Publicada em 27 de fevereiro de 2005
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Caso 1: no domingo, pelo menos 50 infratores promovem uma rebelião para
protestar contra a morte de um interno de 15 anos a golpes de faca. Em pleno
dia de visita, dois grupos rivais travam uma batalha campal. Em pânico,
parentes, a maioria mulheres e crianças, se refugiam nas celas por mais de
duas horas à espera de socorro. Colchões são queimados e os menores deixam
os funcionários da segurança acuados. Só depois de três horas, a polícia
consegue pôr fim ao motim.
Caso 2: no mesmo dia, cerca de 500 jovens se rebelam para pedir melhores
condições num outro centro de internação. Invadem salas, queimam colchões e
depredam equipamentos. Do lado de fora, mães ameaçam invadir o complexo
desesperadas pela falta de informação. No fim, a polícia entra à força,
jogando gás lacrimogêneo, e 11 pessoas saem feridas, entre elas uma grávida.
A falência do sistema de contenção e punição de jovens infratores é patente
nos dois casos. O primeiro ocorreu no Centro Educativo de Itauguá, próximo
de Assunção, capital paraguaia. O segundo, no Conselho de Menores de
Tlalpan, Cidade do México. Paraguai e México, e não Brasil.
Exemplos como o da Febem paulista se repetem mundo afora. Basta trocar os
números e as cidades e a constatação é de que muitos governantes ainda não
aprenderam a lidar com o problema da delinqüência juvenil. Sistemas
repressores, em que prevalece a visão de punir o adolescente infrator, é
regra em inúmeros países.
Os Estados Unidos são campeões disparados na adoção do sistema repressor.
“Mataram meu filho. Ele foi tratado como um animal. Carcereiros o surraram”,
diz Allen Feaster, pai de Durrell, um jovem de 18 anos encontrado morto na
Autoridade Juvenil da Califórnia (CYA, em inglês) em janeiro de 2004. A
versão oficial foi morte por enforcamento. Mas Feaster rejeita: “Ele não se
suicidaria. A CYA está destruindo o futuro dos jovens americanos.”
No mês passado, o governador Arnold Schwarzenegger reconheceu a desgraça do
sistema penitenciário juvenil que comanda e prometeu adotar uma abordagem
menos punitiva. Outros Estados americanos estão propensos a repensar esse
modelo (Veja ao lado).
INSEGURANÇA
O ex-consultor do Unicef Emilio Garcia Mendez, especialista na questão,
avalia que o modelo repressor está falido, mas ainda perdura em muitos
países latino-americanos. O motivo seria a vinculação que se faz, inclusive
pelos meios de comunicação, entre insegurança e delinqüência juvenil. Quanto
mais violenta a cidade, mais se pensa em punir os jovens infratores. “O
problema não é ter um sistema duro ou brando. Tem de ser severo e justo.”
Na Argentina, a arbitrariedade é regra para tratar adolescentes em conflito
com a lei. Para começar, não se sabe quantos estão detidos. Depois, cabe só
ao juiz decidir o futuro deles. “Um menino de 16 anos de classe média mata
alguém e vai para casa. Outro olha um restaurante, porque está com fome, e
pode ser preso”, critica Mendez. O reflexo dessa mentalidade se vê em
unidades lotadas, crianças abandonadas misturadas com infratores violentos e
denúncias de maus-tratos.
Nas Américas, o Brasil tem o segundo maior número de menores de 18 anos
encarcerados, mais de 13 mil – metade só nas unidades da Febem. E isso mesmo
possuindo o Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado uma das
legislações mais modernas do mundo, que não prega a internação com privação
de liberdade. “Temos uma lei avançada para um sistema punitivo-repressivo”,
afirma Mario Volpi, oficial de projetos do Unicef.
Volpi cita a Costa Rica como exemplo de país que adota uma visão
socioeducativa. Na prática, só ficam privados de liberdade os casos mais
graves. Jovens que mataram, por exemplo. Atualmente, são 40 nessa situação.
Outros 400 estão em liberdade assistida ou prestando serviços à comunidade.
Mesmo os que estão presos têm direito a freqüentar a escola – prioridade
absoluta. No cumprimento da medida, aprendem profissões úteis, como se
tornar programador de computador – e não costurador de bolas de futebol.
Na Alemanha, um jovem infrator passa em média um ano num internato. Mas lá
tem de estudar e aprender uma profissão respeitando sua orientação
vocacional. Em pequenos grupos, freqüentam cursos antiviolência. A taxa de
jovens cometendo delitos é menos da metade da brasileira.
“O único caminho é realizar um programa sério de reinserção”, diz Stella
Azuaga, diretora do Serviço Nacional de Atenção ao Adolescente Infrator do
Paraguai. No país, há 300 internos. Nos últimos três anos, os paraguaios
tentam mudar a filosofia da mera punição para a educativa. Mas ainda hoje
qualquer tipo de delito leva um jovem para a cela. A um custo de US$ 100
mensais.
“Assumimos numa situação desastrosa. Faltava água, comida. Havia
promiscuidade”, afirma Stella. Há alguns anos, o Paraguai figurava entre os
piores exemplos latino-americanos. Internos chegaram a costurar a boca em
sinal de protesto. Como a Febem paulista, o centro Panchito Lopez foi levado
à Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA.
GANGUES
Especialistas não cansam de repetir que a delinqüência juvenil é fruto de um
contexto social sem perspectivas para crianças e adolescentes. Miséria,
desemprego, narcotráfico, concentração urbana, baixa escolaridade e
desintegração familiar, tudo acaba potencializando esse fenômeno.
Em países da América Central, esse quadro social fez surgir as chamadas
pandillas, grupos de adolescentes e jovens que se reúnem para praticar
crimes. Em El Salvador, quase 2 mil pandilleros estão presos em unidades
criadas só para atender esse tipo de infrator. Segundo a Direção de Centro
Penal de San Salvador, metade é acusada de ter assassinado uma pessoa ou
planejado esse tipo de crime. Estima-se que 10.500 jovens – ou 0,53% da
população de 14 a 24 anos – fazem parte desses grupos.
A repressão juvenil tem se mostrado cada vez menos eficiente. Na Indonésia,
país que adota a pena de morte, jovens têm sido usados por traficantes de
drogas porque sabem que adolescentes cumprem no máximo 15 anos de detenção.
O resultado são prisões abarrotadas de crianças, como em Jacarta. Os outros
exemplos também não são bons. China, Congo, Irã, Paquistão, Iêmen, Nigéria,
Arábia Saudita e Estados Unidos adotam a pena capital para menores. Nos
Estados Unidos, 79 jovens estão no corredor da morte. Mais de 135 mil atrás
das grades. E lá está a mais elevada taxa de jovens criminosos do planeta.