Empregos em baixa? Não para eles…

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Publicada em 11 de novembro de 2001
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
e CLÁUDIO BARRETO
Há uma boa e uma má notícia para os portadores de deficiência. A má é saber
que a maioria das dificuldades que enfrentam no dia-a-dia não mudou. À
primeira vista, são pequenos detalhes que, para eles, se tornam verdadeiros
obstáculos. Os bancos com suas portas giratórias não lhes dão acesso. O
transporte público padece de adaptações. E são raros os cinemas, teatros,
lojas e restaurantes que se preocupam integralmente com a questão. Faltam
rampas, linhas-guias e sinalizações em braile. Essa difícil vida, contudo,
começa a receber sinais de esperança. Eis a boa notícia: eles finalmente
estão conseguindo aumentar sua participação no mercado de trabalho.
Levantamento inédito da seção paulista do Ministério do Trabalho e Emprego
constatou o aumento de portadores de deficiência empregados. São dados
significativos. No ano passado, três em cada quatro trabalhadores dessa
categoria estavam desempregados. Em 2001, mais da metade deles conseguiu uma
colocação. O estudo, realizado pela médica Cecília Zavariz, foi feito com
base em 564 empresas de médio e grande porte do Estado de São Paulo. No
total, empregam 939.326 pessoas, sendo 21.905 portadores de deficiência.
Outra boa surpresa é que as empresas privadas, que antes ignoravam essa
questão, passaram a contratar mais. Há uma explicação para essa mudança. Em
dezembro de 1999, foi assinado o Decreto 3.298, que regulamentou uma lei de
cotas. Ela obriga empresas com mais de cem empregados a preencherem seus
cargos com reabilitados ou portadores de deficiência (veja quadro).
O resultado foi imediato. Em 2000, apenas um em cada quatro trabalhadores
com algum tipo de deficiência tinha emprego formal. Neste ano, a situação se
inverteu: o déficit para atender a lei de cotas caiu para 32%. Ou seja, há
7.939 postos não preenchidos por essas pessoas ante o equivalente a 18.735
vagas do ano passado.
“Para a empresa é mais interessante atender a essa questão social do que
resistir. Ela fica com uma imagem melhor”, diz Cecília, auditora fiscal do
trabalho. Com o decreto, o Ministério do Trabalho e Emprego ficou
encarregado de fiscalizar o cumprimento da lei. Como ainda não há pena para
quem desrespeitá-la, uma vez que uma portaria foi criada mas não assinada
pelo ministro da pasta, os fiscais têm de apresentar as denúncias para o
Ministério Público do Trabalho.
Produtividade – O microempresário José Edson Moyses Filho, um dos
proprietários da empresa Laffriolée Sobremesas, na Vila Gustavo, zona norte,
emprega sete funcionários portadores de necessidades especiais. “Hoje tenho
57% dos meus empregados nesta condição e os resultados são ótimos”, diz.
Segundo ele, nada foi premeditado. “Contratei um deficiente auditivo para
trabalhar na minha confeitaria e ele está conosco até hoje.” Depois, Moyses
procurou a Apae e contratou outros deficientes. “Eles ajudaram a integrar
mais a equipe e com isso melhorou até a produtividade da empresa.”
De olho nesse filão, empresas de consultoria de recursos humanos estão
criando divisões especiais para atender a essa nova demanda. É uma procura
que ocorre dos dois lados, o dos portadores de deficiência e o das empresas.
Até bem pouco tempo, era raro ver pessoas com alguma deficiência na fila de
emprego dessas consultorias. Hoje, já é uma cena comum.
No Brasil, estima-se que existam mais de 9 milhões de pessoas em idade ativa
com alguma deficiência. Antes da lei, apenas 200 mil possuíam registro em
carteira. Com ela, esse mercado entrou em ebulição. O novo papel das
empresas de consultoria de recursos humanos é orientar empresários a
contratarem esses trabalhadores. “Não é fácil, mas faço um trabalho de
sensibilização nas empresas. Vou vender o potencial dessas pessoas e não a
sua deficiência”, diz Luiza de Paula, gerante da divisão de projetos sociais
da Gelre.
“A grande maioria dos nossos clientes cumpre ou já está planejando
contratações”, afirma Angelina Vinci, diretora de seleção e qualidade da
Adecco. Em dois meses de atividade da divisão de projetos especiais, a
consultoria já conseguiu empregar mais de 100 portadores de deficiência. Na
Gelre, foram 380 em pouco mais de um ano.

Portadores sentem preconceito na hora de procurar uma vaga
Nem mesmo alta qualificação é garantia de disputa justa por trabalho
Psicóloga formada há 3 anos com especialização em psicologia hospitalar e
clínica procura emprego. Tem interesse por trabalho em hospitais, nas áreas
de oncologia, geriatria ou cardiologia, ou em instituições para pessoas
deficientes ou droga-dependentes. Com esse currículo, Danielle Chemmer, de
27 anos, busca um emprego. Já são dez meses nessa rotina. Só o que tem
ouvido dos entrevistadores é um sonoro “não”. Ela não vê mas imagina o por
quê de tantas negativas: Danielle é deficiente visual.
A história de Danielle ilustra uma face triste no mercado de trabalho, a do
preconceito. Formada pela Unip, com cursos de especialização, ela tem
dificuldade de arrumar um emprego em sua área. Numa das últimas vezes em que
procurou um hospital, encaminharam-na para uma instituição de recolocação
profissional. Esperançosa, acreditou que teria sucesso. Lá, ofereceram uma
vaga de operadora de telemarketing. “Eu não gostaria de desistir de minha
profissão, mas não está dando”, diz.
Danielle já se viu obrigada a desistir de várias coisas em sua vida. Como a
especialização em psicologia hospitalar na própria Unip. Diziam que não
teria como acompanhar os outros alunos. Tentou um curso de gênero na
Universidade de São Paulo. Em vão. A desculpa: não havia material para ela.
Insistente, levou o caso à Justiça. Em seguida, ofereceram-lhe uma bolsa de
estudo. Ela não quis mas descobriu que hoje o mesmo curso é oferecido com
material em braile. Ela conseguiu a especialização na Universidade Santo
Amaro. Agora, procurando emprego, a luta é a mesma. “Gostaria que me dessem
um emprego não por pena, mas por minhas qualidades.”
Chance – A auxiliar de embalagens Vilalba Pereira de Oliveira, de 28 anos,
teve a sua chance. E não foi por pena. Ela começou a perder a visão aos 18
anos por causa de um glaucoma. Entrou em depressão até que lhe ofereceram um
emprego. Hoje, embala frutas secas na Casa Santa Luzia, nos Jardins. O
supermercado contratou dez portadores de deficiência. “Há muitas pessoas
como eu e elas precisam de verdade de um emprego”, diz Vilalba.
“Admitam primeiro. Depois vão ver que o problema é mais com eles do que com
essas pessoas”, aconselha aos empresários Ana Maria Lopes, gerente da Santa
Luzia.
Deficientes auditivos, Maria Ferreira, de 34 anos, e seu marido, Antônio
Barbosa, de 49, enfrentaram dificuldade para encontrar um emprego. Agora,
são procurados por colegas de fora, que pedem a eles uma indicação. No
trabalho, fizeram vários amigos que até aprenderam a língua de sinais para
poder se comunicar.
A indústria de cosméticos Avon é outro exemplo de empresa que já contratava
deficientes. sem a obrigatoriedade da lei. Na linha de produção, Hamilton
Gomes da Silva, de 43 anos, trabalha no setor de embalagens. Antes desse
emprego, teve dificuldades de encontrar um por causa de sua prótese na perna
esquerda. “Sentia que perdia a vaga não por falta de capacidade, mas pelo
preconceito”, diz.

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