Hiroshima, cheia de vida e alegria

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Publicada em 17 de junho de 2002
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
HIROSHIMA – Tomomi Oda e Mayura Hanaoka passam algumas horas dos fins de
semana sobre a Ponte Motoyasu. A passagem fica a 600 metros do epicentro da
primeira e mais destrutiva bomba atômica já detonada no planeta. Ela liga o
Parque Memorial pela Paz e a cúpula de um antigo prédio da prefeitura de
Hiroshima, cujos escombros foram preservados. Hoje, a via serve de palco
para jovens japoneses se apresentarem livremente. Todos cantam músicas
alegres.
Hiroshima preserva momentos como esses. É um erro imaginar que se trata de
um lugar triste ou carregado pelas lembranças sombrias do passado. Há vida e
alegria. Como em todo Japão, centenas de pessoas andam apressadas pelas ruas
do centro.
Nos fins de semana, vão às compras, comem nos restaurantes e saem para se
divertir com os amigos. “Amamos a música”, diz Tomomi, que toca violão.
“Gostamos de falar de coisas alegres”, afirma Mayura. Elas têm 15 anos e
estudam num colégio da cidade. É lá que aprendem, uma hora por semana, a
história da bomba atômica. A prefeitura de Hiroshima adotou a medida há
poucos anos porque percebeu que os mais jovens estão deixando de se importar
com o passado.
O funcionário público Hiroyuki Tamae, de 40 anos, pertence à geração que
ouviu dos próprios pais o sofrimento provocado pela bomba atômica. “As
pessoas que vêm de fora, às vezes, sabem mais do que alguns moradores
daqui”, diz. Seus pais viviam num vilarejo próximo a Hiroshima, não foram
atingidos, mas viram o imenso cogumelo da explosão do 6 de agosto de 1945.
“Os jovens deveriam manter viva essa lição para ensinar às novas gerações”,
afirma Namba Tomoshimasu, de 60 anos, segurança do prédio Banco do Japão,
uma das poucas construções que manteve boa parte da estrutura de pé. No dia
da bomba, a família dele havia viajado para outra cidade, fugindo da guerra.
“Não podemos esquecer o que aconteceu em Hiroshima e Nagasaki”, diz, citando
a outra cidade-alvo da insensatez americana.
Desde 1968, a prefeitura de Hiroshima faz questão de enviar telegramas para
governantes e líderes de alguns países como protesto contra a indústria
armamentista nuclear. A última das 583 cartas foi enviada há uma semana, a
George W. Bush por causa da decisão de Departamento de Energia americano de
concluir a produção de cápsulas detonadoras de bombas. “Essa visão egoísta e
a posição unilateral prejudica o processo internacional pela paz”, diz o
prefeito Tadatoshi Akiba.
O empresário Manoj Agrawal e sua mulher, Shivali, sentiram-se incomodados no
museu que relembra a bomba atômica. Mais especificamente com um dos painéis
que critica a posição da Índia e do Paquistão de continuarem realizando
testes nucleares. “Do ponto de vista humanitário, estamos errados. Mas se
chineses e paquistaneses, que são nossos vizinhos, têm armas, precisamos
tê-las como forma de defesa”, justifica Agrawal.
O Parque Memorial pela Paz é a principal atração turística de Hiroshima. O
museu sobre a bomba recebe cerca de 1 milhão de visitantes por ano. Lá se
ensina que a cidade não sucumbiu às previsões pessimistas de que ela seria
inabitável por mais de 75 anos. Logo depois da explosão, os moradores
regressaram e construíram abrigos provisórios.
Hiroshima, antes de 6 de agosto de 1945, era uma cidade reverenciada pelas
boas escolas e as cinco bases militares que possuía. Por esse motivo,
tornou-se alvo dos ataques americanos.
Com a mão-de-obra escassa, coreanos e chineses foram recrutados para
trabalhar nas fábricas que abasteciam os militares. Os pais da comerciante
chinesa Amai Wan, de 30 anos, faziam parte desse grupo. “Eles viram toda a
destruição, mas não foram atingidos. Já amigos do meu pai até hoje têm
problemas de saúde e são obrigados a ir para os hospitais.”

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