É ano de eleição. E de muita obra no centro

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Publicada em 30 de abril de 2004
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Mudam os prefeitos, mas a velha política de transformar a cidade num
canteiro de obras em ano de eleição permanece. Importantes corredores da
área mais central entraram em reforma, transtornando a vida do paulistano.
Muito diferente dos três primeiros anos do governo Marta Suplicy (PT),
quando a maioria das intervenções foi feita nos bairros da periferia.
Levantamento do Estado sobre investimentos da Prefeitura mostra que só neste
ano a região do centro expandido passou a receber recursos significativos.
Desde o início da atual administração, os investimentos têm sido
direcionados para a periferia. Em 2001, de cada R$ 100 investidos
diretamente num distrito paulistano, R$ 77,40 foram destinados a projetos
voltados para os bairros mais pobres. Algo entre R$ 160 milhões, em 2001, e
R$ 460 milhões, no ano passado.
A proporção de recursos para a periferia tem se mantido na gestão Marta, mas
graças a manobras nos gastos municipais a Prefeitura conseguiu deslocar
milhões de reais para obras em regiões mais favorecidas, como os Jardins e
Pinheiros. Só as duas passagens das Avenidas Rebouças e Cidade Jardim sob a
Faria Lima, iniciadas este ano, consumirão quase R$ 150 milhões.
Marta rejeita a tese de que concentrou obras nas regiões centrais só neste
ano eleitoral. “Não é verdade, estamos construindo desde o primeiro momento,
recapeando a periferia inteira e também as Avenidas Bandeirantes e Faria
Lima, que não são periferia.”
A prefeita diz que algumas intervenções que têm incomodado o paulistano,
como a construção dos corredores de ônibus, os Passa-Rápido, atrasaram por
falta de verbas. “Tivemos de esperar o governo Lula para o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) liberar o recurso. Agora o
que a gente ia fazer? Desistir e dizer que não íamos mais fazer?”
Em entrevista ao Estado no domingo, Marta citou algumas obras, a maioria na
periferia, tocadas ao longo do mandato, como piscinões, superescolas e obras
viárias, caso da Jacu-Pêssego. Mas fez questão de ressaltar que, segundo
pesquisa encomendada pela Prefeitura, seis em cada dez pessoas são
favoráveis às obras em curso.
Eleitoreiras ou não, as obras têm tudo para virar um polêmico tema de
campanha. “Essa vai ser a grande guerra pela opinião pública: opositores
dizendo que o PT transformou a cidade num canteiro de obras e o PT afirmando
que só agora pôde fazer, porque antes teve de fazer ajustes”, diz o
cientista político Carlos Novaes.
Uma comparação de Novaes ajuda a compreender o impacto que essas
intervenções podem ter na definição do voto. O atual canteiro de obras é
como uma dor de dente, muito incômoda. Ela está sendo tratada. Se concluída
a tempo, poucos lembrarão dela no futuro. A prefeita promete concluir as
intervenções em 2004, mas não necessariamente todas antes da eleição.
“O PT sempre procurou sair dos fundões para o centro. Primeiro quis atingir
as margens com os CEUs (Centros Educacionais Unificados). Agora a Marta
pensa em inaugurar algumas obras mais centrais para conquistar o eleitor
dessas regiões”, opina o consultor político Gaudêncio Torquato. “Só que essa
estratégia dava certo na época do (ex-prefeito Paulo) Maluf, que transformou
São Paulo num canteiro de obras.”

Inovação do PT: urbanizar favela cobrando aluguel
Por que um governo do PT, defensor histórico do direito à moradia popular,
fez um projeto habitacional que cobra aluguel justo dos mais pobres? No
Parque do Gato, conjunto de 18 prédios com 486 apartamentos no Bom Retiro,
aluguel virou “locação social”. Moradores da Favela do Gato, na Marginal do
Tietê, alvo inicial do projeto, estão inquietos. “Vamos assinar e pagar
aluguel desde que a prefeita dê esperança de que o imóvel possa ser nosso um
dia”, avisa Vamberto Lemos da Silva, de 52 anos, que preside a associação de
moradores.
Para o secretário de Habitação, Marcos Barreto, porém, o parque pode virar
modelo de urbanização de favelas no País. Pesquisa na Favela do Gato apurou
que a maioria das famílias ganhava menos de 3 salários mínimos. Logo, seria
excluída dos programas de financiamento habitacional. Com a locação social,
elas vão morar num apartamento pagando de 10% a 15% da sua renda – embora
sem título de propriedade.
Barreto acha normal a “resistência” de moradores. “Mas é justo que, na
medida da sua capacidade, eles paguem para alimentar o fundo de habitação
que beneficia outras pessoas na mesma situação.”
Silva, por seu lado, diz que 80% dos moradores da Favela do Gato trabalham
nas ruas, como carroceiros, com renda muito variável. No caso de
desempregados, a situação se complicaria: “Se for despejado, ele terá de ir
para a periferia, onde não vai sobreviver como carroceiro.” A Prefeitura, no
entanto, garante que não despejará desempregados inadimplentes.
Os primeiros 270 apartamentos serão entregues em junho e o restante em
outubro. O parque deve ficar pronto até o fim do ano. Terá creche, paga pela
Rede Accor de Hotéis, centro comercial, telecentro, padaria, farmácia,
pistas de skate e cooper, quadras, mirantes, praças, bosques e jardins. O
Estádio Mie Nishi de beisebol fará parte do complexo.
Os prédios custarão R$ 16 milhões e o parque, R$ 8 milhões. Mas o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) pode reembolsar 100% desse valor,
caso o Senado dê o seu aval à operação.
Há cerca de três semanas, os futuros moradores começaram a visitar
apartamentos decorados por uma loja de móveis populares, já de olho nesse
filão. A carroceira Ivonete Pinheiro, de 30 anos, mãe de quatro filhos, que
já enfrentou incêndios e enchentes, torce o nariz para o aluguel, mas faz
planos. “Ah, em um ano deixo ele como quero, com móveis de bambu, uma tulipa
artificial bem bonita e cortinas de cetim de 7 e poucos reais.”

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