Alunos quase iguais

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Publicada em 22 de dezembro de 1999
Veja

Eduardo Nunomura
Divulgados na semana passada, os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, puseram abaixo um mito a respeito da educação no Brasil: o da existência de um profundo abismo entre o ensino pago e o gratuito. O que se viu é que a escola pública não é tão ruim quanto se acostumou a apregoar. E a particular nem tão boa. Se a velha crença estivesse correta, era de esperar que os alunos das escolas pagas dessem um banho nos colegas dos colégios gratuitos. Não foi o que ocorreu. Passaram pelo Enem 315.960 estudantes. A nota média de pontos obtidos nas provas de redação e conhecimentos gerais ficou em 51. Os alunos das instituições particulares obtiveram 57 e os das públicas, 45. A diferença existe, mas o fosso não é tão fundo assim – sobretudo quando se leva em conta que dos únicos cinco alunos com a pontuação máxima em conhecimentos gerais, três não pagaram pela educação média. Foi uma boa surpresa.
Edson Roberto Didoné Júnior, de 18 anos, é um desses campeões vindos da escola pública. Recebeu nota 100 em conhecimentos gerais e 95 em redação. Nascido numa família de classe média (a renda familiar é de 2.000 reais por mês) de Santa Bárbara do Oeste, no interior de São Paulo, ele sempre estudou na rede estadual de ensino. “Os problemas, como a falta de material, eram compensados com o empenho e a motivação dos professores”, diz Edson. Em casa, a mãe sempre ajudou o filho nas lições. A experiência de Edson comprova algo que os educadores já sabem: o ensino ministrado nas salas de aula é muito importante, mas não é tudo na formação de um bom aluno. Conta bastante o incentivo que recebe da família e as condições sócio-econômicas em que vive. “Os pais que participam ativamente da educação dos filhos fazem uma diferença monumental na formação desse aluno”, diz o economista Claudio de Moura Castro, assessor para educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
A nota média dos estudantes cujos pais têm diploma universitário foi de 60,6 pontos. Para os filhos de pais que não completaram o ensino fundamental (o antigo 1º grau) o desempenho ficou abaixo dos 46,6 pontos. É preocupante, visto que, de cada dez alunos da rede pública, sete têm pais com ginasial incompleto, segundo uma pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Quanto maior é a renda familiar, melhor a performance dos alunos no exame. Filhos de famílias com ganhos mensais superiores a 6.800 reais chegaram a ter um desempenho 70% melhor que os estudantes de renda inferior a dois salários mínimos. Não se trata apenas de dinheiro, mas de postura em relação à educação. Em geral, os mais ricos começam a preparar a educação do filho quando ele nasce. Os mais pobres só fazem isso lá pelos 6 anos de idade, época em que a criança vai para a escola.
O líder absoluto de pontos no Enem, com 100 em redação e 98,4 em conhecimentos gerais, o paulistano Vinícius Cifú Lopes, de 17 anos, mal acabara de sair das fraldas quando pisou pela primeira vez na escola. Filho de pais separados, Vinícius sempre estudou em colégios particulares. Tem poucos amigos, não pratica esporte, nunca namorou. E, surpreendentemente, não gosta de estudar. “Abomino”, diz. “Sobretudo quando se tem de decorar as matérias.” Nesse sentido, a prova foi perfeita, pois deu maior importância à capacidade de raciocínio. “O currículo do ensino médio sempre foi pautado pelas exigências do vestibular, com mais memorização do que raciocínio”, diz o ministro da Educação, Paulo Renato Souza. “Esperamos que o Enem mude isso.” Vinícius tem dois desafios pela frente – os vestibulares para o curso de engenharia do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, ITA, um dos mais exigentes do país, e para matemática na Universidade de São Paulo.
O fato de alunos das escolas pública e privada terem alcançado resultados similares não representa um atestado de excelência para o ensino gratuito. A perda de qualidade na rede pública é fato reconhecido pelos educadores. Ela decorre, em boa parte, da enorme expansão na quantidade de alunos. Nos últimos vinte anos, o número de estudantes do ensino médio mais que quadruplicou nos colégios estaduais e triplicou nos municipais. Em contrapartida, a procura pelos estabelecimentos particulares aumentou apenas 12%, índice menor que o crescimento da população. Ainda assim, o balanço é positivo. Há quarenta anos, metade das crianças entre 7 e 14 anos estava fora das salas de aula. Hoje, o índice de escolarização supera os 90% em todo o país. O resultado do Enem é revelador, mas não pode ser visto como um retrato fiel do ensino médio no Brasil. Antes de mais nada, porque não se tratou de uma amostragem nacional. A maioria dos participantes veio do Sudeste e quase metade, de escolas particulares. Um cenário bem diferente da realidade: 84% dos alunos do ensino médio estudam na rede pública, contra os 16% da particular. Mesmo tendo de desembolsar 20 reais para fazer o exame, o número de alunos inscritos neste ano foi quase o triplo do de 1998. Isso porque os resultados da prova passaram a valer pontos para o vestibular de 93 universidades. É bom, pois assim o Brasil fica se conhecendo melhor.

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