O Velho Chico, um rio na UTI

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Publicada em 30 de julho de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
PÃO DE AÇÚCAR – O Rio São Francisco pede água. A tradução mais clara desse
apelo pode ser verificada no Baixo São Francisco, já na divisa entre Alagoas
e Sergipe. Cidades ribeirinhas a partir da hidrelétrica de Xingó vêm
sofrendo com o nível cada vez mais baixo do rio. Este ano, as chuvas na
região da Serra da Canastra, em Minas, foram insuficientes e a crise de
energia elétrica aumentou a pressão sobre as hidrelétricas. Raso, é assim
que o Velho Chico está chegando à foz.
A vazão do rio no Baixo São Francisco está abaixo da metade prevista nesta
época do ano. Atualmente, é de mil metros cúbicos. Nos últimos anos, era
superior a 2.200 metros cúbicos. Bancos de areia estão cada vez maiores e
mudam a navegação na região. As hidrelétricas acabaram com a piracema. Os
peixes, como o surubim e a piaba, estão sumindo. No município de Piranhas
(AL) não há mais piranhas.
Próximo à cidade alagoana de Pão de Açúcar, um velho navio, o Moxotó, que
naufragou em 10 de janeiro de 1917, está vindo à tona. “Depois da construção
de Xingó, o rio nunca mais se encheu”, lamenta o prefeito do município,
Jorge Dantas (PSDB). “Se diminuir mais, não sei o que pode acontecer.”
Segundo ele, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) já advertiu
que a vazão pode ficar reduzida a 600 metros cúbicos.
Pão de Açúcar possuía seis beneficiadoras de arroz que geravam empregos para
mais de 2 mil pessoas. Nas cheias do Velho Chico, formavam-se lagoas
propícias para a rizicultura. Agora as empresas se foram e o produto só
aparece nas prateleiras dos mercadinhos. Morador da cidade, José Gois
Cavalcanti, de 79 anos, lembra com saudades dos velhos tempos: “Esse rio
está seco demais. Não era assim. Nunca foi. Antes, ele tinha mais vida.”
O São Francisco ainda é uma dádiva aos povos ribeirinhos. Na vizinha Porto
da Folha, em Sergipe, os carros-pipa continuam buscando água para levar às
cidades atingidas pela seca. As lavadeiras vão lá diariamente, mas agora
dividem o espaço com o sargaço, uma alga que prolifera nas margens por causa
do baixo nível do rio.
A população ribeirinha que dependia dos peixes só vê escassear seu
ganha-pão. Muitos desistiram da atividade. Barcos de maior calado que faziam
o passeio até Penedo, na foz, não vêm mais. Os de menor porte têm de desviar
do leito do rio, já que em muitas áreas ele é visível.
Doente – “O São Francisco é um paciente que está na UTI e a região mais
prejudicada é o seu estuário”, alerta o prefeito de Piranhas, Inácio Loiola
Damasceno Freitas (PSDB). Antes, lembra Freitas, o Velho Chico invadia o
Atlântico cerca de 3 quilômetros mar adentro, tamanho o volume de suas
águas. Hoje, é exatamente o oposto.
Para o prefeito Freitas, as hidrelétricas são culpadas por essa situação
preocupante. “A Chesf só se preocupou com a geração de energia e não com as
questões ambientais. Só que eles se esquecem que, se acabar a água do rio,
não vão ter também a energia”, reclama. “Precisamos fazer o orçamento das
águas, que seja atrelado às condições climáticas de cada ano”, defende o
pesquisador João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco.
Os políticos das cidades ribeirinhas do Velho Chico não querem nem ouvir
falar no projeto de transposição do rio, cada vez mais engavetado. O motivo
é óbvio, mas vale uma comparação: “Um paciente na UTI não pode ser doador de
sangue”, diz o prefeito de Piranhas.

Níveis poderiam estar ainda piores nesta época, diz Chesf
A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) tem uma boa e uma má
notícia aos prefeitos do Baixo São Francisco. A boa é que hoje a vazão do
rio deveria estar reduzida à metade não fosse a liberação de água de
Sobradinho. Portanto, não seria procedente a reclamação dos políticos de que
a companhia estaria retendo água nas suas barragens. A má notícia é que o
nível pode baixar ainda mais e, para piorar, mesmo no período das cheias a
região vai continuar a ver os bancos de areia.
Com a falta de chuvas neste ano, a lagoa de Sobradinho tornou-se a caixa
d’água do Velho Chico. Segundo o assessor da presidência da Chesf, João
Paulo Maranhão, a vazão natural do rio hoje está em 700 milímetros e outros
300 estão sendo liberados em Sobradinho, chegando à foz do São Francisco em
torno de 1.000 milímetros. Ainda assim, é menos da metade do volume normal
desta época do ano. “Estamos colocando cada vez mais água no rio”, garante
Maranhão.
Para compensar essa liberação, a partir de novembro, a lagoa de Sobradinho
vai começar a reter água para voltar ao seu volume normal – hoje está em 25%
de sua capacidade. “Certamente, não virá uma cheia normal”, alerta Maranhão.
A Chesf afirma que desde 1976, com a construção da barragem de Sobradinho,
tenta convocar a sociedade para uma discussão sobre o destino do São
Francisco. Segundo o assessor, sem isso, nunca se saberá o que se quer do
Velho Chico. E a Chesf será sempre a culpada por tudo.

Pão de Açúcar, quase carioca
PÃO DE AÇÚCAR – De um lado, o Cristo Redentor no alto do morro. Do outro,
Niterói. Os alagoanos de Pão de Açúcar gostam de brincar que são cariocas.
Comunidades vizinhas recebem nomes conhecidos do Estado fluminense: Niterói,
Bonsucesso e Jacarezinho.
Hoje, essas coincidências não rendem benefícios como gostariam os alagoanos
do município. O turismo na “praia” do São Francisco vem caindo com a
diminuição do nível do rio e o aumento das algas nas suas margens.
“Este ano, está muito pior por causa do racionamento de energia”, diz o
prefeito da cidade, Jorge Dantas. As cheias no Baixo São Francisco ocorrem
entre novembro e março. Julho, naturalmente, seria um mês com menos água. O
problema é que ninguém esperava que fosse tão pouca assim.

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