Selo social ajuda a reduzir trabalho infantil

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Publicada em 21 de setembro de 2000
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
A disputa das empresas pela simpatia do consumidor tornou-se arma poderosa
contra uma das mais graves distorções da sociedade brasileira, o trabalho
infantil. A utilização de selos sociais, como o da Fundação Abrinq e o do
Instituto Pró-Criança de Franca, vem dando uma contribuição valiosa para
resolver esse problema. Os selos são atribuídos a empresas que estejam
comprometidas a não utilizar crianças e adolescentes em suas atividades – e
poder exibi-los nos produtos tornou-se quase um prêmio.
Pesquisa da seção brasileira da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
mostra que, de cada dez empresas, nove acreditam que o selo social ajuda a
eliminar o trabalho infantil e três apóiam ações diretas para enfretar esse
desafio. O crescimento de um dos selos, o da Fundação Abrinq, demonstra que
o interesse é cada vez maior: em 1995, 54 empresas tiveram o direito de usar
a distinção em seus produtos; no ano passado, 1.346.
“Para cada empresa que tem o selo, outras dez ou mais acabam sendo levadas
nessa onda”, afirma o diretor da OIT no Brasil, Armand Pereira. O raciocínio
é simples: companhias concorrentes também querem ter o direito de estampar o
selo e, por isso, deixam de empregar crianças e adolescentes. Um exemplo
bem-sucedido é o da Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos
(Abecitrus), que em 1996 passou a não comprar matéria-prima de produtores
que usavam trabalho infantil nas plantações. Evitou-se, assim, que milhares
de crianças continuassem a perder até as impressões digitais, por causa do
efeito corrosivo da colheita das laranjas.
Efeito dominó – Além de estimular iniciativas entre firmas concorrentes, o
selo social acaba forçando toda uma cadeia produtiva a fazer parte desse
processo. Empresas como a Volkswagen e a Ford já chegaram a ser questionadas
pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em
relação ao uso de carvão que vinha de regiões que exploravam a mão-de-obra
infantil. Resultado: elas acabaram por exigir que firmas fornecedoras também
banissem a exploração de crianças e adolescentes nas carvoarias. “As
empresas estão passando a exigir de seus fornecedores o fim dessa prática”,
afirma a secretária-executiva do fórum, Soleny Hamú.
A redução do trabalho infantil, porém, ainda está longe de representar o fim
do problema. Nada menos do que 7,7 milhões de crianças e adolescentes fazem
parte da mão-de-obra no Brasil. A diminuição, contudo, é visível. O número
de crianças de 10 a 14 anos trabalhando caiu de 3,4 milhões para 2,5 milhões
entre 1993 e 1998. Como resultado, o setor educacional está absorvendo esse
público. Hoje, 94,7% de meninos e meninas na faixa de 7 a 14 anos estão nas
escolas.
O estudo da OIT mostra que 92% dos selos da Abrinq foram concedidos a
empresas privadas nacionais – que, tradicionalmente, são as que mais
utilizam trabalho infantil. A área pública responde por 5% dos selos,
enquanto as multinacionais detêm 3%. Os Estados de São Paulo e do Rio são os
que mais receberam essa distinção. O cadastro da Fundação Abrinq é composto
por 1.346 empresas e o do Instituto Pró-Criança, por 1.052.
Maior controle – De acordo com o diretor da OIT no Brasil, o próximo passo
que deve ser dado é a fiscalização do uso do selo social.
Há o risco de que as empresas, depois de terem permissão para usar esse
símbolo, voltem a usar a mão-de-obra infantil. “É muito difícil controlar o
bom uso do selo”, diz Pereira.

Programa bolsa-escola prevê que60 mil voltem a estudar na Bahia
Até o fim do ano, 60 mil crianças que trabalhavam quebrando pedras ou
extraindo sisal na Bahia devem voltar a estudar. Essa é a meta do Fórum
Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que criou uma
comissão para dobrar a capacidade de atendimento no programa bolsa-escola
para as regiões do noroeste baiano, em municípios como Valente, Santa Luz e
Conceição de Coité. Cada família recebe R$ 25,00 por criança que abandona
esses locais insalubres e volta para a sala de aula. Se o período escolar
for integral, o valor dobra.
O fórum é uma instituição que reúne empresários, organizações
não-governamentais, trabalhadores e governo federal. “A nossa mágica é
colocar na mesma mesa esses quatro setores que, em geral, nunca se falam”,
explica Soleny Hamú, secretária-executiva do fórum. Com isso, pode acabar a
troca de acusações sobre as responsabilidades no caso dos problemas sociais.
Até o momento, a atuação do fórum nacional se tem limitado ao meio rural. A
realidade nas áreas urbanas é completamente distinta e não menos grave.
Nesse segmento, as empresas passam a ter um papel fundamental, pois são elas
que contratam a mão-de-obra. “Basta vontade política das empresas para
estabelecer um grande compromisso com as nossas crianças”, garante Oded
Grajew, diretor-presidente do Instituto Ethos de Responsabilidade Social.
Manual – O instituto e a Fundação Abrinq lançam amanhã, em São Paulo, a
publicação O Que as Empresas Podem Fazer pela Criança e pelo Adolescente. O
manual, repleto de exemplos que deram certo, traz indicações de como os
empresários podem ajudar a eliminar o trabalho infantil e contribuir para
melhorar a situação da infância e adolescência no País.
Além do lançamento do manual e da divulgação da pesquisa da OIT no Brasil, o
Encontro Nacional das Empresas Amigas da Criança terá palestras que podem
ajudar os empresários a refletir sobre a questão do trabalho infantil. O
evento será aberto ao público e as inscrições podem ser feitas pelo telefone
(0–11) 3865-5354.

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