Publicada em 30 de agosto de 2002
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Há uma trégua declarada dos movimentos sociais no campo em 2002. O número de
invasões de terra até agora chega a 75, menos da metade do ano passado. As
duas maiores organizações, MST e Contag, não planejam novas ondas de
ocupações até outubro, quando ocorrem as eleições. Depois do pleito e até 31
de dezembro, não há nada de peso programado, já que consideram inútil fazer
reivindicações no fim do mandato de Fernando Henrique Cardoso. Para o futuro
presidente, o recado é claro e vem do líder nacional do MST, João Pedro
Stédile: “O campo brasileiro está mais mobilizado e se mobilizará ainda
mais, no próximo governo, se não houver uma mudança radical no modelo
econômico e agrícola.”
A mudança defendida pelo Movimento dos Sem-Terra e pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura atende pelo nome de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT). Por causa das eleições, a Contag não endossou a campanha
pelo tamanho máximo da propriedade rural. “Devemos entrar com toda força
nessa luta num novo Congresso. Agora, a prioridade é a campanha de Lula”,
afirma o vice-presidente da Contag, Alberto Broch. “É natural que esse tipo
de campanha diminua seu ritmo, porque todo mundo acaba se envolvendo em
eleições”, diz Stédile, eleitor de Lula.
O líder do MST afirma que há uma “tendência histórica” de haver redução das
mobilizações no fim de um governo, mas isso não tem que ver com o jogo
eleitoral. “Nesse período, o governo fica esvaziado e o povo percebe que não
tem com quem negociar.” A Contag, empenhada em eleger 17 candidatos a
deputados federal e estadual em nove Estados, acrescenta outra explicação.
“Os mecanismos de Estado de impedir as ocupações de terras também estão
dificultando nossos movimentos”, diz Broch.
MP – A referência é a medida provisória editada em 2001 que exclui do
processo de reforma agrária terras invadidas e invasores. “O governo também
vem aumentando o diálogo com os movimentos do campo e o volume de
assentamentos”, diz o ministro do Desenvolvimento Agrário, José Abrão. Ele
assumiu a pasta em abril, mês com 39 invasões de terra, justamente como
forma de testá-lo à frente do ministério. “Mandei aplicar a lei. Mas se a
redução se deu por causa do ano eleitoral fica mais claro que houve
desvirtuamento da questão agrária”, critica.
D. Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra, lembra que os
movimentos sociais, além de novos assentamentos, querem condições de fixar o
homem no campo, com financiamentos agrícolas e sistema de compras da
produção. Para ele, os candidatos José Serra (PSDB) e Ciro Gomes (PPS)
representam o “continuísmo” da atual política agrária, já que ambos se
declararam contrários à invasão de terras. Sobre o candidato do PT, que
também fez afirmações na mesma linha, d. Balduíno se esquiva: “Num eventual
governo Lula, vai haver fortalecimento das organizações populares.”
O ministro José Abrão lembra que em governos administrados por partidos de
esquerda, como o PT no Rio Grande do Sul e o PSB em Alagoas, o MST tem
“autonomia de vôo” maior, o que significa mais conflitos agrários.
“Independentemente de quem for eleito e de qualquer governo, nosso trabalho
continuará o mesmo. Organizar os pobres para que lutem por seus direitos”,
diz Stédile. “Não temos nenhuma ação programada de invasão de terras. Se
Lula vencer, será mais fácil desenvolvermos o projeto que queremos”, afirma
Broch.