Publicada em 9 de junho de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
JEJU – O torcedor brasileiro é, antes de mais nada, um ingrato. Reclama de
tudo: dos jogadores, do técnico, do juiz, da bola… Nem a grama escapa.
Gritam o tempo inteiro. Se pudessem, entrariam em campo para jogar. Como não
podem, incorporam a figura de Felipão e, do alto das arquibancadas,
“comandam” o time. Viram palpiteiros em tempo integral.
“Vai lá, Brasil”, grita o aposentado Flaerte Brasil, de 67 anos, logo que o
árbitro dá início ao jogo. O nome vem de berço e cai como uma luva no
flamenguista e fã da seleção brasileira. Com vaga garantida nas
arquibancadas, vai seguir o time de Felipão pela Copa. Se torcedor não
palpita, não é torcedor. “Ô, Ronaldo, corre mais. Tá lerdo, é? O
meio-de-campo está uma coisa, não arma nada.”
O Brasil pode estar ganhando por um ou dois gols. Não tem jeito. Palpiteiro
sempre quer mais. “Engole a bola, Rivaldo!”, grita o administrador de
empresas Roberto Grandotto, de 45 anos. Torcedor da Lusa, ele freqüenta os
estádios em São Paulo e é um técnico fora de campo. “Vamos falar a verdade,
esse é um jogo-treino. Por que não entra o Kaká?”
Durante todo o primeiro tempo, Grandotto comenta cada jogada errada do
Brasil ou da China. “Eles (os chineses) são ruins demais. São mais torcida
do que futebol. Ô, Cafu, pelo amor de Deus, não faz isso!”, protesta. “Eu
sei que o Felipão não vai me ouvir, mas não custa gritar.”
Para os palpiteiros, o Brasil só jogou bem no primeiro tempo. No segundo,
impacientes, começam a gritar, no fundo, para eles mesmos. Ficam de olho na
bola e em quem quiser discutir futebol na arquibancada. São solidários entre
si, mas nem sempre têm a mesma opinião. “O Cafu está jogando a sua Copa do
Mundo”, diz o vendedor paulista Daniel de Jesus Dono, de 39 anos. “Para mim,
o Cafu é um enganador”, rebate Brasil.
No segundo tempo, os palpiteiros até aplaudem o time da China e elogiam a
torcida adversária. “Eles não param de vibrar um minuto”, comenta Dono. “Os
chineses merecem um gol. Seria o primeiro da história deles”, diz Grandotto.
Mas querem sempre que o Brasil goleie e jogue bem.
É nessas horas que se entende a revolta de Scolari, que, muitas vezes,
ironiza jornalistas e torcedores por desaprovarem tanto o time que está
ganhando. “Todos nós temos a facilidade de escolher uma seleção ideal”,
garante Brasil.
Fim de jogo. Na arquibancada, começam os abraços entre os torcedores e o
samba. Eles se preparam para sair do estádio, mas acham que vão embora com
um gostinho de quero mais. “O time precisa se empenhar mais na segunda
fase”, diz Grandotto. “Foi 50%, né? Só jogou metade do jogo”, afirma Dono.
“Foi bom, mas podia ser melhor”, completa Brasil. Palpiteiro é assim mesmo,
nunca está satisfeito com o time.
Aula de torcida – Os chineses deram um show à parte. Vibraram o tempo todo
e, apesar de o time não ter feito o sonhado primeiro gol em Mundiais,
deixaram o estádio em estado de graça. “Foi lindo, jogamos bem e vamos
embora de cabeça erguida”, comentou o empresário Li Ho Xiang. Na praça em
frente do estádio, uma multidão de chineses trocava camisetas, bonés e
bottons. Mas o que mais queriam era tirar fotos ao lado de brasileiros. “São
muito bonitos”, justificou o empresário Chan Jin.
Na festa da vitória, churrasco e samba
JEJU – A cena era surreal, mas o gosto era mesmo de churrasco brasileiro.
Para festejar a segunda vitória da seleção, um grupo de turistas decidiu
montar uma churrasqueira a menos de 500 metros do Estádio de Seogwipo.
Incrédulos, bombeiros e policiais logo apareceram ao ver tanta fumaça no
céu. Acharam graça e aceitaram experimentar o jeito bem brasileiro de fazer
uma carne na brasa.
O churrasco foi feito no terreno de um pequeno comércio de Yang Young-Woo,
de 27 anos. Ao ver tantos torcedores chegando, ficou mais do que satisfeito
por ter cedido o local. Só não aprovou muito a carne, que considerou um
pouco salgada. “Começamos com o churrasco na Copa do México, depois nos
Estados Unidos, na França e agora na Coréia do Sul”, explicou o empresário e
“churrasqueiro” Francisco Novelletto Neto, de 47 anos.
Nascido no Sul, ele admitia não se tratar de um autêntico churrasco gaúcho,
mas o que importava era a alegria. “Futebol melhor a gente vê todo domingo
no Brasil. Mas essa emoção ninguém nos tira.”
Para promover o churrasco após o jogo, juntou-se a fome com a vontade de
comer. No caso, uma comida no estilo brasileiro. No grupo, a maioria já
estava reclamando dos pratos apimentados na Coréia. “Precisávamos muito de
um churrasquinho e uma caipirinha”, explicou o empresário paulista Luís
Bellingeri, de 39 anos.
A “caipirinha” da noite foi feita pelo empresário paulista Luiz Alberto
Ferrari, de 52 anos. Na falta de pinga ou vodca, a bebida foi preparada com
6,5 litros de rum. “É, isso a gente não costuma fazer no Brasil.” Foram
comprados 60 quilos de carnes de boi e de porco coreanas. Tudo para saciar a
fome dos quase 50 turistas. Cheiro vai, cheiro vem e lá se aproximaram
brasileiros, coreanos, japoneses e americanos. Mais de 120 pessoas mataram a
vontade de comer carne na brasa. “O povo brasileiro sabe se divertir,
enquanto o coreano só pensa no trabalho”, resumiu o universitário Yu
Sung-Han, de 24 anos.
Mais festa – E o samba? A turma do churrasco não arriscou nada, nem mesmo um
pagode mal tocado. Mas teve batucada brasileira na Ilha de Jeju. Até as
2h30, um grupo de brasileiros fazia a animação da Worldcup Street, uma rua
no centro de Seogwipo, enfeitada com motivos da Copa. “É maravilhoso chegar
aqui e encontrar o espírito brasileiro num país tão distante”, afirmou a
publicitária Adriana Mendes, de 31 anos, que realiza com o marido uma viagem
ao redor do mundo. Por causa da Copa, decidiram dar uma esticada até a
Coréia do Sul e o Japão. “Não podia deixar de vir.”
A batucada fez efeito e fãs do futebol do Brasil logo se reuniram para
sambar com os brasileiros. Havia de tudo um pouco: orientais, europeus e
americanos. “Já vi até coreano tocando nossos instrumentos”, afirmou
Adriana. Para uma segunda vitória da seleção, está de bom tamanho. Muito
melhor do que terminar a festa na porta de uma lanchonete.