Publicada em 16 de dezembro de 1998
Veja
Eduardo Nunomura
Uma nova revolução musical começa a ganhar forma e a se alastrar entre a juventude. Nenhuma popstar ou ritmo inovador está por trás disso. Batizada de MP3, a revolução é filhote da internet. São arquivos sonoros que viajam pela rede carregando pelos quatro cantos do mundo músicas gravadas com a qualidade de um CD. Os jovens internautas fazem um intercâmbio frenético de suas músicas prediletas gravando-as previamente em MP3 e enviando-as aos amigos pela internet. Desde a invenção do gravador de fita portátil, há mais de trinta anos, nunca houve um aparelho eletrônico que capturasse mais a imaginação dos jovens do que o dispositivo que permite gravar músicas em MP3 e ouvi-las em qualquer lugar. Esse aparelho se chama Rio e custa cerca de 500 reais. Os pais que ainda não ouviram seus filhos falar disso vão logo ficar em minoria.
“Não compro mais CDs”, afirma a estudante Simone Chen, de 16 anos. Ela descobriu a novidade há pouco mais de um mês, mas já sabe que dificilmente voltará a pagar pelos já considerados antigos CDs. “Antes eu sempre comprava um disco por causa de uma ou duas músicas. Com o MP3 pelo computador, não tem mais isso”, justifica. Isso só se tornou possível graças ao avanço da tecnologia e, paralelamente, à popularização da internet. O princípio básico do MP3 é simples: a música é digitalizada e o arquivo resultante é comprimido brutalmente de modo que possa viajar pela internet sem maiores problemas. Com computadores mais poderosos, discos rígidos com maior capacidade e a internet possibilitando transmitir e receber arquivos mais velozmente, a música digital vai se alastrar rapidamente.
Uma música no formato MP3 ocupa, em média, 3 milhões de caracteres (ou bytes). Com um modem de 56 Kbps, o mais veloz do mercado, leva-se de dez a trinta minutos para copiar uma canção de sites como o www.mp3.com ou o www.goodnoise.com. Esse tempo diminui para quem tem conexão direta com a internet, como nas empresas ou universidades. Essa realidade acordou algumas companhias que começam a desenvolver produtos de áudio para esse formato. O primeiro, o Rio PMP300, tornou-se emblemático. O aparelho portátil da Diamond, menor que uma fita cassete ou um maço de cigarros, é capaz de armazenar num cartão de memória até sessenta minutos de música com qualidade igual à de um CD. Uma empresa alemã e a coreana Samsung prometem lançar no próximo ano suas versões portáteis desse produto.
Na próxima semana, começa a ser vendido no Brasil o aparelho Rio da Diamond. Por enquanto, nenhum sinal de que a indústria fonográfica brasileira imite suas matrizes americanas, que em outubro tentaram proibir a venda do aparelho nas lojas. Segundo a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos, a Apdif, as gravadoras estão apenas discutindo o que fazer com a distribuição de música pela internet. Numa pesquisa realizada no site do Cadê?, foram encontradas mais de 2.500 referências aos MP3. São páginas como a www.mp3brasil.com.br ou a www.underzone.com.br, repletas de músicas nacionais e internacionais. “O MP3 por enquanto é um negócio liberado, porque você grava e toca no seu computador”, defende o administrador de rede Renê Ballesteros Machado Jr., de 28 anos. Glória Braga, coordenadora-geral do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad, tem outra interpretação: “Os sites estão ferindo os direitos autorais”. É a mesma opinião da Apdif, que entende que transmitir os arquivos não é um crime punível com prisão, mas os autores das músicas podem entrar com uma ação indenizatória por perdas e danos contra quem as divulga pela internet. No mês que vem, a associação pretende realizar uma operação com apoio da polícia para fechar duas empresas que comercializam os MP3 no Brasil.
Alternativa — A ação policial é uma gota d’água no meio desse oceano virtual. Além dos sites que permitem copiar gratuitamente as músicas, diariamente nas salas de bate-papo jovens trocam os MP3 que foram convertidos com muita facilidade a partir de um CD original. Seguindo o exemplo de bandas como Beastie Boys e Public Enemy, o músico e compositor nordestino Nando Cordel colocou em seu site na internet (www.nandocordel.com.br) duas músicas de um de seus discos. “Como tinha de cobrir as despesas para o lançamento desse disco, coloquei as músicas no site para que as pessoas conheçam um pouco do novo trabalho”, afirma. Se não se pode derrotá-los, una-se a eles, diz o velho ditado. Por isso, as gravadoras estão interessadas em criar meios alternativos de também distribuir a música de qualidade digital. Ao contrário do MP3, os formatos Liquid Audio, a2b e o do Madison Project (que cinco grandes companhias concordaram em testar no próximo ano) trariam meios de cobrar pela divulgação e pelo uso de uma canção. Um estudo da Jupiter Communications indica que só nos Estados Unidos a venda on-line de músicas saltará de 88 milhões de dólares neste ano para 1,4 bilhão de dólares em 2002. A revolução chegou e uma coisa já é certa: o futuro da música é digital.