Dentro de um ônibus, 21º C e nada de calor

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Publicada em 1 de novembro de 2003
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Do lado de fora, os termômetros da capital indicavam 28º C. O sol forte, o
pouco vento e o tempo abafado completavam a sensação de um dia quente para
os paulistanos. Nada que aborrecesse Flordenice de Jesus Lisboa, de 51 anos.
Sentada num confortável banco de um reluzente Mercedez-Benz, ela apreciava
as cenas da cidade: o Estádio do Morumbi, as Avenidas Cidade Jardim,
Paulista e Brigadeiro Luís Antonio, o Viaduto Dona Paulina e, por fim, as
ruas do Centro Velho. Um longo trajeto que, não fosse o ar-condicionado do
veículo regulado a 21º C, poderia significar um verdadeiro tormento. “Até
que enfim pensaram na gente”, desabafou Flordenice dentro do ônibus 5118,
linha Terminal João Dias-Largo de São Francisco.
Há 16 anos, a empregada doméstica Flordenice utiliza o 5118. Essa, outra
linha e mais um metrô completam sua rotina de quase 6 horas que leva para se
locomover de sua casa em São Miguel Paulista para o Morumbi, onde faz
faxina. “O trabalhador vive do trabalho e dentro do ônibus”, disse,
ressaltando que tem quatro ou cinco horas de sono por dia. Desde anteontem,
ela é uma das beneficiadas com os 42 ônibus com ar-condicionado que passaram
a circular na capital. São, por enquanto, uma ínfima parte da frota total,
composta de cerca de 15 mil ônibus, microônibus e miniônibus de 1.291 linhas.
“Os ônibus começaram a melhorar quando vieram os perueiros. Daí, lembraram
que nós sustentamos eles”, afirmou Flordenice. Ao seu lado, a aposentada
Sidney Silvestre, de 65 anos, não escondia a empolgação: “A dona Marta
(Suplicy) tem de botar esses modelos com ar-condicionado na cidade inteira.”
Comentando a boa qualidade do transporte, ela fazia sua segunda viagem no
5118. “Ontem, estava muito gelado. Hoje, já está mais gostoso. Adorei.”
A Prefeitura não exige das empresas ônibus com ar-condicionado. Cobra
renovação da frota e veículos com fácil acesso para deficientes, idosos e
crianças. O luxo foi iniciativa da Viação Campo Belo. O universitário
Gabriel de Melo, de 19 anos, criticou. “A Marta acha que a população está no
Primeiro Mundo, como nos Estados Unidos. O povo é sofrido, a realidade dele
é outra, não tem ar-condicionado em casa.” O aposentado José Cardoso Souza,
de 65, também não gostou: “É jogar dinheiro fora. Tem de ter luxo, mas não
esse ar.”
Na viagem de 25 quilômetros iniciada às 14h30 e encerrada às 16h10 de ontem,
o Estado acompanhou as primeiras impressões dos passageiros no transporte
com ar- condicionado. A maioria aprovou. Muitos só se deram conta da
novidade dentro dele. A desempregada Renata Rodrigues, de 25 anos, embarcou
e logo estranhou os vidros que não se abriam. “Os outros são sujos, não têm
estofamento. Este aqui é 10. Mas vamos ver daqui a uma semana.”
Se depender do zelo do motorista Wilson Pereira da Conceição e do cobrador
Adilson das Chagas Silva, eles vão ser muito bem cuidados. “É um prêmio
dirigir este carro”, disse Conceição, que, para ver melhor o retrovisor,
mantém seu vidro aberto. “Moço, tem de fechar, senão o ar não funciona
direito”, cobrou a aposentada Sidney ao deixar o ônibus.

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