Publicada em 29 de março de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
BUENOS AIRES – Os argentinos começam a conhecer o outro lado da moeda, a
desvalorizada. Com um dólar valendo quase três pesos, a capital da Argentina
deixou de ser uma das cidades mais caras do mundo e já está atraindo
milhares de turistas estrangeiros em busca de compras baratas.
Neste feriado de Semana Santa, chilenos e uruguaios se tornaram a grande
esperança para o comércio. Só mesmo eles saíam das lojas com as sacolas
cheias.
“Esperava encontrar preços bons, mas eles estão melhores do que imaginava”,
afirmou o chileno Miguel Sanchez Catalan, de 40 anos. Ele e mais três amigos
vieram a Buenos Aires pela primeira vez e já pretendem retornar em setembro.
Desde quarta-feira, Catalan praticamente não parou um minuto de entrar e
sair das lojas da Rua Florida, tradicional ponto comercial da cidade.
Pesquisava os preços e levava as compras para o hotel. Turismo? “Não, não dá
para perder as promoções”. Até domingo, acredita que gastará os US$ 1.200 da
viagem.
Com a crise, os argentinos passam bem longe das lojas. Filas, só aquelas
para comprar dólares nos bancos e casas de câmbio. Conhecidos no Brasil e em
outros países latinos como os que só diziam “demé dos” (dê-me dois), por
causa do poder de compra que tinham com a paridade de sua moeda com o dólar,
agora eles começam a ouvir “demé dos” ou “demé tres” dos estrangeiros.
“Noventa por cento das pessoas que estão comprando aqui são turistas
estrangeiros”, afirma Leonardo Melman, vendedor de uma loja de couros, um
dos artigos mais procurados.
São esperados 200 mil turistas na capital argentina neste feriado. A
Secretaria de Turismo do país fez uma campanha publicitária no Brasil, Chile
e Uruguai. Em cidades como São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte, foram
entregues 360 cartazes com os dizeres “Buenos Aires compensa. Aproveite o
câmbio”. Mas o governo argentino acredita que os brasileiros ainda não
despertaram para essa nova realidade. Daí a invasão de chilenos e uruguaios.
“Os hotéis e a comida estão muito baratos. As roupas estão custando metade
do que no Uruguai”, disse o professor Winston Fernandes, de 50 anos.
Moradores de Montevidéu, ele e sua mulher, Adriana Sanchez, de 39, já
conheciam Buenos Aires mas estão surpresos com o efeito da desvalorização da
moeda argentina. “O que era caro, continua caro, mas agora podemos pagar com
peso e não em dólar”, completou Fernandes.
Até no Shopping PatioBullrich, o mais sofisticado de Buenos Aires e onde os
ricos argentinos continuam a freqüentar, a presença de turistas estrangeiros
está sendo comemorada. “Desde a semana passada, os chilenos estão chegando.
Estamos conseguindo manter as vendas com a presença deles”, afirmou a
coordenadora comercial Mariana González.
Para facilitar a vida dos prováveis consumidores, o shopping iniciou ontem
um sistema de transporte gratuito que busca os turistas nos hotéis mais
caros da cidade e levam até a Recoleta.
Movimento – Segundo a Secretaria de Turismo da Argentina, o grande fluxo de
turistas neste feriado deve se concentrar nas cidades de Mendoza, Bariloche
e Mar del Plata. Também era prevista uma leva de chilenos e uruguaios.
Em Mar del Plata, todos os hotéis de cinco estrelas já estavam com as
reservas completas. Em Mendoza, eram esperados cerca de 30 mil visitantes.
Alguns hotéis de 3 estrelas da região cobravam diárias de 15 pesos (cerca de
R$ 12).
Mas os argentinos também lotaram as estradas ontem para viajar para o
interior do país. Mais um reflexo de que poucos se aventuraram a gastar seus
dólares em cidades do exterior. Como na segunda-feira também será feriado na
Argentina (data dedicada às vítimas da guerra das Malvinas), muitos
decidiram tentar esquecer a crise longe da capital.