Publicada em 16 de março de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Do filho Rafael, os pais Julimar e Núbia só guardaram a pulseira de
identificação do berçário. O menino nasceu no dia 4 e morreu uma semana
depois numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ele é um dos oito óbitos da
Santa Casa de Mogi das Cruzes nas últimas duas semanas – 50% acima do
normal. Três crianças morreram no mesmo dia. A Vigilância Sanitária
vistoriou o local, encontrou irregularidades e está acompanhando os outros
casos do berçário para evitar mais mortes. Sete bebês da UTI estão isolados.
A taxa de mortalidade média no berçário da Santa Casa é de oito bebês por
mês. O fato de as mortes terem ocorrido em apenas 13 dias foi o que provocou
o alerta. “Até agora o número de mortes está dentro da média. Se esse padrão
sair da normalidade, vamos intervir”, adiantou Nadia Romariz, diretora da
DIR-3, órgão da Secretaria Estadual de Saúde. A principal irregularidade
apontada no laudo da Vigilância Sanitária foi a insuficiência de enfermeiros
e auxiliares na UTI neonatal.
“Fiz todos os exames e até ouvi o coração dele bater naquele aparelho
(ultra-som). Quando fui vê-lo na UTI, estava todo roxinho. Só me disseram
que ele estava mal”, afirmou ontem Nubia Aparecida Gomes, de 27 anos, mãe de
Rafael. Ela teve outros dois filhos mortos na mesma Santa Casa, em 1995 e
1996. Outros três sobreviveram depois de semanas na UTI. Todos eram
prematuros.
Diabética, ela sabia dos riscos de se ter um filho, mas achava que desta vez
ia ser diferente. Rafael nasceu de nove meses com 1 quilo e 415 gramas.
“Temos que aceitar. Ele não volta mais”, disse o pai, o pedreiro Julimar
Donizete de Andrade, de 29 anos. Pelo atestado de óbito, Rafael morreu de
insuficiência cardiocirculatória.
O resultado dos exames de sangue das oito vítimas deve sair na próxima
semana. Os sete bebês isolados estão sendo tratados dentro de um quadro
infeccioso. O laudo da Vigilância Sanitária indicou que quatro mortes
ocorreram por infecção de bactérias distintas – o que deve descartar uma
situação de infecção generalizada.
“É uma situação de guerra mesmo. Se tem algo errado, vamos apurar”, afirmou
a uma emissora de TV Henrique Naufel, coordenador da UTI. Ninguém mais da
direção do hospital quis se pronunciar sobre o assunto. Em nota, a Santa
Casa afirma que as medidas preventivas para evitar mais mortes já foram
tomadas. Foi aberta uma sindicância interna no hospital para apurar os
óbitos em série.
Sonhos desfeitos – A triste coincidência, ainda que dentro do “padrão
histórico”, nos óbitos da Santa Casa de Mogi das Cruzes sepultou também
sonhos. O soldador Manoel do Livramento Lemos, de 29 anos, estava
inconsolável. Pai de um menino de 2 anos, vivia feliz na gravidez de sua
mulher, Encarnação. Teria uma filha, Samanta. Ela nasceu no domingo,
prematura de seis meses, e morreu dois dias depois. “A médica disse que ela
teve uma parada respiratória. Mas um dia antes havia dito que minha filha ia
bem. Não dá para entender”, disse Manoel.
Outras duas mortes de bebês tiveram a mesma causa: insuficiência
respiratória. Joyce Pereira de Brito morreu na segunda-feira e Natan Souza
Vieira, na terça. Dos 500 nascimentos mensais da Santa Casa de Mogi, uma
média de 15% são de prematuros; e 30% das gestantes têm gravidez de risco. O
berçário possui 31 leitos normais e 12 para casos mais graves.