Brasil! Turquia!

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Publicada em 27 de junho de 2002
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
SAITAMA, Japão – Muitos consideram o futebol uma arte. Os japoneses levam ao
pé da letra esse pensamento: querem sempre ver um espetáculo e não ficar
torcendo só para um time.
Desde o início da Copa, eles vão aos estádios para assistir a partidas de
outros países. Nunca vestem a camisa, de fato.
“Se a Turquia fizesse um gol, gritaria da mesma forma”, explicou Ryohei
Moriguchi, estudante de 20 anos. Acompanhado do irmão Syunsulce, de 18, os
dois decidiram torcer pela seleção brasileira porque acreditavam que ela
iria chegar à final. “O bom mesmo é estar aqui”, afirmou o irmão.
O vendedor Hiroaki Shimazu, de 38 anos, e a filha Shinami, de 8,
divertiam-se ao lado dos torcedores brasileiros, que fizeram a festa no fim
do jogo. Shimazu confessou, contudo, que tem preferência pela Alemanha,
outra finalista deste mundial. Então por que os dois foram ao Estádio de
Saitama vestidos de verde-e-amarelo? “Porque o Japão já saiu da Copa, mas eu
acreditava que hoje ele jogaria com o Brasil se tivesse se classificado.”
Deve ser difícil imaginar um torcedor do Corinthians aplaudindo uma bela
jogada do São Paulo em pleno Morumbi. Ou um palmeirense vaiando o próprio
time porque um jogador entrou mais duro no adversário.
No Japão, tudo isso é possível. Poucos minutos depois que Ronaldo fez o gol
da vitória, a Turquia atacou perigosamente e lá estavam os japoneses a
gritarem “oh” e baterem palmas para a jogada.
“Eles não torcem para um time de verdade, por mais que digam que estão
torcendo”, explicou o brasileiro Rogerio Izumi, de 23 anos.
Morando no Japão há mais de 12 anos, ele entende os motivos que fazem os
japoneses torcerem para dois times num mesmo jogo. “No fundo, eles gostam de
aproveitar bem os 90 minutos. Nada mais. Depois, não saem para festejar como
os brasileiros.”
Sua namorada, a japonesa Haruka Kubo, de 22, também torceu para o Brasil,
mas por um motivo particular: “Os jogadores brasileiros são bonitos.”
A turca Kivilcim Parmak, de 21 anos, mora há alguns anos no Japão e sabia
que a maioria dos torcedores optaria pelo Brasil. “Gostamos tanto de futebol
quanto os brasileiros. E torcemos como eles, o tempo inteiro.”
A agente de viagens Eri Kato, de 25, é outra apreciadora de bons e belos
jogadores. Mas tem gosto diferente de Haruba. Para ela, os turcos é que são
bonitos. Eri até comprou uma camisa para se juntar à torcida turca. Mas
mesmo saindo do estádio com a derrota do time que apoiou, a japonesa não
estava triste. “Foi só um jogo mesmo, não?”
Negócios – Há ainda os que aproveitam a viagem para torcer e tentar ganhar
algum dinheiro. Os estudantes ingleses Barry Ungaretti, de 15 anos, e Chris
Stowe, de 21, fizeram isso.
Os dois gastaram o equivalente a 360 mil ienes para viajar até o Japão, mas
em dois dias no país já tinham vendido mais de 300 fotos de jogadores (de
qualidade profissional) de vários times do mundial, cada uma por 1.000 ienes.
A mais procurada era a do jogador-galã Beckham. “Viemos para assistir ao
jogo do Brasil, mas se vendermos tudo já estaremos no lucro”, disse
Ungaretti.
Como eles, vários turistas aproveitaram a viagem ao Japão para vender
produtos em frente aos estádios, como verdadeiros camelôs.

O camelódromo, uma torre de Babel
SAITAMA, Japão – Camisa da seleção brasileira: 3.000 ienes (R$ 70). Óculos
com a bandeira do Brasil: 1.500 ienes (R$ 35). Fotos da “família” Felipão:
1.000 ienes (R$ 25). Bandana verde-e-amarela: 1.000 ienes (R$ 25). Os
valores estão na moeda japonesa, mas o camelódromo é igualzinho ao de um
Morumbi ou um Maracanã em dia de jogo. E não são apenas brasileiros, mas
estrangeiros e até japoneses tentando lucrar um trocado nesta Copa do Mundo.
Os produtos, na maior parte, são falsificados. Verdadeiros só os artigos
vendidos nas bancas oficiais da Fifa. Mas para um torcedor japonês não há
diferença alguma. “Eles só querem comprar algo que lembre o time que está
jogando”, disse a ambulante japonesa Sayara Mori, de 21 anos. Ela lucrou
bastante ontem vendendo mais de 100 camisas de seleções “made in China”. A
estratégia foi entrar com a sacola de roupas escondida na porta do estádio.
“Hoje é 3.000 ienes, na final será 5.000 ienes”, gritava em japonês.
O alagoano Fernando Teixeira Cavalcante, de 38 anos, optou por ficar na
estação de trem Shin-Saitama. Esta é a terceira vez em que o comerciante no
Brasil vira ambulante em Copas do Mundo. “Faço isso porque nasci no
comércio, não sei ficar parado. O negócio é passear e ganhar dinheiro ao
mesmo tempo.” Com a venda de 70 camisas até ontem, Cavalcante espera que
metade dos custos de sua viagem à Coréia e ao Japão seja paga. “Mas está
difícil.”
A israelense Gali Meiri, de 28 anos, mora em Tóquio e está aproveitando a
Copa do Mundo para lucrar um pouco mais. A cada jogo ela se transforma na
ambulante que recebe 25% de comissão para cada óculos vendido. O produto, no
estilo “a gosto para tudo”, era de um amigo escocês. “Ele vende mais porque
veste uma saia escocesa e chama mais atenção.” Também na estação de
Shin-Saitama um “espertinho” vendia a camisa da seleção e até pedaços de
papéis com “autógrafos” de jogadores do Brasil. Perguntado se os produtos
eram verdadeiros, o camelô brasileiro esquivou-se: “Claro, você acha que eu
ia enganar um japonês?”

Kyoto, a cidade das gueixas
KYOTO, Japão – O quarteirão de Gion é formado por ruas estreitas como em
muitas partes do Japão. Sempre no início da noite, a Rua Hanamikoji começa a
ganhar um movimento extra de pessoas andando para cima e para baixo.
Executivos chegam de táxi e entram apressadamente em algumas casas cujas
portas parecem esconder segredos. Turistas perambulam e também estão à
procura de coisas secretas. Todos estão ali por causa delas, as gueixas.
“Não é barato. É preciso marcar antes e cada uma delas custa no mínimo US$
500”, avisa um diretor do Gion Corner, um centro que apresenta um show de
artes típicas japonesas, incluindo as gueixas. Ali o ingresso é de cerca de
US$ 25, mas a atração é típica para turistas.
Os US$ 500 valem para um outro tipo de serviço, o de ser servido numa casa
de chá (ocha-ya) por uma legítima gueixa. Nada além disso. É seguramente o
chá mais caro do planeta. O serviço de luxo afasta os turistas, que optam
pelo show do Gion Corner. Ou eles então se contentam em esperar uma gueixa
sair nas ruas para apanhar um táxi.
“O Japão já é um país caro, a Copa do Mundo é cara, entrar numa casas dessas
então deve ser uma facada. E ainda pagar por um serviço incompleto”, brinca
o bancário Joel Eschiua, de 37 anos. Brasileiro, ele estava acompanhado da
mulher Alexandra, uma uruguaia de 33 anos, ambos interessados em ver de
perto a famosa mulher misteriosa. “Ela é parte da cultura que viaja mundo
afora”, diz Alexandra.
Sorte de quem entra para ser atendido por uma gueixa. Há décadas, faz parte
da rotina de empresários e políticos se reunirem no bairro de Gion. Seguem o
exemplo dos samurais, que se encontravam nas casas de chá para promover
reuniões secretas. Alguns clientes mais ricos acabam se tornando tutores
dessas mulheres.
São eles que bancam os gastos com os quimonos, a maquiagem e a refinada
educação delas. Quando elas surgiram, no século 17, os casamentos eram todos
arranjados e as relações de sedução e romance extra-conjugais serviam como
uma espécie de válvula de escape para os dois lados, o dos clientes e o das
gueixas.
Hoje, mesmo numa sociedade mais aberta, os japoneses parecem não abdicar
delas, que continuam sendo treinadas tal como no princípio. As mais novas,
inclusive menores de idade, são chamadas de maiko e aprendem o ofício com as
senhoras mais velhas, muitas ex-gueixas. É um ciclo que já dura séculos.
Filosofia – Kyoto é a terra das gueixas, mas também de uma série de templos
budistas e onde a cultura oriental presente no imaginário ocidental é mais
viva. Vêem-se casas, praças e jardins tipicamente japoneses. Bem diferente
das imagens urbanas de Tóquio, com seus prédios modernos e exageradamente
iluminados com neon.
O Rokuon-ji é um dos 17 templos de Kyoto. Construído por vontade do xogum
Yoshimitsu e concluído em 1397, ele guarda um dos cartões-postais do Japão.
No meio de um lago rodeado por um jardim que se mantém como há séculos, está
o Kinkaku, uma belíssima construção de três andares, sendo dois folheados a
ouro por fora e com arquitetura relacionada à arte zen.
Em outro templo, o Ryoan-ji, encontra-se o mais fotografado e conhecido
jardim zen do mundo. “É como se fosse um oceano e cada uma das pedras ilhas
perdidas no mar”, descreve o francês Christophe Forni, de 27 anos. “É um
lugar para relaxar e deixar se levar”, completa a sua namorada japonesa
Noriko Mashima, de 30. Os jardins de pedra no estilo zen, ao contrário dos
ocidentais, servem para ser contemplados. Não se caminha neles, apenas se
admira.

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