Publicada em 23 de junho de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
TÓQUIO – O nome oficial é Japan Railway, ou JR (pronuncia-se “djei-aru”),
mas pode chamar sistema eficiente de transporte público.
Por dia, mais de 25 milhões de japoneses utilizam o transporte ferroviário
do país. São pessoas como o administrador de empresas Higasa Kenichi, de 32
anos, morador de Osaka que vai a Tóquio uma ou duas vezes por semana.
Na terra em que a eficiência é medida também nos ponteiros do relógio, os
trens fazem parte do vaivém de trabalhadores no Japão.
A viagem de avião nos 600 quilômetros entre Tóquio e Osaka dura 1 hora e 15
minutos, enquanto a de trem, o dobro do tempo.
O preço dos bilhetes é quase o mesmo. Só que as 216 partidas diárias da JR
são responsáveis por 84% do transporte entre as duas cidades. “Se fosse de
avião, as chances de chegar atrasado ao emprego seriam grandes”, explica
Kenichi.
Comparação – É covardia comparar os sistemas ferroviário brasileiro e
japonês. A malha de trens do Brasil é mais extensa, porém fica espalhada num
território 22 vezes maior que o do Japão. Ou seja, apenas 0,35% do País é
coberto por ferrovias, enquanto no arquipélago esse número corresponde a
6,26%. Descontando as diversas regiões montanhosas e a concentração
populacional em algumas poucas áreas, o índice fica ainda mais
representativo.
As composições da JR têm um dos menores índices de atraso do planeta.
Na média anual, chega a 0,6 minuto o desvio nos horários dos trens. O
gerente de seguros Toshiki Watanabe, de 30 anos, sabe o que isso significa.
Por duas vezes e para acompanhar um amigo, foi de ônibus de Hamamatsu a
Shizuoka, distantes 80 quilômetros uma da outra. Foram seus únicos dias de
atraso no emprego. “O melhor é que não fico cansado”, diz.
Refeições – Watanabe também aproveita os 30 minutos de viagem para tomar o
café da manhã ou almoçar, conforme a hora em que vai para o serviço ou chega
dele em seu destino.
É hábito nos trens japoneses comer o “eki-ben”. São refeições vendidas em
lojas nas estações e também dentro dos vagões por engraçadas garotas
japonesas (seriam férreo-moças?). Sempre que saem de um vagão, elas fazem um
gesto silencioso de pedido de desculpas. Isso porque, na cultura oriental,
elas acabaram de perturbar o sossego dos passageiros.
Os eki-ben são refeições baratas, práticas e representativas de cada região.
Em Tóquio, os pratos de arroz e pão são denominados Imperial-bentôo; em
Hokkaido, a base é o arroz e a lula.
Há até programas na televisão japonesa que comparam as novidades dos
cardápios regionais. Isso mesmo, um roteiro gastronômico sobre as marmitas
dos trens no Japão.
A história das ferrovias japonesas começou em 1872, com a linha de Tóquio
aYokohama. Nos anos 20 e 30, esse tipo de transporte teve uma grande
expansão, assim como logo após a 2.ª Guerra Mundial, final dos anos 40,
quando o Japão como um todo começou a crescer rapidamente.
Em 1964, o primeiro Shinkansen (conhecido como trem-bala) entrou em
circulação. Vinte e três anos depois, a companhia privada Central Japan
Railway assumiu o sistema ferroviário da falida estatal Japan National
Railways.
Seis subsidiárias da JR tomam conta hoje das ferrovias. A mais importante é
a Central, ou Tokaido-Sanyo Shinkansen, que cobre 23% do território japonês,
mas atende a 58% da população e 62% do Produto Interno Bruto do país.
É por esse motivo que se vê diariamente milhares de estudantes, executivos,
empresários e trabalhadores se misturando nos trens e plataformas.
Roncos – Durante as viagens, estudam, lêem jornais, preparam os últimos
relatórios e muitos dormem. Roncam até. Na hora do rush, alguns viajam de
pé.
Há três tipos de trens que ligam as principais cidades, o Nozomi, o Hikari e
o Kodama. O primeiro é o mais rápido e com menos paradas. O terceiro lembra
mais o trem suburbano brasileiro.
Dois ou três vagões por trem são destinados aos fumantes.
Takeshi Kimpara, de 43 anos, e Rykio Suguimoto, de 53, são parceiros no
emprego e no cigarro. Na volta do trabalho, o trem serve como o local de
happy hour dos dois, já que além de fumar podem beber cerveja para relaxar.
“Podemos relaxar do dia estressante”, diz Kimpara.
Os japoneses são silenciosos dentro dos trens. Poucos conversam e atender o
celular só nos corredores de desembarque.
Não é certo desrespeitar o descanso alheio. “Aqui não tem emoção”, brinca o
fluminense Adriano Brito da Costa Lima, de 35 anos, executivo da Mastercard.
Torcedor brasileiro na Copa, ele ficou impressionado com o respeito dos
japoneses nos trens.
Dos 18 aos 23 anos, ele viajou na Japeri 33, que liga Nova Iguaçu à Central
do Brasil. Era (e é) uma linha perigosa. “Lá, era salve-se quem puder.”
Na estação de Tóquio, uma espécie de Central do Japão, existe a ligação com
o complexo sistema de metrô da capital japonesa. Na verdade, uma confusa e
superlotada estação, onde até os habitantes locais acabam se perdendo.
Na maioria das outras cidades, as composições da JR permitem fazer baldeação
com os trens regionais, que partem do mesmo local e facilitam a vida dos
passageiros.
Mas nem só de pessoas vivem os trens japoneses. Mais de 150 mil toneladas de
carga são transportadas diariamente entre as cidades. A maior parte dela é
composta de bagagens, correspondências e pequenas encomendas.
Quem vê hoje o sistema ferroviário do Japão pode imaginar que ele está
acabado. Pelo contrário, continua sendo expandido com novas estações e
aprimorado.
Parte substancial dos investimentos nos trens do Japão tem sido utilizada no
aperfeiçoamento da tecnologia ferroviária.
Velocidade – Os japoneses querem trens ainda mais velozes. Os Shinkansen
chegam a uma velocidade média de 206 quilômetros por hora – o TGV francês,
205 quilômetros por hora.
Este ano, o Instituto de Pesquisa Técnica da JR pretende testar
experimentalmente o Yamanashi Maglev, uma composição que atinge os 552
quilômetros por hora.
Será, de longe, o trem mais rápido do mundo.