Publicada em 6 de fevereiro de 2004
O Estado de S. Paulo
EDUARDO NUNOMURA
Foram 32 minutos entre o primeiro passo no barro e o carro saindo da Rua
Ganges, na região do Aricanduva, zona leste. Dentro do Omega blindado, a
prefeita Marta Suplicy (PT), limpa e atormentada com as cenas que acabara de
presenciar. Revoltados, moradores jogaram lama em sua direção, mas não a
atingiram. A visita-surpresa, ontem de manhã, ocorreu justamente quando
centenas de moradores limpavam as casas invadidas pelas águas de mais uma
inundação. Hostilizada por alguns e bem-recebida por outros, ela anunciou
medidas para amenizar o sofrimento das vítimas.
“A prefeita anunciou o SOS Aricanduva”, gritou o secretário Jilmar Tatto
(Transportes) para uma população irritada. O slogan criado da noite para o
dia terá como pontos principais o cadastro das vítimas, a isenção do IPTU
das casas atingidas e o apelo de Marta para que empresários doem roupas,
fogões, geladeiras e móveis. Várias empresas e instituições aderiram. A
Bovespa instalou dois cestos na Rua 15 de Novembro para receber doações. E
hoje, Marta se reúne em Brasília com o ministro da Integração Nacional, Ciro
Gomes, para reivindicar recursos federais.
A visita da prefeita começou às 11h20, quando seu carro estacionou na frente
da fábrica de cabides Prespe.
– Bem não está, né? Até onde foi? – perguntou Marta a Rosemeire Correia.
Como em outros imóveis, a água atingiu mais de 1 metro de altura. A
população já se aglomerava em torno da comitiva, que reunia ainda assessores
e os secretários Roberto Luiz Bortolotto (Infra-Estrutura Urbana) e Carlos
Zarattini (Subprefeituras). Karina Firmo pediu à prefeita que visitasse sua
casa ao lado, no número 738.
– Você paga IPTU? Pelo menos aqui você tem a garantia de que não vai pagar
desta vez.
Mas as pessoas queriam saber por que o piscinão, tão próximo, não deu conta
das águas. Marta explicou:
– Choveu em quatro horas o que chove num mês. O piscinão transbordou.
Conteve um pouco, mas o estrago podia ser maior. A zona leste precisa de 16
piscinões, tem 9 e 8 somos nós que fizemos.
Dali ela partiu para o número 735, uma viela onde outras casas foram
atingidas, mas cujo barro havia sido retirado de madrugada. A essa hora, a
rua estava tomada de moradores. Os mais exaltados gritavam: “Vamos lá
embaixo ver a desgraça”, “Vem na minha casa pisar no barro, sem-vergonha” ou
“Não abraça ela, não”. Nesse momento, alguns jogaram lama. Outros tentavam
controlar os ânimos: “Ela veio aqui, não fugiu, não” ou “Marta, vou dar mais
um voto de confiança a você”.
Na viela, Marta admitiu que ver o drama das pessoas a atormentava. Aos
jornalistas que perguntavam como se sentia ao ser recebida com lama,
respondeu: “Conversei com as pessoas. Não fui recebida com lama, mas com o
desespero das pessoas.” Diante da moradora Margarida da Silva, de 60 anos,
ela fez um apelo:
– Tudo o que podemos doar são colchões, comida e cesta básica. Por isso faço
um apelo. Temos de formar uma rede de solidariedade.
Antes, Marta já havia intimado aos seus assessores que providenciassem
“marmitex” para as pessoas do bairro. Fiscais da subprefeitura do Aricanduva
já cadastravam as vítimas.
Às 11h48, Marta se encaminhou ao carro. Tentou falar, mas os mais
enfurecidos não a deixaram. Assessores contiveram alguns jovens tentando
lançar mais lama. Ela entrou no carro e esperou Tatto falar às pessoas. O
veículo foi cercado, alguns batiam na lataria. Depois de 4 minutos, o Omega
partiu. A lateral traseira apresentava um sinal de amassado. A multidão não
estava satisfeita.