Uma cadeia de esquemas, propinas e subornos

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Publicada em 25 de maio de 2003
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Quando o paulistano saca R$ 1,70 da carteira para pagar a passagem de um
ônibus, ele alimenta uma cadeia de esquemas, propinas e subornos
bilionários. A operação desmonte desse sistema viciado ganhou força com a
prisão de diretores do Sindicato dos Motoristas, inclusive seu presidente,
Edivaldo Santiago. As investigações iniciais descobriram uma rede de
empresários “laranjas”, a criação de dezenas de empresas para fugir da
fiscalização e o pacto entre sindicalistas e patrões para promover greves.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) já investigava o setor de
ônibus da capital havia um ano e meio. Estima hoje um rombo de R$ 1,758
bilhão dos quatro principais grupos e das empresas independentes. Parte
dessa quantia seria apropriação indébita e outra por sonegação fiscal. O
esquema descoberto pela procuradora-chefe da Divisão de Grandes Devedores,
Sofia Mutchnik, envolve uma eficiente e bem arquitetada assessoria jurídica
das viações. São os advogados que criam e recriam novas companhias.
A lógica é simples: uma empresa endividada e com risco de perder os
contratos de transporte se transforma em outra, com nome limpo na praça.
Antes, os donos deixavam “laranjas” na empresa original e viravam sócios da
nova. Como a fiscalização descobriu o esquema, os “laranjas” passaram a
virar “donos” de viações.
Pertencente ao empresário José Ruas Vaz, a Autoviação Tabu foi criada em
1961 e teve a sua cisão parcial em dezembro de 1996. Nessa operação, os
ônibus, empregados e outros bens foram transferidos para uma nova empresa, a
Vitória. Todos os sócios originais saíram da empresa e entraram outros
quatro: Gerson Antonio de Lucena, José Admilson da Silva Santos, José Simões
e Gilson Nascimento de Oliveira. Nenhum deles declara Imposto de Renda. O
primeiro sempre trabalhou na área de vigilância; o segundo, com comércio de
carnes; e o quarto, no ramo de calçados. O terceiro apresentou um CPF falso.
Débitos – Para o INSS, os quatro novos sócios da Viação Vitória, ex-Tabu,
pouco importam. Tanto que na Justiça a procuradora-chefe reconstituiu nesse
e em casos semelhantes os grupos econômicos de cada uma das 95 empresas que
conduzem ou já conduziram passageiros em São Paulo. Ao traçar quem são os
verdadeiros donos das empresas, o objetivo é cobrar deles todos os débitos
que têm. O Sindicato de Motoristas poderia ajudar na fiscalização. Só que
nada disso ocorreu. Muitas empresas fecharam e houve demissões.
No caso do fechamento da Viação Cidade Tiradentes, o sindicato foi
aconselhado por emissários da Secretaria Municipal de Transportes a pedir
antecipadamente o bloqueio dos bens da empresa. Poderiam pagar os direitos
trabalhistas dos mais de mil funcionários demitidos. Muitos dos ônibus da
companhia estão circulando em linhas da Viação Capital.
Empresários e sindicalistas acertavam acordos benéficos a ambas as partes,
mas prejudiciais aos trabalhadores. A hora extra era paga toda sexta-feira
em dinheiro. Era a “fominha”. O FGTS não era depositado, a não ser em caso
de demissão. “O sindicato que deveria fiscalizar preferia chantagear dizendo
que denunciaria o caso. Aí começava a brincadeira. Os empresários propunham
ajuda se não houvesse a denúncia”, disse o ex-secretário de Transportes,
Carlos Zarattini.
Enquanto esteve à frente da secretaria, Zarattini descobriu na própria
SPTrans uma rede de propinas. Havia taxas para mudar o itinerário das linhas
e dos pontos. Uma parada de ônibus chegou a trocar de local dez vezes porque
era disputada por duas padarias. Em cada mudança, os fiscais da SPTrans
cobravam R$ 5 mil. Os funcionários foram demitidos.

Perueiros estão revoltados com taxa de R$ 84

Um movimento silencioso entre os quase 6 mil perueiros legalizados e
associados em cooperativas pode se transformar nos próximos dias num grande
levante contra a Prefeitura. O motivo é a taxa diária de R$ 84 por veículo,
prevista no contrato de emergência que as cooperativas assinaram para
participar do novo sistema de transporte. O valor será cobrado por 180 dias
e renderá R$ 76 milhões.
“Os R$ 84 são ilegais e inconstitucionais”, afirmou o advogado Bension
Coslosvsky, da Transcooper. Nesta semana, ele irá à Justiça contra a
cobrança. Só a Transcooper deverá pagar R$ 16,6 milhões. Muitos donos de
lotação alegam não terem condição de arcar com a taxa. Fora isso, têm de
pagar taxas para fiscais e mensalidades.
Com o novo sistema, a Prefeitura reduziu de 15 mil para 6 mil os perueiros
na cidade. Esquemas entre lotações clandestinas foram desmontados – como a
cobrança de taxas para rodar nas linhas (R$ 150) ou o direito de explorá-las
(R$ 15 mil). Mais de 3 mil condutores de lotações sem cooperativas voltaram
a ser clandestinos. Só que eles haviam sido legalizados para trabalhar por
sete anos.
Segundo o presidente da Associação dos Transportadores em Autolotação de São
Paulo, Leonilson Pereira da Silva, a exigência da Prefeitura motivou a
criação de cooperativas de fachada. Os clandestinos dizem que continuarão
rodando. E entre os grupos cooperados já há discordâncias. Alguns acusam a
existência de favorecimento a concorrentes na divisão das linhas. Afirmam
que se está formando uma máfia de cooperativas. O passageiro, que agora
depende mais dos lotações, já começa a sentir os efeitos. Na semana passada,
os perueiros conduziam pessoas para os terminais e se recusavam a levar
outras de volta. Pelo sistema, eles só recebem pelos passageiros de ida.
(Eduardo Nunomura e Kátia Azevedo)

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