Computadores começam a chegar à periferia

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Publicada em 16 de junho de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Em 1994, na época em que os brasileiros davam seus primeiros passos na
Internet, o Peru inaugurava sua primeira cabine pública de acesso à rede
mundial. Nesses últimos sete anos, os peruanos criaram 800 salas de uso
gratuito do computador. O Brasil ensaia agora seus primeiros telecentros de
informática, que começam a chegar onde mais se precisa deles: nas periferias
das grandes cidades.
O computador ainda é uma novidade nas regiões carentes e vai continuar sendo
por um bom tempo. Há duas semanas, porém, moradores de um conjunto
residencial de Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, puderam
“teclar” pela primeira vez nessa máquina moderna. Foi aberta a primeira sala
do e-cidadania, um projeto da Prefeitura que pretende criar mil telecentros
pela periferia – 40 neste ano – cada um com 20 computadores.
Os moradores tiveram a chance de ensaiar bonitinho antes de a prefeita Marta
Suplicy inaugurar de fato o telecentro, que fica num centro comercial
desativado. Líderes comunitários comemoram a chegada dos computadores onde
antes funcionavam um desmanche de carros e um ponto de consumo de drogas. A
comunidade está ansiosa.
“Uma amiga minha já tem computador. Quando começa a falar o que ela faz,
fico quieta, não sei o que dizer”, afirma Suelen Silvia Gonçalves, de 16
anos. “Quem já tem um leva a vantagem de poder aprender em casa. Nós que não
temos, precisamos sair para fazer tudo”, completa Gleice Kelly Rodrigues
Ferreira, de 14 anos. As duas estudantes estão entre as centenas de pessoas
que já se cadastraram no telecentro. Ambas acreditam estar ali, no
computador público, a boa chance de emprego no futuro.
Apartheid – Os publicitários ignoram pessoas como Suelen e Gleice e vendem a
imagem de que a Internet no Brasil é um sucesso. Não deixa de ser verdade.
Há quase 10 milhões de internautas no País, 5,7% da população. Está muito
abaixo dos países do Hemisfério Norte, mas entre os melhores abaixo do
Equador. No entanto, só tem computador e Internet quem possui linha
telefônica. “Essa é uma situação clara de ‘apartheid’ digital. Só 9% dos
brasileiros têm acesso aos computadores e isso é grave”, afirma o
coordenador do Comitê para a Democratização da Informática (CDI), Rodrigo
Baggio.
Com mais de 75 mil alunos formados, 252 escolas em 17 Estados, o comitê
trabalha com comunidades carentes. Os computadores doados são entregues às
lideranças comunitárias, encarregadas de montar as salas. Em seis anos,
nunca um computador foi roubado. O novo desafio é uma escola na unidade
Febem do Tatuapé, na zona leste.
No Capão Redondo, zona sul, um projeto de telecentro do Instituto Florestan
Fernandes prova que o computador tem muita utilidade. O Sampa.org montou dez
salas com dez computadores e conexão rápida. As lideranças comunitárias
organizam a fila de espera, sempre crescente. “Tem gente aqui que não lê nem
escreve, mas sabe clicar”, enfatiza o coordenador Reginaldo de Alencar.
Webdesigner – Os telecentros são de uso livre e controlado. Não se paga
nada, mas tem hora para entrar e sair. A maioria já aprendeu a utilizar as
salas de bate-papo virtuais. Muitos vão fazer currículo. Mas nem todos. O
estudante Guilherme Luiz Stolfo, de 16 anos, por pouco não teve um
computador em casa. O pai preferiu uma televisão e um aparelho de som. Nas
salas do Sampa.org, em oito meses, aprendeu sozinho a fazer sites. “Descobri
um novo mundo. Quero ser webdesigner”, diz.
A monitora Cleide Gonçalves Ferreira, de 25 anos, é responsável por uma
unidade do Sampa.org em Campo Limpo. Diretora da Associação de Moradores do
Jardim Rosana, ela virou repórter do jornal Capão On-line. “A região só
aparecia na mídia como o lado ruim de São Paulo. Por isso criamos uma
agência de notícias virtual.” Pelo site www.sampa.org, os próprios
moradores, que agora têm acesso à Internet, aprendem a se conhecer melhor.
Desde o ano passado, o governo estadual vem montando os Infocentros – salas
com dez computadores. O primeiro foi montado no Jardim São Luís, zona sul.
Até 2002, deverão ser 240 unidades. Estima-se que menos de 2% da população
desses locais esteja conectada. Em sete unidades do Sesc na capital e duas
no interior, foram criadas salas do projeto Internet Livre. São 20
computadores ligados em alta velocidade.

Exclusão ainda é grande no País
Quem vê os inúmeros projetos de inclusão digital em prática no País acredita
que o brasileiro está conectado por natureza. Ainda mais levando-se em conta
que no Brasil se vota em urnas eletrônicas, há o melhor sistema de banco
eletrônico do mundo e o imposto de renda é declarado pela Internet. Pura
ilusão. Nada menos que 160 milhões de brasileiros não têm acesso à rede
mundial de computadores.
O governo tem R$ 3,4 bilhões para gastar em três anos no chamado programa
SocInfo, ou Sociedade da Informação. Neste ano, cerca de R$ 1 bilhão virá do
Fust, um fundo com receita das empresas de telecomunicações. “O dinheiro das
privatizações”, gosta de ressaltar o ministro das Comunicações, Pimenta da
Veiga. Pelo menos a metade será usada na compra de computadores para 15 mil
escolas públicas do ensino médio.
Mas a menina dos olhos do governo tem outro nome: computador popular. Em
setembro, Pimenta da Veiga procurou Ivan Moura Campos, coordenador do Comitê
Gestor da Internet, para encomendar uma máquina barata. Campos prôpos e a
Universidade Federal de Minas Gerais aceitou o desafio. Chegou-se a um
modelo que pode custar R$ 600. “Não há nada parecido no mundo”, diz o
coordenador.
O modelo é uma versão compacta de um computador que não permite armazenar
dados, mas possui Internet. O objetivo é fazer com que o BNDES apóie
empresas privadas na produção, que definirão o preço final, e a Caixa
financie a compra do aparelho. O sucesso do equipamento vai depender ainda
de provedores de acesso, hoje concentrados em grandes cidades. Há cerca de
150 provedores para mais de 5.500 municípios.
“Esses aparelhos funcionam como um terminal de banco”, afirma o gerente da
Microsoft Carlos Ximenes. A empresa, interessada na venda de programas e não
no uso do software gratuito previsto no computador popular, faz seu
mea-culpa, apoiando projetos como o CDI, Sampa.org e de criação de projetos
em escolas, em parceria com o Instituto Ayrton Senna. Em São Paulo, a
Internet chega a 2.765 escolas estaduais. Faltam outras 1.238. O problema
maior é ensinar os professores e diretores a usarem esse novo instrumento de
trabalho.

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