Publicada em 4 de abril de 2008
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
ENVIADO ESPECIAL
XANGAI
O designer gráfico Bruno Porto, um carioca de 36 anos que vive e trabalha em Xangai, levou um susto ao entrar ontem na internet. Na tela de seu computador, a página da Wikipedia, a enciclopédia virtual em construção pelos internautas, estava funcionando. Sem censura. Ou quase. Porto disparou e-mails para amigos que vivem na China. E cada um deles foi confirmando o improvável: os chineses estão deixando de bloquear conteúdos da rede mundial de computadores.
Até quando isso vai durar é a pergunta que Porto mais quer saber. Para atualizar o blog brunoporto.com, ele enfrentava enormes dificuldades. Mas encontrou seu jeitinho. Pelo endereço snoopblock.com, que permite a um usuário em qualquer lugar do planeta navegar anonimamente, o carioca driblava a censura. Acessava livremente WordPress ou Blogger, sites que gerenciam os blogs.
Na terça, o Comitê Olímpico Internacional pressionou o governo central de Pequim a garantir acesso livre aos profissionais de imprensa que cobrirão os Jogos. Um dia depois, os internautas na China começaram a ter a liberdade de uma internet quase sem censura.
A liberalização tem suas limitações. O carioca Porto está fazendo uma pesquisa sobre a escrita no Tibete. Se tivesse digitado essa palavra ou ‘dalai lama’, nada feito. Mas ele digitou ‘alfabeto tibetano’ (em bom português) no Google e descobriu que a Wikipedia estava aberta. Outras palavras, contudo, continuam censuradas, como Falun Gong ou sex (sexo) e drugs (drogas). Rock-and-roll? Os chineses parecem não se importar, mas não querem conteúdo violento rodando pela rede.
Durante anos, as páginas da BBC, de Londres, foram bloqueadas. Hoje são liberadas. A CNN, dos EUA, também teve seu conteúdo vetado, mas só por algum tempo. O YouTube ficou um mês fora do ar, porque alguém publicou vídeo com a condecoração do dalai-lama pelo congresso norte-americano.
O controle, no entanto, não é um bicho-de-sete-cabeças. Há dois servidores da rede mundial para 1,3 bilhão de chineses. Assim, o trabalho fica mais fácil para robôs virtuais e os milhares de chineses da fiscalização online. Quando vêem algo arriscado, melhor vetar.
Em março de 2007, algumas imagens publicadas no Flickr, o álbum virtual de milhões de internautas, incomodaram o governo chinês. Penalidade: dois meses fora do ar. Hoje, quem estiver na China só pode recorrer ao banco de dados de fotos a partir dessa data. O correspondente do jornal O Globo, Gilberto Scofield, não pode ler seu próprio blog (oglobo.globo.com/blogs/gilberto) em Pequim. Ele também é uma vítima.
MAIS CENSURA
Esse tipo de controle não é restrito à internet. Em junho do ano passado, o Brasil foi homenageado num festival de cinema na China. O Maior Amor do Mundo, do diretor Cacá Diegues, e Se eu Fosse Você, de Daniel Filho, não passaram em Pequim, mas foram exibidos em Xangai. A capital é menos liberal que a megacidade que sonha rivalizar com Nova York ou Londres. O longa brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburguer, concorrente ao Oscar, foi vetado. Mas, se uma cópia tivesse sido enviada para Xangai, provavelmente não teria havido problemas.
A liberalização do acesso aos sites chega em um bom momento para um país que viu a internet crescer exponencialmente nos últimos anos. Já são 132 milhões de usuários, quatro vezes mais que em 2000. Hoje, os chineses passam 18 horas por semana conectados. Mais de 50 milhões têm aparelhos com internet móvel. Com o gostinho de mais essa abertura, eles podem querer que o “até quando” dure bem mais do que o fim dos Jogos Olímpicos, em agosto. Bruno Porto agradece.