O mais concorrido

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Publicada em 10 de novembro de 1999
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Eduardo Nunomura
O vestibular ainda é um mal necessário. É o trampolim que fará o jovem ingressar numa boa universidade e se transformar num profissional à altura de um bom emprego. Mas o preço que se paga para garantir um lugar nas melhores escolas está ficando cada vez mais alto: poucas horas de sono, angústia da família, menos tempo para o lazer e gastos com cursinhos. Se essa pressão já é grande para a maioria dos vestibulandos, imagine então para os 2.327 inscritos para o curso de fisioterapia na Universidade de São Paulo, USP, que se tornou o mais concorrido da instituição. Surpreendentemente, é mais disputado na USP do que os grandes campeões do passado, como a engenharia da Escola Politécnica, a medicina da faculdade de Pinheiros ou o curso de direito do Largo São Francisco. Na fisioterapia, são 92 candidatos para cada uma das 25 vagas, contra 29 por um nas escolas de direito e medicina e 12 por um na engenharia. Entre os cursos que mais se aproximam da fisioterapia em matéria de preferência dos vestibulandos, estão alguns que no passado não despertavamgrande interesse entre os candidatos, como turismo, publicidade, relações públicas, nutrição, audiovisual e veterinária (veja quadro ao lado). Há pelo menos cinco anos, a carreira de fisioterapeuta está entre as seis mais procuradas. Em 1995, eram 870 candidatos, quase um terço do número deste ano. Hoje, o aluno que errar uma ou duas questões fáceis na prova estará reprovado.
Para os 25 felizardos que passarão no próximo vestibular para fisioterapia, a recompensa será grande. A carreira está em alta e não é à toa que 2.317 estudantes (os outros dez inscritos não concluíram o ensino médio) disputam um lugar no concurso preparado pela Fundação Universitária para o Vestibular, Fuvest, que aplica os exames na USP e em outras boas faculdades paulistas. Foi-se o tempo em que o fisioterapeuta era uma espécie de primo pobre dos outros profissionais que atuam na área da saúde, convocado por médicos apenas em raros casos para tratar de velhos com graves problemas motores ou pessoas vítimas de acidentes. Hoje, eles se dividem em um número muito grande de especialidades. “Seu trabalho já é tido como indispensável no setor da saúde”, afirma a professora Amélia Pasqual Marques, do departamento de fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP. “Prova disso é que o perfil dos que chegam à faculdade mudou nos últimos anos. Antes, muitos queriam na verdade medicina ou odontologia, marcando fisioterapia como opção. Hoje, a maioria escolhe fisioterapia em primeiro lugar”, explica a professora. O interesse pelo ramo cresce em todo o Brasil, mas é em torno do curso da USP que o fervor parece mais intenso.
Essa expansão data de pouco tempo. A profissão só foi reconhecida pelo Ministério da Educação três décadas atrás. Hoje, são 45.000 profissionais habilitados pelos conselhos regionais de fisioterapia e terapia ocupacional. Há oito anos, esse número não passava da metade. O crescimento é atribuído, sobretudo, a uma campanha de propaganda involuntária. Graças a sessões intensivas de fisioterapia, atletas famosos, como Ronaldinho, Paulo Roberto Falcão, Vera Mossa, Hortência, Roberto Dinamite, Juninho e Amoroso, puderam continuar na profissão depois de sofrer graves lesões durante partidas que disputaram. Esses tratamentos, por motivos óbvios, tornaram-se assunto de jornais e TVs, habituando os leitores leigos a um ramo antes pouco conhecido. Houve outros casos que também chamaram a atenção do público, como o da recuperação do locutor esportivo Osmar Santos, que sofreu um acidente de carro em dezembro de 1994. Além do excelente trabalho dos médicos que cuidaram de Osmar, sua reabilitação foi muito facilitada pela atuação de uma fisioterapeuta.
Engana-se, porém, quem pensa que seguir a carreira de fisioterapia é sinônimo de um futuro garantido, com salários nas alturas. Para começar, há muitas faculdades espalhadas pelo país, lançando fornadas de profissionais ao mercado. No total, o Brasil tem cerca de 150 faculdades e institutos superiores. A grande maioria dos que saem dessas escolas procura emprego na Região Centro-Sul, acirrando a concorrência nessa área. Assim, o salário de um iniciante não passa de 600 reais, nos piores casos, e a média está em torno de 1.500 reais por mês. O maior problema para o profissional, apontado pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, são as baixas remunerações dos planos de saúde, que pagam por volta de 20 reais por uma consulta. “Se quer ficar rico na profissão, esqueça. Você pode ter sucesso e ser feliz ajudando as pessoas, e esse será seu maior salário”, alerta a diretora da organização, Célia Rodrigues Cunha.
A grande procura por fisioterapia e outras faculdades que no passado não despertavam tanta atenção dos jovens é um fenômeno relacionado obviamente com mudanças no mercado de trabalho. “Na cidade de São Paulo, 75% da arrecadação vem do setor de serviços. E o que percebemos é um crescimento paralelo das profissões relacionadas, como turismo, publicidade e jornalismo”, analisa o vice-diretor da Fuvest, José Atílio Vanin. Com isso, levam vantagem, ao menos em termos de tranqüilidade nas provas, os candidatos para os cursos menos procurados. Música, por exemplo, tem apenas 3,53 candidatos por vaga. Para ciências da terra, que não parece mas é um curso universitário, há cinco vestibulandos para cada uma das setenta vagas.

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