Publicada em 28 de abril de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Todas as semanas, chova ou faça sol, há corridas no Jockey Club de São
Paulo. Tem sido assim nos últimos 127 anos. Uma história que começa num
passado memorável e glorioso para chegar a um presente triste e obscuro. Uma
das maiores instituições da capital paulista, que já recebeu a visita da
rainha Elizabeth II, acumula dívidas de R$ 43 milhões e vive hoje uma crise
sem precedentes. Nos últimos sete anos, o movimento de apostas despencou
pela metade. Em 1995, cerca de 2.500 cavalos disputavam os concorridos
páreos de Cidade Jardim. Em março, foram 700 a menos. A insatisfação é tão
grande que alguns proprietários estão levando seus cavalos para correrem em
outros hipódromos do País.
O Jockey Club não paga os proprietários e criadores de cavalos vencedores
desde novembro. A dívida chega a R$ 3 milhões. Por lei, 10% do valor das
apostas deveria ser destinado a eles, mas a antiga administração e a atual
optaram pelo calote. No início de março, Waldyr Prudente de Toledo assumiu a
presidência do clube prometendo retomar o pagamento dos prêmios. Há poucos
dias, numa reunião com os empresários do turfe paulista, foi cobrado pelo
atraso. A promessa virou ofensa. “Fomos chamados de chantagistas”, protesta
Sílvio Crespi, dono da Fazenda e Haras Calunga. Toledo evita o bate-boca e
diz que recebeu o clube numa situação precária: “Na minha primeira
administração (1987 a 1989), deixei 103 quilos e 425 gramas de ouro e hoje o
cofre está vazio.”
Em 1976, quando assumiu a fazenda do pai, Crespi decidiu incrementar a
atividade com a criação do puro-sangue inglês. Hoje, tem 120 animais da
raça. Nos últimos anos, conquistou uma dezena de troféus. Como todo criador,
deveria tentar cruzar a totalidade de suas éguas para produzir futuros
campeões. Mas, das 50 éguas do haras, só 20 vão seguir esse destino este
ano. Dos 29 potros que tem, acredita que, se vender 10, já será uma vitória.
Conseqüência direta dos R$ 30 mil que não recebe do Jockey Club.
O ex-presidente do Banco Central Ibrahim Eris, proprietário de uma dezena de
cavalos de primeira linha, deveria participar dos tradicionais leilões para
arrematar futuros campeões. É pouco provável que o faça em 2002. Esse quadro
de desilusão e cautela faz parte do mundo do turfe paulista nos últimos
meses. Só que é também uma bola de neve. Com o declínio da produção de novos
cavalos e da compra nos leilões, a qualidade dos páreos seguirá a mesma
tendência. E os apostadores podem ficar com menos vontade de jogar. “Muitos
vão desistir de correr com seus cavalos aqui ou vão para o Rio”, sentencia
Eris.
São Paulo vai na contramão da história da criação de cavalos de corrida no
País. De antigo importador de animais, o Brasil tornou-se um exportador de
campeões. Hoje, nove cavalos brasileiros são ganhadores das principais
provas nos Estados Unidos, o número 1 no turfe mundial. Nascida no Rio,
Riboleta, ou Eclipse Award, foi eleita a égua de 2001 pela comunidade
turfística norte-americana. “Em compensação, nunca o turfe brasileiro esteve
tão em baixa e o de São Paulo mais ainda”, afirma Jael B. Barros, presidente
da Associação Brasileira de Criadores e Proprietários de Cavalos de Corrida.
Apostas – O clube paulistano perdeu o status de maior hipódromo brasileiro.
O Jockey Club Brasileiro, na Gávea, assumiu esse posto em 1997, quando
acumulou R$ 154,6 milhões em apostas. Em Cidade Jardim, o arrecadado naquele
ano foi R$ 132,2 milhões. De lá para cá, o Rio manteve a supremacia e hoje
detém 60% do movimento geral das apostas entre os quatro maiores hipódromos
do País – que inclui ainda os do Rio Grande do Sul e do Paraná. Em 2001, São
Paulo obteve 36% do dinheiro gasto pelos apostadores. Há sete anos, esse
porcentual era de 53%.
Dirigentes e empresários do turfe atribuem o declínio no número de apostas
nos hipódromos à concorrência com outros tipos de jogos. É uma verdade
comprovada na queda de 22,6% no movimento geral de apostas de 1995 até o ano
passado, quando fechou com R$ 261 milhões. Em igual período, a Caixa
Econômica Federal criou loterias, aguçou o interesse do brasileiro e viu sua
arrecadação saltar de R$ 1,6 bilhão para R$ 2,8 bilhões. Um crescimento de
71,7%. Há, ainda, a concorrência com os bingos, os jogos de apostas da
Internet, o jogo do bicho e as máquinas caça-níqueis.
Quem visita o Jockey Club de São Paulo num dia de corrida verá públicos
distintos. Nos restaurantes Cânter e Mercearia, há muitos jovens de ambos os
sexos que vão para lá conversar, namorar e flertar. Mas são poucos os que
prestam atenção aos cavalos. Já nas arquibancadas e nos salões de apostas
circulam os senhores de cabelos brancos, os poucos jovens que os acompanham
e raras mulheres. São os apostadores contumazes. Buscam transformar R$ 1 em
R$ 1,10, ao apostar na chamada “barbada”, o cavalo favorito, ou arriscam num
azarão, esperando sair com um lucro de 10, 15 e até de 80 vezes o que
apostaram.
A média em São Paulo é de 1.300 apostadores nos fins de semana. Mas nem
todos vão até Cidade Jardim para fazer suas apostas. As 60 agências virtuais
de turfe espalhadas pela capital, interior e outros Estados já detêm 60% do
movimento geral de apostas. São praticamente livres de fiscalização. E é aí
que paira uma suspeita de evasão da receita. O diretor-financeiro do Jockey
Club de São Paulo, Oscar Faria Borges, admite que nesses locais possa haver
a presença do bookmaker, uma espécie de banqueiro que patrocina o jogo com
dinheiro próprio e não informa nada ao clube. Ou seja, se alguém aposta R$
100 num cavalo em uma agência e perde, esse dinheiro fica no bolso do
bookmaker.
Para fazer frente a essa ameaça, a atual administração decidiu dar um
desconto de 20% a quem apostar mais de R$ 500 via teleturfe, o jogo pelo
telefone. Se perder, só paga R$ 400. “É o Jockey Club se adaptando para que
o banqueiro não banque o jogo”, explica Borges. Ele acredita que, com essa
medida e o aumento da fiscalização, a arrecadação possa crescer 15%. A
vigilância está sendo feita da seguinte forma: se o movimento geral de
apostas aumenta, mas os números de uma agência não seguem essa tendência, o
proprietário do ponto é chamado para dar explicações.
Aval – Outra saída que a atual diretoria do clube paulista acredita ser
providencial é a instalação de mil “máquinas simuladoras de corridas de
cavalos”, o que renderia mais R$ 1,2 milhão por mês. “Estamos numa reta
final. Estive em Brasília na semana retrasada e os resultados foram muito
otimistas pela futura liberação”, diz Borges. Esses aparelhos eletrônicos
têm tanto vínculo com a atividade turfística quanto os caça-níqueis
espalhados pelos botecos de todo o País.
Ainda assim, o Ministério da Agricultura, que controla a atividade, está
apoiando as máquinas como “a única forma para viabilizar o turfe no Brasil”,
nas palavras de Júlio Puga, diretor da área turfística no ministério. “Esta
também é a posição do ministro Pratini de Moraes, com certeza, porque vai
gerar benefícios para a agricultura do País.” A Procuradoria Geral da
Fazenda Nacional vetou o primeiro parecer liberando o jogo.
Em 2001, essas máquinas foram responsáveis pelo aumento de 3,6% na
arrecadação dos hipódromos dos Estados Unidos, atingindo a soma de US$ 1,1
bilhão. Já o movimento geral de apostas teve uma redução de 1,2% e fechou o
ano em US$ 14,2 bilhões. “Se o Jockey Club de São Paulo não entrar no mundo
dos jogos eletrônicos, vai caminhar para a insolvência”, afirma Hugo Sérgio
Nieri, criador e proprietário de cavalos de corrida.
Grisi: ‘Rombo monstruoso vem de longa data e não será pago tão cedo’
O Jockey Club de São Paulo tem dívidas a pagar e a receber. Dos seus 6 mil
sócios, metade deve R$ 9 milhões em mensalidades atrasadas. Por isso, a
atual gestão está admitindo mil novos sócios. Os 500 primeiros pagarão R$ 2
mil e os outros 500, R$ 3 mil, por um título que, no passado, já chegou a
custar R$ 10 mil. O aumento da arrecadação, contudo, só será sentido a
partir de julho. Até lá, esse dinheiro servirá para pagar uma dívida com o
BCN. E essa não é a única verba comprometida.
Para administrar o Jockey Club de São Paulo, em Cidade Jardim, o
ex-presidente Antonio Grisi Filho contraiu um empréstimo de R$ 3,3 milhões.
Ao sair, comprometeu várias rendas do clube para saldar a dívida. Como os R$
80 mil dos 25 painéis luminosos expostos no muro da Marginal Pinheiros,
pelos próximos 21 meses, ou o aluguel de R$ 47 mil do terreno do Colégio
Equipe, por 20 meses, ou, ainda, os R$ 160 mil do aluguel do estacionamento
de um prédio na Boa Vista, sede social, durante um ano e dois meses.
Ex-banqueiro do BCN, Grisi Filho foi o responsável pela suspensão, desde
novembro, do pagamento de prêmios aos criadores e proprietários de cavalos
de corrida. “Eu tenho moral, porque não recebi um tostão desde então”,
justifica-se o ex-presidente, dono de 40 animais e um dos maiores
apostadores do Jockey Club – num mês, chegava a apostar mais de R$ 50 mil.
Ele admite ter algumas falhas na gestão, como não ter conseguido adotar a
terceirização ou aumentar o movimento geral das apostas. “Mas criamos novas
modalidades de jogos e fizemos algumas obras sociais. O rombo monstruoso
vinha de longa data e não vai ser pago tão cedo.”
Uma outra dívida que preocupa é a trabalhista – supera R$ 1 milhão. Nos
últimos três anos, 200 funcionários foram demitidos e os atuais 630 não
receberam aumento. O presidente Waldyr Prudente de Toledo orgulha-se de ter
mandado embora, no primeiro mês de sua gestão, um “marajá” que recebia R$ 30
mil.
Para criar receitas, o posto de gasolina ao lado do clube está à venda por
R$ 7 milhões. O Jockey Club quer, ainda, receber R$ 35 milhões pelos 156 mil
metros quadrados da Chácara do Ferreira, na Vila Sônia. Mas, segundo uma
diretora da Prefeitura, o valor deve ser bem inferior. Outros R$ 15 milhões
devem vir da desapropriação do terreno utilizado no alargamento da Marginal
Pinheiros. Muitos empresários do turfe paulista também defendem a venda de
parte do rico acervo de obras de arte, como as de Di Cavalcanti e Victor
Brecheret.
A situação do Rio é mais confortável e causa inveja. No ano passado,
criadores e proprietários fluminenses de 2.300 cavalos de corrida receberam
R$ 20 milhões em prêmios, ante os R$ 14,3 milhões dos valores pagos aos
paulistas, com seus 1.800 animais. “Trabalhamos na divulgação da marca do
Jockey Club Brasileiro, tentando desmistificar o turfe e descaracterizá-lo
como um simples jogo”, explica o controler Clóvis Martins Frota. Em 2000 e
2001, o clube obteve lucro.
Modernização – Nos próximos dois meses, o clube carioca espera fechar o
contrato de terceirização das apostas. “Nos outros países, os hipódromos são
como empresas. E o turfe precisa de investidores que queiram assumir
riscos”, afirma Sérgio Menezes, um dos membros da comissão que cuida desse
processo. Segundo ele, o controle e a fiscalização do jogo ficarão a cargo
de uma empresa americana ou italiana. Em São Paulo, a terceirização vai
ficar para um segundo momento.
Também de causar inveja a São Paulo é a proposta de construção de um
shopping center no Jockey Club do Paraná. A empresa portuguesa Sonae
Imobiliária vai investir R$ 140 milhões no negócio, o que renderá R$ 1,4
milhão por ano ao clube paranaense. O Parque Jockey terá 120 mil metros
quadrados de área construída e permitirá uma ampla visão das pistas de
corrida. Ou seja, atrairá mais apostadores. Em São Paulo, existe um projeto
para a construção do Jockey Plaza Show, um complexo de 30 mil metros
quadrados, com salas de cinema, teatro e praças de alimentação. É uma boa
intenção, engavetada há cinco anos.