Chuva dá trégua, mas cheia no Ribeira continua

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Publicada em 4 de março de 1998
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
REGISTRO – A chuva deu uma trégua no Vale do Ribeira, mas a cheia do Rio
Ribeira do Iguape continua a castigar as cidades da região. A onda de
destruição da água – lenta, mas poderosa – chegou ontem a Registro e já
seguiu rumo a Iguape, que será atingida hoje.
Durante a madrugada de ontem, o nível do Ribeira do Iguape próximo de
Registro subia de 2 a 3 centímetros por hora. O pico previsto no município
era de 6,3 metros. Com isso, aumentou o trabalho das equipes de resgate para
socorrer as pessoas ilhadas em bairros isolados ou que insistiam em
permanecer nas suas casas.
O número de pessoas que estão fora de casa – desabrigadas ou desalojadas –
permanece quase inalterado. Segundo o diretor do Departamento de Águas e
Energia Elétrica (Daee) do Vale do Ribeira, Ney Ikeda, cerca de 4 mil
pessoas estão desabrigadas. De acordo com a Defesa Civil, 1,2 mil casas
estão debaixo da água em Registro.
As embarcações são o único meio de locomoção por alguns bairros ribeirinhos
de Registro. O Corpo de Bombeiros da cidade foi obrigado a pedir emprestado
um barco de alumínio. Outros dois barcos dos bombeiros estão furados e não
foram consertados. Moradores aproveitavam a carona de donos de embarcações
para buscar pertences em suas casas alagadas.
Essa rotina deve permanecer, no mínimo, por mais seis dias, até que as águas
do rio atinjam o nível normal. As prefeituras do Vale do Ribeira e a Defesa
Civil estadual já começaram a distribuição de cestas básicas, remédios,
colchonetes e roupas aos desabrigados.
Em Iguape, segundo o Daee, a área mais prejudicada pela cheia que se
aproxima deve ser a zona rural. Por isso, a preocupação da Defesa Civil
municipal tem sido remover as pessoas desses locais.
Precisão – A cheia deste ano mostrou que as prefeituras, as Defesas Civis
municipais e estadual e o Daee estão aperfeiçoando os estudos relativos à
vazão do Rio Ribeira do Iguape. Com postos de observação do nível da água
nos municípios a partir de Iporanga, o Daee estima o volume de água hora a
hora e informa aos municípios como serão afetados.
“Conseguimos prever com precisão o quanto subirá o rio e quais regiões serão
afetadas, o que não ocorre na capital”, comparou o diretor regional do Daee.
Isso não impede, porém, os prejuízos. “Não é de hoje que eles sofrem com o
problema da enchente.” Nos últimos 15 dias, só em Registro foram três
inundações.

Abrigos viraram rotina para famílias da região
Varais estendem lençóis coloridos que servem de divisórias. Fios
espalhados fornecem luz para os aparelhos elétricos. Móveis empilhados e
colchões jogados ao chão simulam uma casa. Desabrigados da cheia do Rio
Ribeira do Iguape estão fazendo o que podem para conviver com mais uma
tragédia em suas vidas.
Os abrigos municipais para onde foram levados já se tornaram uma rotina para
a maioria dessas pessoas. Moradores de áreas de risco do Vale do Ribeira, no
sul do Estado de São Paulo, dizem que estão acostumados com essa realidade,
ano após ano. “Em 12 anos, já foram umas 50 enchentes”, testemunhou a dona
de casa Brasilícia Bento, de 54 anos.
Desde quinta-feira, Brasilícia está abrigada no Ginásio Fábio Barreto, em
Registro. Como tantas outras vítimas da enchente, perdeu quase tudo. “Foram
guarda-roupas, armários e a cama”, afirmou. O que restou de sua casa foi
levado para o ginásio, onde ela tem reservado um espaço para sua família.
“Deixo tudo arrumadinho.” A prefeitura possui 32 abrigos. Até o início da
tarde de ontem, eram 314 famílias desabrigadas na cidade. Por causa das
constantes cheias, que atingem a região do Vale do Ribeira, esses locais já
se tornaram uma constante na vida de alguns moradores.
“Tinha saído daqui (do ginásio) na Quarta-Feira de Cinzas ao meio-dia,
quando parou de chover, para voltar na quinta à noite”, lamentou a dona de
casa Helena Soares de Castro, de 48 anos. “Não deu para arrumar nada, pois
voltou a chover mais forte e voltamos para cá”, disse.
Helena é mãe de Cláudia, de 28 anos, Lucimeire, de 26, e Rosimeire, de 23,
moradoras do bairro de Vila Nova, em Registro, totalmente alagado pela cheia
do rio. Na sua família, são nove crianças. No ginásio, têm de conviver com a
sujeira, barulho e filas para cozinhar e ir ao banheiro. “O almoço só é
feito uma vez, que já fica para a noite.” Outra preocupação com essa rotina
é o emprego. Rosimeire fazia faxina em uma casa, mas depois que voltou ao
abrigo municipal perdeu o emprego. “A minha ex-patroa já acertou as contas e
disse que não tem mais acordo”, afirmou. Ela acredita que está desempregada
por que não tem uma definição sobre seu paradeiro, ora abrigo, ora casa.
“Perdi o leite dos meus filhos.” A realidade dos abrigos faz com que muitos
prefiram retornar para as suas casas antes mesmo das águas voltarem ao nível
normal. “Vou embora logo”, afirmou a dona de casa Marina Penha Ferreira, de
51 anos. “Eu não gosto daqui, é muito barulho.” Depois de um ano, após a
cheia de 1997, a maior na região dos últimos 50 anos, muitos perderam todos
seus móveis e aparelhos e tiveram de recomeçar do zero. Não foi diferente
para a dona de casa Romilda Gonçalves, de 25 anos, mãe do bebê João Paulo e
das crianças Santino, Rodrigo e Simone. Ao longo do ano passado, batalhou
para comprar novos objetos.
“Desta vez, consegui recuperar mais coisas”, comemorou, sem muita vibração.

Moradores resistem em deixar casas
Teimosia, mas também cautela. A dona de casa Vinina Camargo, de
59 anos, resistiu até a água da inundação do Rio Ribeira do Iguape atingir
ontem pela manhã a porta de sua casa para levar seus dois filhos para um
lugar mais seguro.
“Não queria dar trabalho a ninguém”, afirmou. Ontem, porém, os bombeiros
foram de barco resgatar a família. Primeiro, foi levado José Antônio Lameo,
de 39 anos, numa cadeira de rodas. Na segunda viagem, foram Vinina e o outro
filho, Luiz Carlos Camargo, de 26 anos, que sofre de epilepsia.
Desde domingo, a família de Vinina acompanha a elevação do nível da água. O
marido Evilásio, de 59 anos, construiu a casa com uma elevação de mais de
meio metro. A água não entrou até o início da tarde de ontem, mas, por
precaução, eles decidiram sair.
“Preferia não ter saído, mas não teve jeito”, afirmou o filho José Antônio.
O salário que ele recebe de aposentadoria – cerca de R$ 120,00 – é a única
fonte de renda da família. Evilásio está sem emprego e Luiz Carlos não
consegue trabalho. “Meu filho é muito alegre, mas ficou agoniado com essa
enchente”, afirmou a mãe.
Ao ser transportada de barco pelos bombeiros, Vinina ficou perplexa ao ver
os efeitos da cheia. “Nossa, eu morava naquela casa que está debaixo
d’água”, comentou. “Não é só nós que estamos sofrendo, pensei que fosse…”

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