Bolívia terá eleições até dezembro

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Publicada em 11 de junho de 2005
O Estado de S. Paulo

Eduardo Nunomura
Enviado especial
SUCRE, BOLÍVIA
“Um marco real e factível.” Essa é a posição e meta do novo presidente da
Bolívia, Eduardo Rodríguez Veltzé, para chegar a um consenso sobre o tema
dos hidrocarbonetos. Questão nevrálgica para o destino boliviano, a
nacionalização do petróleo e do gás só deve ser levada à mesa de negociações
depois de um debate imprescindível com os setores que querem fechar as
portas do país para multinacionais como a Petrobrás e retomar 100% das
reservas desses minerais.
Um passo nesse sentido, garantiu Rodríguez numa entrevista coletiva da qual
a reportagem do Estado participou, na madrugada de ontem, pode ser dado a
partir das novas relações que vão ser estabelecidas entre Executivo e
Legislativo.
A agenda nacional proposta por Rodríguez prevê algumas ações prioritárias:
pacificar o país, restabelecer relações positivas entre governo e
parlamentares, convocar eleições gerais até dezembro e, talvez, aproveitar
esta oportunidade para viabilizar uma Assembléia Constituinte e um referendo
para autonomia dos departamentos (o equivalente aos Estados brasileiros).
“Como abordar cada um desses temas dependerá muito do cenário de consenso
com o Legislativo, as regiões e os setores mais interessados”, afirmou. “Em
princípio, me parece uma opção muito interessante unir num só ato eleitoral
várias agendas, mas isso o Congresso decidirá.”
Rodríguez mede cada palavra antes de proferi-la e não é dado a gestos
largos, como, por exemplo, o presidente do Congresso, Hormando Vaca Díez,
que até a última hora tentou ocupar o cargo máximo da Bolívia. Depois de
participar, após a posse, de um coquetel na prefeitura de Sucre, capital
constitucional do país e palco de uma transição histórica de poder, o novo
presidente falou rapidamente com a imprensa e não escondeu que estava feliz
pelo desafio que tem pela frente.
“Até o momento, as dificuldades políticas não ofereceram o cenário propício
para avançar no caminho das soluções. Chegamos a um acordo com o Legislativo
para começar a solucionar a crise política”, disse. No discurso de posse,
Rodríguez já havia expressado a intenção de aparar todas as arestas que
inviabilizaram o governo de seu antecessor, Carlos Mesa. Num sinal evidente
de que necessita do apoio dos parlamentares, ele citou Vaca Díez e Mario
Cossío, presidente da Câmara, cinco vezes.
O atual Congresso boliviano é odiado pelos movimentos sociais. Por essa
razão, ele lembrou que a definição da data das eleições gerais é de
responsabilidade dos parlamentares, mas já se sabe que elas deverão ocorrer
até dezembro. O mandato de Rodríguez é de 180 dias. Nesse período, o novo
presidente afirmou que uma de suas tarefas mais difíceis será recuperar a
autoridade do Estado, visivelmente debilitada.
Também num claro sinal de que quer o apoio das massas, ele declarou que vai
ajudar a família do mineiro morto anteontem em confronto de manifestantes
com soldados do Exército em Sucre. “A prioridade é dar alívio humanitário
aos familiares do falecido, atenção aos feridos e trabalhar na solução dos
conflitos sociais para recuperar a estabilidade.” Sobre seu gabinete, ele
disse apenas que quer homens e mulheres comprometidos e que tenham
integridade.
Ontem pela manhã, ainda em Sucre, o presidente entrou em contato com o
prefeito de Chuquisaca, Carlos Cortéz, para saber como está a situação desse
Departamento. Cortéz declarou que a região não sofre tantas ameaças quanto
outras da Bolívia, mas a situação social preocupa. No aeroporto a caminho de
La Paz, o presidente confirmou que sua primeira visita oficial será à cidade
de El Alto, vizinha da capital e um dos maiores focos rebeldes e berço de
movimentos sociais que radicalizaram o país com bloqueios e marchas,
transtornando a vida de todos. Trata-se de gesto simbólico. “Vamos fazer
todo o possível para pacificar.
CALMARIA
À exceção de mineiros concentrados numa praça em La Paz, que realizaram um
enterro simbólico de seu companheiro morto em Sucre, os movimentos sociais
deram uma trégua ao novo presidente. Os bloqueios foram liberados, não há
mais protestos e a vida dos bolivianos começa a ser retomada.
Os aeroportos ainda trabalharam irregularmente ontem, depois de uma greve de
quase 24 horas. Em Sucre, a companhia Aerosur cancelou um vôo regular para
poder acomodar os parlamentares que estavam na cidade anteontem e queriam
voltar às suas cidades. Uma funcionária informava: “Eles compraram o vôo,
lamento.” E compraram também 15 chapéus típicos da região numa loja do
aeroporto. Um dos parlamentares ainda brincou: “É o vôo dos sombreiros.”
Ainda levará alguns dias para que se regularize o abastecimento de
combustível no país. Com os protestos e a falta de gasolina, o litro chegou
a custar 15 bolivianos (a moeda local), cinco vezes o valor normal. Os
primeiros caminhões começaram a abastecer postos de La Paz. Já havia, no fim
da tarde, ônibus públicos pela cidade.
Um dos líderes oposicionistas, o cocaleiro Evo Morales, afirmou que os
líderes sindicais, mineiros e camponeses, estavam interrompendo os protestos
como uma prova de que vão aceitar uma trégua. “As mobilizações começaram
para transformar a Bolívia. Agora temos que dar tempo ao novo presidente
para organizar sua equipe de trabalho”, afirmou.

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