Publicada em 28 de outubro de 2003
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
RIBEIRÃO BRANCO – Geni e Maria Rosa são vizinhas e parceiras das
dificuldades do dia-a-dia. Têm muitos filhos, os companheiros ganham pouco
na lavoura e, não raras vezes, falta comida para todos. Moram em casas
inacabadas de quatro cômodos, doadas pelo Estado, em Ribeirão Branco, a 229
quilômetros de São Paulo.
Nos últimos anos, as duas foram incluídas no Bolsa-Escola e no Vale-Gás. Foi
um alívio ver a renda familiar de R$ 100 saltar para R$ 145. Ontem, no
primeiro dia de pagamento do Bolsa-Família, o sistema unificador dos
programas sociais do governo Lula, as donas de casa viveram realidades
distintas. Surpresa, Geni recebeu R$ 50 a mais. Frustrada, Maria Rosa não
recebeu nada.
Ribeirão Branco é a terceira cidade paulista com o pior índice de
desenvolvimento humano (IDH). Entre os seus 22 mil habitantes, 13 mil são
pobres. A prefeitura cadastrou 1.917 famílias vivendo com menos de R$ 120
por mês.
Os representantes do Fome Zero, em reuniões passadas, informaram que 1.150
delas seriam contempladas com programas federais de transferência de renda.
Ontem, segundo dados da coordenação em Brasília, 672 benefícios começaram a
ser pagos no município.
“Vai dar um ‘bode’ essa diferença”, comentou a agente de segurança alimentar
do Fome Zero Maria Augusta de Almeida Halec. Representante da prefeitura no
programa, ela desconhecia o início do pagamento do Bolsa-Família.
A secretária de Promoção Social, Inês Aparecida Machado Teixeira, criticou a
falta de orientação. “O governo não quer saber quantos realmente precisam do
benefício. Parece que Brasília manda o dinheiro de um avião.”
Geni Ribeiro da Silva, de 34 anos, recebeu seu dinheiro na lotérica da
cidade. Mãe de quatro filhos, dois na escola, ela tem direito a duas
Bolsa-Escola e um Vale-Gás. Equivale a R$ 45. “Quando me perguntaram se
tinha troco de R$ 5, achei que me dariam R$ 50. Mas recebi R$ 95.” Ontem,
ela levou para casa arroz, feijão, frango e alguns salgadinhos para as
crianças. Gastou R$ 30.
Geni vive com o companheiro, Amador de Almeida, de 57 anos. Na casa, não tem
geladeira, TV ou rádio. Os dois pagam taxa de R$ 40 anuais pela moradia, mas
este ano ainda não conseguiram juntar o dinheiro. Agora, já pensam em quitar
a dívida.
Fiado – Geni contou a novidade para Maria Rosa Marche de Souza, de 53 anos.
Só então soube que a vizinha não tinha recebido nada. “Estou devendo R$ 48
para o açougue e o mercado”, disse Maria Rosa, sem saber como pagará o que
comprou fiado. “Todo mundo sabia que a gente recebia o Bolsa-Escola e o
Vale-Gás. Por isso me vendiam sem dinheiro.” Ela é mãe de oito filhos.
Quando houve uma reunião em setembro e pediram seu nome para incluir no Fome
Zero, Maria Rosa acreditou que a vida iria melhorar. Disseram que receberia
mais R$ 50. Ontem, viu seus benefícios cancelados. Seu marido, Djair Tavares
de Souza, de 46 anos, desconfia que seja porque seus filhos estão faltando
na escola.
Anunciado na semana passada, o Bolsa-Família deve atender 1,2 milhão de
famílias neste mês, 3,6 milhões até o fim do ano e 11 milhões até 2006.
Neste ano, o programa transferirá R$ 4,3 bilhões. Ontem, começaram a ser
pagos benefícios a 3.900 municípios.