabalhava com níveis pré-crise”, afirma o chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Tadeu de Freitas. No começo do ano, houve aumento da massa salarial, ainda mais com o reajuste do salário mínimo sendo pago antecipadamente. Os preços não subiram e o crédito para a pessoa física foi retomado, ingredientes que favoreceram o consumo.
O comércio e os serviços não precisam manter grandes estoques de produtos e dependem fortemente do comportamento do consumidor. Se este estiver confiante, vai às compras, viaja, se diverte, frequenta cursos. Como os bancos resolveram financiar a pessoa física, aliado às políticas do governo federal de isenção de impostos de eletrodomésticos, carros e materiais de construção, setores como comércio e serviços sentiram bem menos a crise, se comparados com a indústria.
“O País tem que exportar para gerar mais empregos, mas aprendemos que ter um mercado com poder de compra permite nos sustentar em períodos de crise”, afirma Freitas, da CNC. Um quarto da população brasileira tem renda indexada ao salário mínimo, mas no Nordeste esse porcentual aumenta para 46%. O trabalhador que ganha pouco, em vez de poupar, consome. Não por acaso, o Nordeste cresceu durante a crise.
“A demanda interna segurou muitos postos de trabalho nessa crise”, acrescenta Fabio Romão, da LCA Consultores. “O número de empregos gerados em 2009 é surpreendente. Os empregadores passaram a ter mais confiança para formalizar a sua mão de obra”, finaliza. E.N.

Publicada em 28 de dezembro de 2009
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura

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