Publicada em 22 de abril de 2001
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
e PAULO SOTERO
Há uma matéria-prima em falta no mundo todo: cientistas de talento. Para
resolver esse problema, alguns países são capazes de “roubar” pesquisadores
de grande potencial, oferecendo-lhes ofertas tentadoras de emprego. Ótimo
para quem os recebe, devastador para quem os perde. Essa dor de cabeça
mundial, curiosamente, afeta menos o Brasil. A soma dos que voltam para o
País depois de uma temporada no exterior é muito maior do que a dos que
decidem não retornar. É um dado que intriga especialistas e deixa uma
pergunta no ar: por quê?
Seguramente, não é por causa do futebol e da caipirinha, se bem que isso
ajude. Os talentos continuam indo para o exterior para especializar-se, mas
voltam quando têm oportunidade. Na última década, mais de 80% dos cientistas
brasileiros que obtiveram títulos de Philosophy Doctors (PhD) nos Estados
Unidos retornaram ao País. Essa proporção é muito maior do que a de qualquer
outra nação, segundo levantamento da National Science Foundation. Entre
indianos e chineses, o índice é de 40% – no ano passado, havia 75 mil
estudantes da Índia e da China em universidades americanas. Quase metade dos
argentinos e colombianos também optaram pela permanência no exterior.
A riqueza e a infra-estrutura de pesquisa nos Estados Unidos atraem talento
científico do mundo todo há muitas décadas. O aumento da demanda de cérebros
provocada pela revolução tecnológica levou o Congresso americano a aprovar
leis específicas para facilitar a entrada de profissionais especializados.
Hoje, eles representam quase um terço dos “doutores” que trabalham no país.
“A melhor forma de segurar os nossos cérebros é oferecer projetos à altura
do talento deles”, ensina José Fernando Perez, diretor-científico da
Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp). O órgão
diminuiu a oferta de bolsas de estudo para doutorado no exterior e vem agora
reduzindo também as de pós-doutorado. “O estágio no exterior não é para o
pesquisador brasileiro ficar auxiliando o trabalho do orientador. Ele tem de
ter um vínculo com projetos daqui.”
Uma medida mais eficiente para atrair e reter os cérebros tem sido criar
bons programas de pesquisa. Soraya Leal Bertiole, de 31 anos, fez doutorado
na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, com uma bolsa do CNPq entre
1992 e 1996. A saudade falou mais alto e ela recusou ofertas para permanecer
no país.
Hoje, é responsável por um laboratório da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa). “Trabalho num centro privilegiado, onde temos massa
crítica e bons equipamentos.” No retorno, “importou” o biólogo inglês David
John Bertiole, atualmente professor da Universidade Católica de Brasília e
seu marido.
Ações – Recentemente, o Ministério da Ciência e Tecnologia criou o programa
de fundos setoriais, que aumentará o orçamento do órgão em R$ 700 milhões,
dinheiro a ser destinado a vários centros de pesquisa. A Fapesp tem o
programa de inovação tecnológica em pequenas empresas, que oferece até R$
350 mil a jovens empresários. Uma tentativa de reverter uma situação
peculiar: no Brasil, a pesquisa é desenvolvida pelas universidades e não
pelas empresas, como ocorre nos países desenvolvidos. Quando a universidade
não é capaz de atender às expectativas do cientista, ele fica sem saída.
Em janeiro de 2000, Dilma Menezes da Silva, de 35 anos, enviou currículo
para o Watson Research da IBM, hoje o laboratório de computação mais
badalado do mundo. Foi aceita na hora. “Não queria ficar presa na
burocracia, perder tempo para ter máquinas e mais verbas. Nos Estados
Unidos, obter recursos é trivial”, explica. Ex-bolsista do CNPq, ela fez
doutorado no Georgia Institute of Technology, entre 1990 e 1996, voltou para
a USP e em novembro saiu novamente do País. Hoje, desenvolve um sistema
operacional para computadores. “Eu quero fazer um programa que revolucione o
mercado.”
Na volta, o trabalho com pesquisa de ponta
Batizado com nome de cientista famoso, Isaac Newton Lima da Silva, de 31
anos, fez o doutorado na Universidade de Manchester, na Inglaterra, com uma
bolsa de 4 anos. Teve vários convites para ficar por lá. Preferiu ingressar
no projeto de incubadoras de empresas de alta tecnologia da Universidade de
São Paulo (USP) e ainda trouxe um pesquisador irlandês, Kenneth Armstrong,
seu atual sócio na Tecnolab. “O País está criando mais condições para o
retorno de seus cientistas”, acredita. Hoje, os dois desenvolvem aparelhos
para engenharia, como um que permite radiografar estruturas metálicas de
pontes e viadutos sem precisar destruir nada.
O biólogo Sandro de Souza, de 33 anos, obteve o título de PhD pela
Universidade de Harvard, com especialização em bioinformática, o tipo de
profissional cobiçadíssimo por empresas americanas. “Lá, existe muito
dinheiro, mas a concorrência é grande”, afirma. Hoje, chefia uma equipe de
oito pesquisadores no Instituto Ludwig, um dos co-participantes do já
consagrado projeto genoma brasileiro. As histórias de Silva e Souza guardam
um traço comum: eles conseguem se destacar desenvolvendo no Brasil pesquisas
de ponta.
A fuga de cérebros, como é conhecida a disputa pelos melhores cientistas
mundo afora, tem atormentado nações em desenvolvimento. Da Argentina à
Coréia do Sul, vários países que enfrentam a diáspora de talentos para os
Estados Unidos e outras partes iniciaram nos últimos anos reformas de seus
cursos de pós-graduação e mudanças na estrutura de seus programas de apoio à
ciência (Veja quadro ao lado).
Norma – No Brasil, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) determinou, há dois anos, o cumprimento de uma regra já
existente de exigir do bolsista o ressarcimento do dinheiro investido se ele
permanecer no exterior.
Foi feito um recadastramento e descobriu-se que menos de uma centena de
pesquisadores tinha desistido de voltar ao Brasil. Hoje, todos nesse perfil
já regularizaram a situação. A evasão de cérebros verificada pelo órgão gira
em torno de 2,5%, um número considerado baixíssimo.
Isso não significa que a demanda pelos cérebros brasileiros não exista. Pelo
contrário. Ela é crescente e pode ser constatada nos grandes centros de
pesquisa.
Diversas universidades estrangeiras procuram a Comissão de Cooperação
Internacional da USP para procurar talentos para programas de intercâmbio.
Mas há uma regra básica para se firmar esse acordo. “Se mandamos dois
pesquisadores, eles têm de mandar dois”, afirma a coordenadora Viviane
Jaremcrusk.
Uma manobra que alguns países estão adotando é tentar conquistar o estudante
de graduação. Há dois anos, o Consulado do Canadá foi até o Instituto de
Matemática e Estatística da USP para fazer uma oferta generosa: o país
receberia de braços abertos qualquer formado em ciência da computação.
Na escola Alumni, a procura dos recém-formados por informações sobre bolsas
de estudos nos Estados Unidos cresce em torno de 8% ao ano. Estão em busca
de especialização, em cursos de mestrado de administração, direito, ciência
da computação, engenharia e artes. Menos de 500 embarcam.
Mesmo partindo, os milhares de cérebros brasileiros ainda guardam uma ponta
de esperança de retornar ao País. Foi o que aconteceu com um jovem
economista formado pela Pontíficia Universidade Católica do Rio. Ele fez o
doutorado em economia monetária e fiscal na Universidade de Princeton, nos
Estados Unidos, entre 1981 e 1985. Formado, atuou como executivo dos bancos
Garantia e Salomon Brothers e depois foi trabalhar com o megainvestidor
George Soros. Hoje, o ex-bolsista do CNPq Armínio Fraga Neto ocupa a
poltrona da presidência do Banco Central do Brasil. (Eduardo Nunomura e
Paulo Sotero)