Olha o que eles estão falando!

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Publicada em 25 de setembro de 1998
Veja

Quem nunca ouviu uma conversa de adolescentes vidrados em tecnologia e não entendeu nada? Quem acha que eles falam grego, com sotaque sânscrito? Com certeza, quase todos os pais e até muitos professores. Eles são assim mesmo. Para entender e decifrar esse dialeto da geração Internet, VEJA organizou uma mesa-redonda com sete adolescentes. Durante mais de duas horas, os jornalistas de VEJA Eurípedes Alcântara, Thales Guaracy, Eliana Simonetti e Eduardo Nunomura conversaram com eles sobre os mais variados temas — especialmente sobre como eles se relacionam com as novas tecnologias. O resultado, que se segue, é um bom guia desse universo paralelo e suas charadas.
COMPUTADOR
Nesta parte os garotos surpreendem o senso comum quando dizem que os computadores que eles possuem já são rápidos o bastante. Para tristeza dos fabricantes, não há ninguém louco para comprar um modelo mais novo.
Veja — Hoje em dia, quando se fala em computador, a primeira coisa que vem à cabeça é a Internet?
Ugo — Na minha sim. Um computador sem Internet não tem muita utilidade.
Felipe — É verdade, o grande intuito de mexer com o computador hoje em dia é globalizar a informação. Estamos trocando dados com o mundo inteiro.
Rafael — Para mim, não é só a Internet. É uma solução em rede. Na Internet, o problema é que existe muita gente atrapalhando o tráfego de informações importantes.
Guilherme — É, a gente querendo fazer outras coisas mais legais, buscar um programa, e tem lá o carinha que fica querendo ler o jornal pelo computador.
Veja — Os computadores já são tão rápidos quanto vocês gostariam?
Rafael — O Pentium II não tem nenhuma tecnologia nova. Eu uso um computador de 133 MHz e, dependendo do que faço, está bom. Um cara entrou no Pentágono com um 286. Já repararam que todo mês surge um computador novo para comprar?
Felipe — Eles fazem isso para você se sentir obrigado a comprar um computador mais novo sempre. Eu uso um Pentium 200 MMX e está bom demais. Agora, a maior preocupação é aumentar a velocidade de conexão com a Internet.
Guilherme — Espero que a próxima geração de computadores seja radicalmente diferente. As atualizações de agora não são muito boas. A evolução é lenta.
HACKER
Relaxe. A rapaziada não está muito ligada no vandalismo eletrônico.
Veja — Alguém já entrou num computador de outra pessoa ou empresa?
Guilherme — Tenho um amigo que faltou três meses nas aulas, mas depois entrou no computador da escola e apagou todas as faltas. Depois continuou indo normalmente.
Rafael — No fundo, seu colégio tenta ser tão moderno que coloca um sistema em que qualquer um entra. A primeira vez eu tremi. O coordenador do meu colégio falou que é imoral entrar nos computadores dos outros. Aí, minha mãe, que é psicóloga e tal, disse: “Como é que alguém vai falar de imoralidade para um garoto de 15 anos, que mexe com computadores, sem saber o que ele está fazendo direito?”
Felipe — Tem empresas que não se preocupam. Instalam um sistema que está funcionando e isso basta.
Ricardo — Na verdade, a gente conhece quem fala que fez, mas quem fez não fala. O hacker vai chegar e dizer “eu fiz”?
TELEFONIA
Falta linha e sobra assunto.
Felipe — A maior raiva de todo mundo que acessa a Internet é o telefone. Todo mundo concorda com isso, não é? Talvez agora com a privatização melhorem as coisas…
Guilherme — Com certeza, vai ter uma linha a mais para o computador. É o que todo mundo sempre espera em casa: mais uma linha telefônica.
Veja — Vocês acham que estão tão bem preparados para mexer com computadores quanto os americanos ou os japoneses?
Ugo — Eles têm uma certa vantagem…
Guilherme — As linhas telefônicas americanas são muito melhores que as nossas.
Rafael — Tem outra coisa. Por mais que você fale inglês, cara, você pega uns textos mas não vai encarar tudo. Além disso, os caras são mesquinhos.
Guilherme — É, é uma panela forte. A gente é malvisto por causa das nossas linhas. Isso prejudica muito.
Ugo — Tem IRC que bloqueia os brasileiros. Tentei entrar uma vez num servidor de IRC japonês mas não consegui. Bloqueiam direto.
Veja — Chat ainda é uma coisa legal?
Felipe — Às vezes você encontra alguém para conversar. Depois, fica só trocando idéias com ela. Aí, começa a conversar pelo ICQ ou e-mail. Na Internet a primeira coisa que faço é checar o e-mail. E ligo o ICQ.
Guilherme — O meu liga automaticamente.
Ugo — O meu também.
Veja — O ICQ é o máximo?
Felipe — Todo mundo usa. Na escola, na biblioteca, no laboratório, todos usam. Estando em casa, você conversa com o professor que está em aula, com seus colegas…
DIVERSÃO E EDUCAÇÃO
Nas respostas a seguir há uma triste constatação para os pais: o computador é considerado diversão. Na escola, até atrapalha.
Veja — Uma mania entre os jovens é trocar arquivos de música pela Internet. Vocês fazem isso?
Ugo — Nossa, direto. Tenho mais de 110 megabytes no meu computador com arquivos de MP3.
Fernando — Eu não compro mais CDs. Como as caixas de som do computador já são boas, abandonei meu aparelho de som.
Felipe — Meu vizinho tem um gravador de CD, então pego muitos CDs e faço uns discos inéditos com MP3.
Veja — E na escola, o computador não tem sido útil? Por exemplo, para resolver problemas escolares?
Ricardo — Na minha escola já está acontecendo. A professora de biologia encomendou um trabalho e não queria que a pesquisa fosse feita numa enciclopédia, tinha de ser pela Internet.
Felipe — Lá no Senai, a gente implantou uma rede e tem três micros dedicados aos alunos exclusivamente para fazer pesquisa.
Ugo — Há algumas tarefas tipo pegar imagem na Universidade de Brasília. É bem fácil.
Fernando — A Internet é prática para fazer trabalhos. Já deixei de ir a bibliotecas muitas vezes porque encontrei o que precisava na rede.
Veja — Mas na língua portuguesa vocês têm dificuldades. Vocês escrevem “eh” com H…
Rafael — Nossa, direto. Já escrevi “aki” (aqui) com k.
Felipe — Escrevo direto com “vc” (você). Acabo entregando o trabalho e nem percebo.
Fernando — Nossa, tem um monte. “Qdo” é quando; “qq”, qualquer; “tb”, também.
Rafael — “[ ]s” para abraços. Valeu professor, “[ ]s”.
Fernando — Uma vez digitei uma carinha feliz, : ), mas a sorte é que vi antes de entregar o trabalho. Depois disso, programezi o meu computador para corrigir automaticamente “vc” por você, “qq” por qualquer, e por aí vai.
MODO DE VIDA
Pelo menos os pais sabem onde seus filhos estão de madrugada: na frente do micro.
Veja — Quantas horas por dia vocês usam o computador?
Rafael — Umas seis horas. Fim de semana é direto. Conecto sexta-feira e desligo domingo à noite.
Ricardo — De semana não conecto muito, mas de fim de semana abuso. É que meu pai reclama da conta, então tenho que usar aquele período que só paga um pulso.
Felipe — De semana eu só respondo os e-mails. Agora, de fim de semana pego para trabalhar e prefiro as madrugadas. Fico cinco, seis horas.
Carlos Eduardo — Antes eu ficava mais tempo. Agora é uma hora, uma hora e meia por dia. Uso mais para puxar e-mail ou fazer uma pesquisa. Às vezes deixo ligado para baixar um arquivo.
Guilherme — Engraçado é sua família acordando, se arrumando para trabalhar e você indo para a cama deitar. Tudo bem que meu pai não impõe limite. É liberado. Só brigou uma vez quando tinha aula no dia seguinte.
Ugo — Eu saía às 6 horas da manhã, desligava o computador devagarinho, porque dez minutos depois tocava o despertador do meu pai.
CONSUMO
Piratear se preciso. Pagar, nunca.
Veja — Pagam para entrar em algum site?
Ugo — Não, pagar é contra meus princípios.
Fernando — É só ir num site de hacker que você consegue senha, tudo.
Guilherme — Você registra programas…
Felipe — Pago o que eu preciso fazer legalmente, tipo registrar programas.
Fernando — Eu tenho programas no computador que se tivesse pago teria gasto quase 5.000 reais.
Veja — Vocês defendem a pirataria?
Rafael — Claro, você desbanca a Microsoft, eles não ficam mais ricos, todo mundo usa freeware e ninguém mais paga por nada.
Felipe — Eu tenho que usar o AutoCAD para a faculdade. Todos alunos têm o programa nos computadores de suas casas. Alguém pagou 1.500 reais por ele? Ninguém. Os programas não precisavam ser tão caros. Eles vendem com muita margem de lucro.
Fernando — Eu jamais pagaria 800 reais pelo Office 98. Prefiro fazer meus trabalhos no bloco de notas ou no Write.
Ugo — Gratuito seria o ideal. Mas não precisava ser tão caro.
Veja — Vocês odeiam a Microsoft?
Felipe — Eu não tenho esse ódio da Microsoft. Até porque acho que não dá para fugir. Mesmo que você não goste, que seja caro e que não seja perfeito, tem de aceitar.
Fernando — Mas eles impõem isso…
Rafael — Tenho um emulador do Windows só para não ter de usar o programa da Microsoft. O cara que instala o Linux da primeira vez no computador mantém uma partição menor para ele e vai brincar só nas horas livres. Ele vê como é e depois só usa o sistema. Aí fica com raiva do Windows porque sabe que o tempo que ele perdeu usando esse sistema poderia estar usando o Linux.
Ugo — Pois é, eu já tenho raiva do tempo que estou perdendo com o Windows e pretendo mudar rapidinho para o Linux.
Ricardo — Na minha escola também está dando uma febre de Linux, mas só que o pessoal está instalando o Red Hat. É uma outra distribuição do Linux, só que é feita o mais próximo possível do Windows.
Felipe — E o Windows 98? Alguém tem? Eu estou usando. Está bem mais seguro, não dá mais pau.
FUTURO
Eles apostam: o que vem por aí será ainda melhor.
Veja — Como será a tecnologia no futuro?
Ricardo — Eu acho que os computadores vão concentrar todas as funções dos eletrodomésticos, como nos sistemas Java.
Carlos Eduardo — Também acho. Mas o forte mesmo vai ser o comércio pela Internet, as pessoas comprando sem sair de casa.
Rafael — Eu acho que os computadores não conseguem acompanhar todas as funções do homem. O maior computador que existe tem o tamanho de uma sala. E ele não consegue controlar nem metade das funções humanas.
Felipe — Quanto mais tecnologia, mais rápido ela própria evolui. A evolução que tivemos nesses últimos dez anos foi imensa, com o computador na mesa das escolas ou nas nossas casas. Há três anos nem falávamos de Internet. Eu acho que nos próximos dois anos vamos ter mais evolução do que a dos últimos dez anos.
buscar um programa – Um dos usos mais populares da Internet é a transferência de arquivos, o download. Esses arquivos podem ser programas, imagens, sons e músicas. Alguns deles são muito grandes e levam muito tempo para ser transferidos porque as conexões com modem são lentas, o que irrita os jovens.
Pentium – É o nome de um processador da Intel, empresa que detém a maior fatia do mercado mundial. O processador, ou chip, é o coração do computador, responsável pela execução de operações como gravar um arquivo ou realizar uma conta aritmética. Na maioria das vezes, novos chips são lançados muito mais rapidamente do que o público é capaz de absorver.
hacker – No fim da década de 50, universitários que desenvolviam programas e montavam seus próprios computadores passaram a ser identificados como hackers. A partir dos anos 70, alguns deles começaram a invadir computadores alheios em busca de programas ou documentos. O termo hacker passou a ter outra conotação: a de um jovem aficionado de tecnologia que utiliza seus conhecimentos para uma atividade ilegal.

Dicionário
IRC – Também conhecidos como bate-papo ou chat, os IRCs são serviços de conversa com pessoas conectadas pela Internet.
MP3 – Febre entre os internautas, os arquivos MP3 são músicas gravadas num formato especial que têm qualidade de um CD. Inúmeros sites, como o www.mp3.com, oferecem músicas gratuitamente.
ICQ – A sigla é um trocadilho da frase, em inglês, “I seek you” (Eu procuro você). É um chat mais reservado. Pelo programa, é possível descobrir amigos e parentes que estão conectados e conversar com eles.
carinha feliz No e-mail ou nos chats, os jovens usam os emoticons, símbolos que expressam emoções. A “carinha feliz”, por exemplo, representa um sorriso.
limite – Por que os jovens têm obsessão em usar o computador nas madrugadas? Um dos motivos, seguramente, é fugir do congestionamento dos provedores e aproveitar o custo menor da ligação.
Linux – É um sistema operacional distribuído gratuitamente na Internet. Criado em 1991 pelo finlandês Linus Torvalds, já é utilizado em quase 8 milhões de computadores. Quem usa, garante: é melhor que o Windows.
Java – É uma linguagem criada pela empresa americana Sun que permite a integração entre os mais variados tipos de aparelhos: do computador aos eletrodomésticos.

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