‘A figura pública é ele, não eu’

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Publicada em 28 de outubro de 2002
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
A vida de Marisa Letícia, de 52 anos, se confunde com a de milhares de
brasileiras. Uma típica dona-de-casa da classe média que criou os filhos e
cuidou do orçamento. Passou por dificuldades financeiras, mas realizou o
sonho da casa própria. De origem simples, sempre fez questão de ir ao
supermercado ou à padaria. É dessa forma singela que ela gosta de se ver. A
história, contudo, reservou-lhe um outro papel que só o seu sobrenome
explica. Marisa Letícia é Lula da Silva e, desde ontem, a futura
primeira-dama do Brasil.
“Eu devo isso a essa companheira, que nunca apareceu na TV, que sempre
recusou a dar entrevistas, mas sem ela não teria chegado aonde cheguei”,
define Luiz Inácio Lula da Silva. Há 28 anos, o casal Silva faz da
privacidade familiar uma regra de ouro, liberada para poucos e bons amigos.
Talvez por essa razão, o ex-torneiro mecânico evitava expor Marisa. Era
difícil vê-la e quando isso acontecia agia de forma discreta.
Nesta campanha, ela apareceu como nunca por obra do publicitário Duda
Mendonça. Sozinho, Lula era visto como um homem que se julgava
auto-suficiente pelo eleitorado feminino. Nos comícios, ela levava lenços
para enxugar o suor do marido. Nas carreatas, estava ao seu lado, acenando.
Nos debates, assumia uma tímida tietagem. “O Lula é uma figura carismática,
que as pessoas gostam de abraçar, beijar, pedir autógrafos e até dar
presentes e bilhetinhos”, explica, sem negar o ciúme.
Lula lembra com freqüência do dia em que, ainda sindicalista, chegou em casa
ordenando: “Amoreco, vai colocar comida para mim!” A resposta foi imediata:
“A comida está no fogão, esquenta e come.”
Desta vez, Marisa passou pelo salão de beleza. Mudou o corte de cabelo,
trocou as camisetas do partido por ternos femininos discretos e se submeteu
a uma operação plástica. Mas a essência da mulher de Lula dificilmente
mudará. “Ela não finge o que não é, porque o diplomata é o marido. Marisa
gosta mesmo é de ficar entre amigos, cercada de muita planta e água”, diz
frei Betto. Uma de suas terapias é ir até o sítio da família, na Represa
Billings.
Essa descrição dá uma pequena pista de como vai ser o seu estilo de
primeira-dama. “Sempre participei da vida política de Lula: dou a minha
contribuição, opinião, meu carinho, minha solidariedade, sem que para isso
precise de holofotes virados para mim. A figura pública é ele e não eu.”
Marisa é discreta e admira essa qualidade na primeira-dama Ruth Cardoso. A
comparação pára por aí, porque ela prefere esperar a posse para traçar novos
planos.
Décima filha de um casal de sitiantes italianos, nasceu em São Bernardo do
Campo e teve de conciliar escola e trabalho. Começou como babá e, aos 13
anos, virou operária. Em 1970, funcionária municipal, casou-se com um
motorista de caminhão. Seis meses depois, ele morreu assassinado, quando
Marisa estava grávida.
Encontro – Foi então que ela conheceu seu futuro marido. Em busca da pensão,
em 1973, Marisa foi ao Sindicato de Metalúrgicos, onde o viúvo Lula, do
serviço social da entidade, procurava uma “viúva novinha” (Maria de Lourdes,
a primeira mulher do petista, morrera em 1971 vítima de uma hepatite mal
curada). Os dois se casaram em maio de 1974.
Marisa tem três filhos com Lula. Além deles, cada um tem um filho de outro
casamento. Hoje, é avó-coruja de dois netos. Ela estudou até a 7.ª série. No
seu apartamento, em São Bernardo do Campo, fala-se de política quase todos
os dias. Prefere outros assuntos.
Ela fuma, bebe cerveja e gosta de jogar cartas com amigos. Do signo de
áries, lê diariamente o horóscopo. Avessa à badalação, é econômica para
renovar o armário. Se tem roupas de grife, diz que não sabe. Aprecia música
nacional e, especialmente, Chico Buarque. Marisa Letícia, o “amoreco” ou a
“galega” de Lula, quer entrar e sair da residência oficial, o Palácio da
Alvorada, inovando na forma como gostaria de ser chamada: a
primeira-companheira.

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