Publicada em 4 de maio de 2003
O Estado de S. Paulo
Vinte e três obras estão paralisadas ou nem foram iniciadas, segundo
levantamento atualizado do Tribunal de Contas da União (TCU). Equipes do
órgão de fiscalização do uso do dinheiro público vistoriam periodicamente os
empreendimentos tocados com recursos do governo federal. São hospitais,
escolas, penitenciárias, projetos de irrigação e estradas. Há três semanas,
técnicos visitaram as obras do Hospital Terciário de Natal, planejado para
prestar atendimento especializado para a população do Rio Grande do Norte.
Mas no canteiro de obras, encontraram fundações inacabadas.
Com a paralisação desde dezembro de 1991, o esqueleto do hospital está
totalmente depredado. No papel, quase metade da obra foi realizada. Na
prática, o que os técnicos do TCU encontraram foram pisos destruídos,
tubulações de água e esgoto removidas, janelas, portas, telhas e quadros de
força arrancados. Pelo relatório do tribunal, seriam necessários quase R$ 15
milhões para concluir o hospital. “Assumimos agora e encontramos um
verdadeiro elefante branco. Muito dinheiro ali foi jogado fora”, diz o
coordenador administrativo da Secretaria de Saúde, Carlos Eugênio Pereira de
Oliveira. Para salvar parte da estrutura que restou, o governo estadual teve
de deslocar uma segurança para o local.
O TCU avalia que seriam necessários quase R$ 2,5 bilhões para terminar as 23
obras com irregularidades no País. E, mesmo assim, em apenas 9 seria
possível usar as etapas já concluídas, como o Hospital Terciário de Natal. O
restante teria de começar do zero. Não há estimativa do tamanho do
desperdício com o dinheiro público.
Além da vontade de retomar as obras inacabadas, o governo terá, em alguns
casos, de resolver graves irregularidades. A construção do Presídio Regional
de Goiânia foi interrompida por uma ação de improbidade administrativa
movida pelo Ministério Público Federal. Os procuradores descobriram que o
contrato foi aditado cinco vezes desde 1992 e seu custo teve acréscimo de
320%. O projeto inicial, de R$ 11,6 milhões, previa a construção da Casa de
Prisão Provisória. Tendo quase 90% de recursos da União, foram incorporadas
sem licitação mais duas obras, o Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico e um presídio. O preço saltou para R$ 51 milhões.
Desvio – Há três anos, a população de Sobradinho, no alto sertão baiano,
espera a conclusão de uma obra considerada fundamental para a economia da
região: a Adutora da Serra da Batateira, com a qual será criado um perímetro
de irrigação que beneficiará 3 mil famílias. A adutora é uma das obras
inacabadas iniciadas em governos anteriores. Segundo auditoria realizada no
ano passado por técnicos do TCU, 40% da obra já foi realizada. A interrupção
de recursos federais ocorreu por causa de denúncias de irregularidades
supostamente cometidas pela prefeitura de Sobradinho, que gerencia a obra.
O desvio teria ocorrido na gestão do prefeito Hamilton Pereira (PSDB), que
morreu no último ano do mandato, em 1996. Na época falou-se que R$ 300 mil
foram desviados. O prefeito atual, Luis Berti (PTB), adversário de Pereira,
decidiu repor o dinheiro, mas mesmo assim a situação não foi regularizada
por causa de novas denúncias do vereador Luis Araújo (PT), antigo aliado de
Berti. Araújo garante que o desvio foi maior que os R$ 300 mil. “Isso é
politicagem que está prejudicando toda a população”, garante o secretário de
obras de Sobradinho, José Moacir Torres.
Segundo ele uma recente vistoria da Companhia de Desenvolvimento do Vale de
São Francisco (Codevasf) constatou que a obra está regular. “Sobradinho é um
município pobre, possui 22 mil habitantes e dois grandes empregadores: a
Companhia Hidrelétrica do São Francisco, onde trabalham 300 pessoas, e a
prefeitura, que absorve outras 800”, disse Torres. “Com os quatro
quilômetros de canal já concluídos, 400 pessoas estão utilizando a água para
manter roças de coco, cebola e tomate. Imagine os benefícios que os 18
quilômetros vão propiciar”, disse. O secretário diz confiar que o governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva regularize a situação, liberando os R$
21,4 milhões necessários à conclusão da obra. (Eduardo Nunomura e Biaggio
Talento)
Angra, elefante branco à espera de uma definição do governo
No ano passado, a usina nuclear Angra dos Reis 3 consumiu R$ 63.023.256, o
suficiente para manter 105 mil pessoas com o cartão do Fome Zero. O elevado
valor é gasto com a manutenção do canteiro de obras e equipamentos já
comprados e hoje guardados em galpões. O projeto começou em 1975, com o
termo de cooperação com o governo alemão, e deveria entrar em funcionamento
9 anos depois. Nada disso ocorreu e em 1986 a obra foi paralisada.
O atual governo ainda não informou se continuará a gastar US$ 20 milhões por
ano com a manutenção de Angra 3. A segunda opção seria investir mais US$ 1,8
bilhão, além dos US$ 700 milhões já usados, para concluir o projeto. Neste
caso, em 6 anos a usina deverá gerar 10,9 milhões de MWh por ano, hoje o
equivalente a 3% do consumo de energia elétrica no Brasil. O contrato com a
construtora Andrade Gutierrez continua em vigor e ainda falta a obtenção das
licenças nuclear e ambiental.
Na campanha, Lula afirmou que tinha “horror por obras inacabadas” e para os
eleitores do Tocantins prometeu terminar a Ferrovia Norte-Sul. “É preciso
que essa ferrovia carregue a produção do Estado.” Iniciada em 1987 pelo
então presidente José Sarney, a obra ficou parada por seis anos, nos
mandatos de Fernando Collor e Itamar Franco.
Perda – A Norte-Sul é um dos maiores projetos de infra-estrutura do País.
Quando pronta, cortará o Cerrado e terá 2.066 quilômetros de extensão. O
trecho já em operação vai de Açailândia a Estreito, no Maranhão, e custou
US$ 328,4 milhões. Com o início das obras nos últimos anos, Darcinópolis
(TO) passou a atrair investidores, sobretudo fazendeiros de soja. Mas como
os trilhos ainda não chegaram, escoar o produto é menos rentável e muitos já
diminuíram suas atividades. “Ainda não chegou nenhum trilho na cidade e isso
traz prejuízos”, diz o prefeito Wellington Cesar Ribeiro. A construtora
Valec espera recursos do novo governo para retomar as obras.
No trecho de Goiás, a construção foi iniciada em janeiro, nos 40 quilômetros
entre Anápolis e Petrolina de Goiás, e deve se estender por 510 quilômetros.
Por enquanto, a Ferrovia Norte-Sul só beneficia os maranhenses. Para
concluir os dois trechos do Tocantins e um trecho em Goiás serão necessários
US$ 184,9 milhões.
Internet ajuda a controlar uso de recursos públicos
Numa tentativa de tornar público o controle sobre as obras inacabadas, o
Ministério do Planejamento criou o site www.obrasnet.gov.br. Mantido pela
Caixa Econômica Federal, o serviço, que funciona desde novembro, lista obras
tocadas com recursos administrados pelo banco estatal. O cidadão, contudo,
pode não encontrar o que procura. Só as obras cujos contratos foram
assinados depois de 1996 estão catalogadas.
Um exemplo são as obras de saneamento em bairros de Nilópolis, no Rio. Com
96,42% dos serviços feitos e liberados R$ 7,2 milhões, as obras estão
paradas. O contrato foi assinado em 1997 e previa a destinação de R$ 10,4
milhões para construir canais de esgoto, estações de tratamento e
canalização de córregos. Cerca de 180 mil moradores serão beneficiados.
O site foi criado como uma resposta do governo às constantes denúncias de
mau uso do dinheiro público. Duas comissões parlamentares de inquérito, uma
de 1995 no Senado e outra em 2001 na Câmara, tentaram investigar esse tipo
de desperdício. A primeira produziu o relatório contendo 2.214 obras
inacabadas, das quais 1.172 com recursos da União, que inspirou o Obrasnet.
Escândalo maior do que ter obras inacabadas no País foi a CPI da Câmara. Em
outubro de 2001, o seu relatório final recomendava ao Ministério Público
Federal que continuasse as investigações. Oficialmente, o MPF não recebeu
esse pedido. Ou seja, nada mais foi investigado. Isso depois de o presidente
da CPI, o ex-deputado Damião Feliciano (PMDB-PB), ter sido alvo de uma
denúncia jamais apurada: ele estaria cobrando até R$ 1 milhão para retirar o
nome de construtoras do relatório da comissão.