Publicada em 9 de novembro de 2008
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Já disseram que Barack Obama aceitou o pior emprego possível: governar a nação mais poderosa do planeta à beira da falência. Ele não foi o único. De John Adams, o governante que sucedeu a George Washington, até o democrata que agora avisa que “não vai ser fácil sair do buraco”, nove presidentes americanos receberam como herança o país em crise. Obama será o décimo, e talvez ele devesse olhar para a história a fim de tirar algumas lições.
“Viveremos um inverno terrível”, prevê o cientista político Matthew Crenson, da Johns Hopkins University. “Vamos ver mais pessoas dependendo de benefícios sociais, como os bancos de alimentos, mais sem-teto.” Inverno terrível, filas de desempregados, essas imagens remetem à Grande Depressão. Crenson acredita que os americanos não chegarão a esse ponto. As histórias que ele ouvia de seu pai eram tenebrosas: o irmão mais velho mendigava nas portas de restaurantes por alimentos ou moedas.
Obama é, muitas vezes, comparado a Franklin D. Roosevelt, o democrata que assumiu o poder depois do republicano Herbert Hoover. Os desafios parecem os mesmos: derretimento do mercado acionário, ruína do crédito, consumo declinante, desemprego em alta, a moral da tropa civil em frangalhos. Alguns anos antes, entre 1928 e 1929, o mercado financeiro havia se tornado o sonho americano propriamente dito, uma espécie de religião menor. Corretores financeiros abriam escritórios nos subúrbios, as pessoas compravam ações de empresas que nunca tinham ouvido falar, muitos apostavam todas as economias em Wall Street. O que veio a seguir é muito do que o mundo está vendo hoje.
O crash da Bolsa de Nova York levou o mundo à depressão e Hoover à desgraça política. Segundo o National Bureau of Economic Research, um instituto de pesquisa que reúne economistas de renomadas universidades, foram 43 longos meses de contração iniciados em agosto de 1929. Milhões de pessoas foram parar na fila do pão e das batatas, e elas se voltaram contra o republicano nas eleições de 1932. Roosevelt assumiu no ápice da crise, com 13 milhões de americanos no olho da rua e quase todos os bancos fechados. Mas ele tinha um trunfo, o discurso da esperança.
Nos primeiros 100 dias, Roosevelt propôs e o Congresso endossou um programa de redução de tarifas, recuperação dos negócios e da agricultura e alívio imediato aos desempregados. Banqueiros, a essa altura ainda quebrados, questionaram a política de elevação do déficit fiscal e as concessões dadas aos trabalhadores. O democrata foi além e criou um grande programa de assistência social, taxou a riqueza, instituiu um controle severo dos bancos e apostou em grandes obras públicas. Um Estado capaz de intervir na vida econômica garantiu a volta dos empregos e dos consumidores às compras.
O historiador Alan Brinkley, da Universidade Colúmbia, entende que, a partir do New Deal, o liberalismo reformador de Roosevelt se tornou o pensamento dominante até os anos 1960. O democrata governou por três mandatos seguidos, enfrentando uma segunda recessão, em 1937. Na época, o sistema de assistência social criado anos antes foi o pacificador social. Muitas pessoas já tinham se aposentado e foram elas que passaram a injetar dinheiro na economia com suas pensões.
SOLUÇÃO DIFÍCIL
“Estamos diante de uma nova janela de oportunidades para reformas de longo alcance, sobretudo na regulação e supervisão dos mercados financeiros”, afirma Brinkley, autor, entre outros, do livro The End Of Reform: New Deal Liberalism in Recession and War (“O Fim da Reforma: Liberalismo do New Deal na Recessão e Guerra”). “Os desafios que Obama terá de enfrentar não são tão maiúsculos quanto os da Grande Depressão. Mas será a mais severa crise do que todas as outras que vieram depois.” Na visão do professor, o que torna uma solução difícil para o democrata é que o atual abalo afeta não só o emprego e a renda do consumidor, mas a própria viabilidade das instituições financeiras.
Se a história da crise de 1929 já foi contada e recontada, vale a pena recuar no tempo. Em setembro de 1873, as notícias se avolumaram como uma avalanche. Ações eram vendidas aos montes, os preços delas despencavam sem parar, e o maior banco de investimento da época, o Jay Cooke & Company, faliu. A bolsa de valores fechou por dez dias, o crédito desapareceu. A credibilidade tinha caído a níveis tão baixos e nada do que era feito parecia fazer acalmar os mercados. Foi a mais longa crise da história americana, que de outubro de 1873 se prolongou por mais 65 meses.
O pânico virou a chamada Longa Depressão, hoje apagada da memória de muitos americanos pela Grande Depressão. “Aquela crise foi causada pela negligência de um único banco e seu impacto foi limitado porque na época a economia nem sequer tinha dimensão continental”, explica o historiador Brinkley. Mas do ponto de vista político ela criou um precedente irreversível: todas as demais crises foram transmitidas por presidentes de partidos diferentes. Os democratas herdaram três recessões dos republicanos, com Gloover Cleveland, Roosevelt e agora Obama. E os republicanos, duas do Partido Democrata: Dwight D. Eisenhower e Ronald Reagan.
“As crises do século 19 eram relacionadas a problemas de liquidez, não havia dinheiro suficiente nem instituições como um banco central”, explica O professor Crenson. “Não havia o dólar, cada banco emitia sua moeda e os valores flutuavam loucamente. Os pânicos eram bem diferentes, porque a palavra regulação nem fazia sentido.” O primeiro presidente americano, George Washington, deixou uma recessão para o sucessor, John Adams, o Pânico de 1797.
Nem sempre presidentes que assumem na crise saem dela maiores do que entraram. Em 1957, James Buchanan recebeu do colega democrata Franklin Pierce um país em que a confiança nas instituições financeiras era comparável com a de hoje. Empresas, sem condições de levantar capital, faliram. Nos quatro anos de mandato, ele não se apercebeu da imensa cisão entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos e imaginava que as crises política e econômica desapareceriam se se ativesse à Constituição.
“George W. Bush só não será o pior presidente da história porque os americanos sempre se lembram de Buchanan”, diz Crenson. O democrata do século 19 teve o consolo de transmitir o cargo sem uma recessão. A economia se recuperou às vésperas da Guerra da Secessão, esta sim sua herança. Mas Buchanan não tinha tanto poder quanto tem Bush. “Hoje é desproporcional e descontrolado.”
Os estudiosos consultados pelo Estado afirmam que Obama se assemelha a dois presidentes republicanos, Eisenhower e Reagan, no carisma e na oratória. O general Eisenhower era muito respeitado por ter sido vitorioso na 2ª Guerra. Já Reagan usava seu programa de rádio para conquistar a confiança pública. Com isso, pôde reduzir impostos, os gastos públicos e o papel do Estado na economia. A recessão que recebeu do democrata Jimmy Carter só foi debelada depois que a política antiinflacionária passou a surtir efeito. E então o republicano enraizou a filosofia que perdurou até meses atrás de que o mercado se auto-regulamenta.
Brinkley, da Universidade Colúmbia, lembra que republicanos e democratas agem diferente nas turbulências. Os primeiros acreditam no livre mercado e assumem que as pessoas que acumulam riqueza irão investir suas economias, beneficiando o sistema. Já os pares de Obama acreditam que as políticas públicas devem assegurar o poder de compra, encorajando mais o consumo que o investimento. Mas, como acrescenta Crenson, vale uma máxima que a história nunca negou: “Em momentos de crise, não se trata só de uma questão econômica, mas também psicológica.”