Publicada em 21 de maio de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
ULSAN – Se um torcedor brasileiro incomoda muita gente, imaginem cinco
barulhentos e irreverentes gaúchos que foram os primeiros a chegar à Coréia
para torcer para a seleção brasileira. Que respondam os comportados coreanos
que ouvem surpresos gritos de “olá”, “obrigado”, “desculpa” e
“lembrancinha”, tudo num ‘coreanês’ divinamente mal falado.
Há dez dias, eles distribuem fitinhas verde-amarelas pelas ruas, buzinadas
nos semáforos e sorrisos fáceis para a população de Ulsan, cidade onde o
Brasil estréia no dia 3. Se são poucos os brasileiros que atravessarão o
mundo para assistir a esta Copa do Mundo, pelo menos esses já fazem a
diferença.
Veterano em mundiais, o quinteto veio com a cara-de-pau e coragem para
enfrentar países que pouco ou nada conhecia. Quem vê os cinco hoje nas ruas,
imagina o contrário. Exceto quando entram com o carro numa auto-estrada por
engano, são capazes de proezas como a de roubar o sorriso de sisudos pais
que pedem aos filhos para não acenar porque é feio na Coréia.
Dentro do Brazuca Móvel, uma van enfeitada com inúmeras menções ao Brasil e
alugada por US$ 2 mil por mês, os gaúchos estão conquistando a simpatia dos
coreanos. De tabela, vão colecionando lembranças que acabam trocando.
Tudo por apenas uma fitinha entre as 10 mil que trouxeram. Como? “Basta
dizer ‘pakotiuseiô’ e dar o brinde”, ensina o advogado Paulo Alexandre
Damasceno, de 48 anos.
O rico dicionário de palavras e expressões inclui o “mek tiu tiu zeio”, que,
garantem, significa “me dá uma cerveja”. “Há muito mais brasileiros com mais
dinheiro do que nós, mas temos a coragem de vir e, se for preciso, até
dormiríamos na van”, afirma o microempresário Clóvis Fernandes, de 47 anos e
presente nas últimas quatro Copas.
Agora, instalados num apartamento de dois quartos alugado por R$ 2 mil, o
que mais fazem é sair às ruas para confratenizar com os coreanos. Um dos
locais preferidos é o Hotel Hyundai, onde a seleção ficará hospedada. Ainda
com mais fitinhas, tornaram-se amigos dos gerentes e funcionários. “Tudo é
festa. Andamos fardados o tempo inteiro”, diz Frank Fernandes, de 23 anos,
filho do microempresário.
Cada um do grupo tem uma tarefa nessa república de torcedores.
Fernandes é o motorista e cozinheiro, assim como o empresário Deomar Alves,
de 58 anos em seu segundo mundial. Damasceno é o faxineiro e contador. O
médico Ubahiara Vieira, de 40, lava louças. Frank cuida do site
www.gauchosnacopa.com.br, onde eles mantêm um diário e dão dicas turísticas
para quem está vindo para a Coréia e o Japão. Desta vez, sonham em
transformar tudo num livro.
Ao contrário de outros turistas, que vão à Copa com pacotes de agências de
viagem, os gaúchos preferem ter mais liberdade para conhecer melhor o país
e, claro, seguir como carrapatos o time de Felipão. Durante esse tempo,
deixam as mulheres, quando possível, tomando conta de seus negócios. Neste
“outro lado do mundo”, nada de receber notícia ruim do Brasil. Quem disse
que torcedor também não faz concentração?
Coreanos temem que escândalo político possa respingar na Copa
ULSAN – Quando tudo parecia estar na mais perfeita ordem, o surgimento de um
escândalo político na Coréia já causa mal-estar no país. Tanto que o
primeiro-ministro Lee Han-dong fez ontem apelo público aos três maiores
partidos para uma trégua durante a Copa. Ele teme que o caso envolvendo o
filho mais novo do presidente Kim Dae-jung, acusado de suborno e tráfico de
influência, ganhe os holofotes da imprensa mundial. Mas o Grand National
Party (GNP), o maior da Assembléia Nacional, recusou a proposta e afirmou
que continuará no ataque.
Kim Hong-gul foi preso no sábado à noite sob a acusação de ter aceitado US$
1,2 milhão de empresários. “Peço desculpas por ter causado problemas a
tantas pessoas e aos meus pais”, declarou às TVs locais. Parte do dinheiro
teria vindo do uso de influência para ajudar uma companhia, a Tiger Pools
International, a vencer licitação nas loterias coreanas e a outra em troca
de favorecimento a uma construtora. “Se os partidos suspendessem os ataques,
seria grande contribuição para o Mundial”, afirmou Lee.
O líder do GNP declarou ao jornal Korea Herald que o seu partido vai lutar
para que o parlamento investigue o caçula do presidente. “A corrupção é
inaceitável numa família presidencial. O governo não deveria encobrir o
caso, nem tentar subestimá-lo.” Os outros dois partidos, United Liberal
Democrats e o Millennium Democratic Party, declararam que vão aceitar a
trégua, já que sem essa pressão a Copa poderá ter mais êxito na Coréia que
no Japão, disputa latente no imaginário de muitos coreanos.