MST usa Unicamp para formar líderes

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Publicada em 16 de fevereiro de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
CAMPINAS – Quem tem saudades dos anos 60 e 70, ou pelo menos de parte deles,
encontra na Unicamp um prato cheio. Até o dia 23, jovens do Movimento dos
Sem-Terra (MST) participam no ginásio da universidade do 3.º Curso sobre
Realidade Brasileira, uma espécie de cursinho intensivo para a formação de
novas lideranças. Em meio às palestras, será possível ouvir brados como
“juventude organizada, burguesia massacrada”, “é pra valer, é pra valer,
contra o capitalismo lutamos para vencer” ou “Zumbi, Dandara, vocês estão
aqui; na luta socialista, nós vamos conseguir”. Faixas com Lênin e Mao
Tsé-tung ficam estendidas nas arquibancadas. Che Guevara se faz presente em
faixas, bandeiras, camisetas, boinas e nos corações e mentes da maioria.
O cursinho do MST, cuja abertura foi na noite de quarta-feira, prevê
atividades durante todo o dia. Professores universitários especialistas
darão palestras gratuitas sobre temas variados. Da sexualidade à revolução
cultural e das drogas aos direitos humanos. Sempre com a preocupação de
relacionar os temas com o campo, onde vivem, ou a luta que defendem, a da
reforma agrária. É o caso do curso A situação dos Direitos Humanos no Meio
Rural. Ou ainda a palestra Teatro como Instrumento de Conscientização. À
noite, haverá shows de música, exibição de filmes ou teatro.
A Universidade Estadual de Campinas é co-promotora do evento que deve reunir
cerca de 2 mil jovens de 20 Estados. Anualmente, desde 1999, ela cede o
espaço para o MST. “Se jovens da UDR (União Democrática Ruralista) nos derem
as mesmas condições, estamos às ordens”, garante o pró-reitor da Unicamp
Luís Carlos Guedes Pinto. A universidade pública diz receber dos sem-terra
12 toneladas de arroz e 6 toneladas de feijão e outro tanto de legumes. Não
cobra pelo aluguel do espaço, que fica ocioso nas férias – as aulas começam
em março. A limpeza e a segurança são feitas pelos jovens. Como nas últimas
edições, eles farão mutirão para doar sangue e plantar árvores. “Os
benefícios são extraordinários. Eles não alteram em nada a vida da
universidade.”
Nenhum dos jovens pagou para chegar até Campinas. Foram escolhidos por sua
atuação nos assentamentos. Os ônibus foram pagos pelas coordenações
estaduais. Nas duas vezes anteriores, a única conta que pagaram foi a de
água e luz pelo uso do ginásio. “São custos muito baixos. Eles dormem nas
arquibancas, são muito organizados, trazem a própria comida. Nós
naturalmente cozinhamos a comida para eles no nosso restaurante”, diz o
reitor Hermano Tavares. “Somos uma universidade pública, paga pelo dinheiro
público e queremos nos dirigir a todo o público brasileiro.”
A gratidão do MST veio em 2000, quando a Unicamp recebeu o Prêmio Luta pela
Terra.
Símbolo – Para Gilmar Mauro, o cursinho, além de procurar formar líderes,
faz parte de uma estratégia mais recente. “É uma aproximação do câmpus com o
campo. Um espaço a ser ocupado”, diz. “O curso é mais um gesto simbólico. É
como ocupar a terra, não vai resolver o problema agrário.” Mauro
considera-se um exemplo. Ele estudou até a 8.ª série e sempre morou no
campo. Só foi conhecer Curitiba já militante. Hoje, aos 34 anos, é
coordenador nacional.
Para Madalena Calazans de Oliveira, de 15 anos, ter viajado 34 horas
compensa. “Espero aprender muita coisa para passar para os outros jovens”,
afirma. Há quatro anos, ela mora com a família no assentamento Vale da
Conquista, no entorno do Distrito Federal.
Miguel Stedile, de 23 anos, diz que são poucos os dez dias do evento, mas é
o possível. “A maioria dos militantes não terá condições de entrar numa
faculdade. Este momento cobre uma lacuna. O MST aproveita os professores e a
universidade presta um serviço à sociedade”, diz. Para ele, o curso serve
ainda para aproximar ainda mais a juventude do movimento. “Nossa família são
os sem-terra. O MST é o sobrenome de todos”, diz o jovem Miguel, filho mais
velho de João Pedro Stedile, o líder nacional da organização.

Iniciativa já se espalhou para outras faculdades
Em julho, cerca de 600 jovens dos Estados do Norte e Nordeste vão
reunir-se na Universidade Federal do Ceará para um novo curso de realidade
brasileira. No Rio Grande do Sul, o encontro será feito em parceria com o
poder público. Em Minas Gerais, o Movimento dos Sem-Terra (MST) já promove o
evento na Universidade de Juiz de Fora. Mas as iniciativas de aproximação do
movimento com a academia não se restringem a esses cursos rápidos. Vão além.
Na Unijuí, no Rio Grande do Sul, em julho forma-se a primeira turma de
pedagogos do MST. O curso dura três anos, com aulas em período integral nas
férias. Os formandos já têm uma meta: ajudarão a educar os outros
assentados. As Universidades Federais de Mato Grosso do Sul e do Espírito
Santo também têm cursos de pedagogia para os sem-terra.
“O processo de formação de um jovem em líder ou dirigente é só um: prática,
teoria, prática, teoria”, explica o coordenador Gilmar Mauro. Segundo ele,
nada mais natural então do que procurar a teoria nas universidades. Para
Amanda Matheus, de 21 anos, o complemento da teoria já é conhecido. “O
estudo mais importante acontece nos acampamentos, onde temos a prática”, diz
a assentada.
Adelar João Pizetta, coordenador da Escola Florestan Fernandes, o braço
educacional do MST, defende esse tipo de ocupação das universidades
públicas: “Nós pagamos imposto de renda. Também temos direito à educação.”

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