Economia haitiana sobrevive à luz de velas

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Publicada em 4 de junho de 2004
O Estado de S. Paulo

EDUARDO NUNOMURA
Enviado especial
PORTO PRÍNCIPE – A economia haitiana sobrevive à luz de velas, quando
diariamente milhares delas são acesas para manter ativo o comércio informal.
Sorte de Crystela Cella, de 26 anos, a única ambulante que oferece o produto
no bairro de Martissant, um dos mais populosos e desestruturados do Haiti.
Cada uma é vendida por 2,5 gourdes, o equivalente a 23 centavos de real. Mas
ela está longe de ser uma próspera comerciante: tudo o que ganha é gasto em
comida.
O comércio das ruas do Haiti é gigantesco e está em toda parte. Nem os
bairros ricos de Porto Príncipe escapam. Hoje, o setor informal é
responsável por cerca de 85% dos empregos. Parte dessa situação se deve ao
enorme encolhimento da economia. Na década passada, ela caiu em média 0,4%
por ano, o dobro da taxa dos anos 1980, segundo o Banco Mundial. Isso
resultou na pior renda per capita do Hemisfério Ocidental: US$ 440 por ano.
Crystella, que mora com uma filha em Martissant, sabe que seus rendimentos
estão bem abaixo desse valor. Diariamente, vende condimentos, molhos de
tomate, maionese e velas, mas seu lucro é mínimo.
Para cada produto, ela ganha de alguns centavos a 5 gourdes. Só as velas têm
saída rápida. Vende cerca de 30 por dia. A luz é necessária porque no Haiti
a maioria das ruas dos bairros não é iluminada. E os ambulantes precisam
trabalhar até tarde da noite. Crystella, que nunca estudou, termina seu dia
por volta das 22 horas.
O comércio ambulante não paga taxas. Mas há quem lucre com ele. Os agiotas
emprestam dinheiro aos camelôs. A taxa de retorno deles é de 30% – para cada
100 gourdes emprestados, eles recebem 130. Eles são favorecidos pela falta
de crédito, sobretudo para quem não tem emprego formal. Todos os meios são
usados para forçar os endividados a pagarem suas dívidas, até mesmo a
pressão feita por homens armados.
Uma das poucas saídas para se livrar dos mercenários agiotas é contar com as
cooperativas de crédito, como a formada por uma organização de mulheres de
Martissant. Elas cotizam entre as ambulantes cerca de 1 gourde por dia e no
fim do mês reúnem a quantia e entregam parte dela para uma cooperada. O
restante é gasto no salário de seguranças no local, já que quando escurece
os ambulantes têm medo de assaltos.
Jocelin Gary, de 36 anos, está esperando a sua vez. Acredita que o dinheiro
virá em boa hora. Ela virou camelô há cerca de um ano. Cliente das velas de
Crystella, Jocelin trabalha com o marido, um ex-fabricante de bijuterias que
desistiu do emprego por ganhar muito pouco. Os dois não param de fazer,
fritar e vender salgadinhos na rua – alguns vendidos a 0,10 de real. Começam
sempre às 9 horas e só vão terminar por volta da meia-noite.
“Antes trabalhava num hotel, mas perdi o emprego”, lamenta Jocelin. Na
barraca, o casal ganha cerca de 1.750 gourdes por mês (R$ 160). Como vivem
de aluguel, 650 gourdes mensais, e têm de gastar na alimentação, não há
dinheiro suficiente para manter todos os seis filhos na escola.
A economia informal é conseqüência da falência financeira do país como um
todo. O Haiti é dependente de recursos externos, que chegaram a ser cortados
nos últimos meses; do envio de remessas de dólares dos cerca de 2 milhões de
haitianos fora do país; e refém de uma dívida externa de quase US$ 1 bilhão.
Exporta pouco (café, manga, açúcar e arroz) e importa quase tudo (alimentos,
produtos manufaturados, máquinas e combustível). Com o êxodo rural cada vez
mais intenso, a capital Porto Príncipe acaba recebendo uma grande leva de
novos haitianos sem condições de se empregar formalmente. Isso fez com que
hoje de cada dez trabalhadores, sete estejam na economia informal.

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